Quando pensamos na franquia Super Mario, o que nos vem à cabeça são mundos coloridos, saltos precisos, power-ups mágicos e a familiar trilha sonora de Koji Kondo. Mas existe um capítulo estranho, quase apagado da história, que a própria Nintendo raramente menciona: Hotel Mario, lançado em 1994 exclusivamente para o console CD-i, da Philips. É o único jogo da franquia Mario que não foi desenvolvido nem supervisionado diretamente pela Nintendo e para.
Neste artigo, vamos ver desde os bastidores dessa "anomalia", os motivos que levaram à sua criação, as circunstâncias bizarras do console CD-i, o impacto do jogo, porque ele é considerado um desastre e, acima de tudo, porque Hotel Mario continua sendo uma das maiores curiosidades da história dos videogames.

A Estranha História do CD-i e a Nintendo
Tudo começa no final dos anos 1980. A Nintendo, após o enorme sucesso do NES e do Super Nintendo, começou a explorar o futuro dos videogames com mídia em CD-ROM. A ideia era simples: aproveitar a maior capacidade dos CDs para criar experiências melhores e mais ricas em detalhes, com mais áudio, vídeo e interatividade.
Inicialmente, a Nintendo fez uma parceria com a Sony para criar um periférico de CD para o SNES. O projeto se chamava "Play Station" (sim, com espaço mesmo) e estava bem avançado. Mas divergências contratuais e uma tentativa da Sony de ganhar direitos excessivos sobre as propriedades da Nintendo fizeram a empresa japonesa cancelar o acordo de forma abrupta em 1991 o que, ironicamente, resultaria anos depois na criação do PlayStation, da Sony, um dos maiores rivais da Nintendo até hoje.
Com o rompimento, a Nintendo procurou outro parceiro para continuar o projeto do periférico de CD-ROM: a Philips. O acordo entre as empresas foi selado, mas acabou sendo igualmente curto. A Nintendo abandonou definitivamente o plano de lançar um leitor de CD para o SNES, mas permitiu que a Philips usasse alguns personagens da Nintendo em jogos para seu novo console: o Compact Disc-Interactive, ou CD-i.
Esse ponto do contrato selaria o destino de um dos momentos mais constrangedores da história da Big N.
O CD-i: Um Console Que Nunca Deveria Ter Existido
O CD-i foi lançado em 1991 pela Philips como um sistema de entretenimento multimídia. A empresa o vendia como um reprodutor de filmes interativos, jogos educativos e produtos de "edutainment". Tinha preço alto, interface pouco amigável e controle horrível (em forma de controle remoto). Ainda assim, a Philips tentou se inserir no mercado de games como concorrente do SNES e do Sega Genesis.
Para isso, começaram a desenvolver jogos que aproveitavam as licenças de personagens da Nintendo concedidas pelo contrato. Foram feitos três jogos da franquia The Legend of Zelda (Link: The Faces of Evil, Zelda: The Wand of Gamelon e Zelda’s Adventure) e apenas um de Mario: o infame Hotel Mario.
Ao contrário do que muita gente pensa, a Nintendo não teve envolvimento direto em nenhum desses projetos. Ela apenas cedeu o direito de uso dos personagens por tempo limitado. O desenvolvimento ficou totalmente a cargo da Philips e de estúdios contratados no caso de Hotel Mario. O desenvolvimento ficou com a Fantasy Factory, uma pequena equipe americana que claramente não estava preparada para lidar com uma franquia tão consagrada.

O Que É Hotel Mario, Afinal?
Lançado em 1994, Hotel Mario é um jogo de plataforma com uma ideia estranha: Mario e Luigi devem invadir sete hotéis construídos por Bowser e seus filhos, os Koopalings, e fechar todas as portas em cada andar para prosseguir.
Sim, portas.
O objetivo do jogo é simples (e ridículo): o jogador percorre andares de um hotel, pulando de plataforma em plataforma, fechando todas as portas enquanto evita inimigos e tenta não morrer. Cada hotel tem vários "andares", ou "níveis", e cada um exige que você feche todas as portas antes que o tempo acabe, ou seja derrotado.
O jogo mistura elementos de arcade com um ritmo lento e controles pouco responsivos. A jogabilidade é repetitiva, a detecção de colisão é falha e o design dos níveis não tem nada de atraente. Mas nada disso é tão criticado quanto os infames vídeos animados que fazem parte da experiência.
As Cutscenes: Um Show de Horrores Animados
Hotel Mario é lembrado, ou melhor, eternamente zombado por suas cutscenes animadas. Como o CD-i usava mídia em CD, os desenvolvedores acharam que seria uma boa ideia incluir vídeos animados para contar a história. Eles contrataram um estúdio de animação barato na Rússia para produzir essas cenas, que parecem saídas de um desenho animado de orçamento mínimo dos anos 80.
As animações são toscas, com movimentos estranhos, sincronia labial falha, cores lavadas e uma direção de arte totalmente desalinhada com o visual clássico de Mario. Mas o pior de tudo é o roteiro: os diálogos são bizarros, cheios de frases sem sentido e piadas forçadas. Mario e Luigi falam de forma caricata, tentando simular um sotaque ítalo-americano de forma exagerada e quase ofensiva.
Frases como “Nice of the princess to invite us over for a picnic, eh Luigi?” ou “All toasters toast toast” viraram memes eternos. Hoje, essas cutscenes são um clássico da cultura meme na internet, o que talvez seja a parte mais positiva do jogo.
O Fracasso Comercial e a Reação da Nintendo
Hotel Mario foi um fracasso comercial absoluto. Vendeu poucas unidades, foi duramente criticado pela mídia e ignorado pela maioria dos jogadores. A recepção foi tão negativa que a Nintendo se distanciou imediatamente do jogo, não fazendo nenhuma menção oficial nos anos seguintes.
Shigeru Miyamoto, criador de Mario, já afirmou em entrevistas que não considera o jogo parte do cânone da franquia. Para a Nintendo, Hotel Mario é um erro de percurso, um deslize resultante de uma má decisão contratual. E apesar de o jogo ter usado oficialmente os personagens da empresa, ele nunca foi referenciado em nenhum outro jogo da franquia.
Não à toa, Hotel Mario nunca foi relançado em nenhuma coletânea, loja virtual ou serviço de retrocompatibilidade. Para todos os efeitos, é como se ele nunca tivesse existido.

Por Que a Nintendo Deixou Isso Acontecer?
Muitos fãs se perguntam como a Nintendo, famosa por seu controle rígido de qualidade e propriedade intelectual, permitiu que algo assim acontecesse. A resposta está na época em que o contrato foi feito: início dos anos 1990.
Naquele momento, a empresa ainda estava aprendendo a navegar no mundo dos negócios. Ao ceder os direitos para a Philips como parte de uma tentativa de compensação pelo cancelamento do periférico CD-ROM, a Nintendo não imaginava o uso criativo (e desastroso) que a empresa holandesa faria.
Além disso, a própria Nintendo provavelmente não esperava que o CD-i fosse levado a sério como plataforma de jogos. Ela tratou os projetos da Philips como irrelevantes e, por isso, não supervisionou de perto. Foi um erro que serviu de lição: desde então, a empresa nunca mais cedeu suas propriedades intelectuais sem um controle completo.
O Culto e o Meme
Curiosamente, Hotel Mario não foi totalmente esquecido. Pelo contrário: nos últimos anos, ele ganhou notoriedade na internet como um "so bad it's good". Youtubers, streamers e historiadores de jogos revisitavam o título em tom de deboche. As cutscenes viraram fontes inesgotáveis de memes, remixes, vídeos de reação e sátiras.
Em fóruns e subreddits, Hotel Mario é discutido como uma "joia do lixo eletrônico" uma relíquia kitsch que, apesar de tudo, diverte justamente por sua ruindade. Existe até uma demanda nostálgica por relançamentos, emuladores, preservação digital e até ports de fãs. É como se o jogo tivesse transcendido sua mediocridade e se tornado parte da cultura pop pela bizarrice.
Jogando Hoje: Vale a Pena?
Se você tiver curiosidade mórbida, vale a pena experimentar Hotel Mario por emulação. O jogo em si é funcional, mas totalmente monótono. A jogabilidade é repetitiva, a dificuldade é mal calibrada e o design não tem a menor inspiração. Em meia hora, você provavelmente verá tudo o que o jogo tem a oferecer, mas as cutscenes, ah, essas valem o play.
Assistir Mario e Luigi falando como personagens de uma paródia mal feita é, no mínimo, hilário. Há algo de fascinante no fracasso. E Hotel Mario é um daqueles casos onde a falha é tão completa que se torna icônica.
Lições da História: Controle Criativo e Proteção de Marca
A principal lição que a Nintendo tirou desse episódio é clara: nunca mais terceirizar suas franquias sem supervisão total. Desde então, a empresa protege suas IPs com fervor quase obsessivo. Qualquer produto licenciado hoje passa por filtros rigorosos de qualidade, supervisão criativa e exigências contratuais.
Mesmo nas raras ocasiões em que a Nintendo permite que estúdios externos trabalhem com seus personagens (como Mario + Rabbids da Ubisoft ou Cadence of Hyrule da Brace Yourself Games), ela está fortemente envolvida no processo.
Hotel Mario ajudou a moldar essa cultura de controle. Foi um tropeço que serviu como aviso e talvez por isso a empresa nunca mais permitiu que Mario ou Zelda saíssem de casa sem supervisão.

Conclusão: Um Pedaço Bizarro, Mas Importante da História dos Games
Hotel Mario é uma "anomalia" na franquia. É um jogo ruim, feito por uma empresa que não sabia lidar com o legado que tinha em mãos, lançado em uma plataforma esquecida, com controles sofríveis e uma direção artística desastrosa. E ainda assim, é parte da história de Mario. Um capítulo bizarro que nos lembra que nem as maiores franquias do mundo estão imunes a erros.
Hoje, em uma era onde Mario é sinônimo de qualidade e nostalgia, Hotel Mario permanece como um lembrete curioso, quase cômico, de que até os ícones podem cair... e levantar.
Não importa o quanto a Nintendo tente apagar esse episódio, ele ainda existe. E, de certa forma, é reconfortante saber que até Mario já teve seus dias ruins.
— Comments 0
, Reactions 1
Be the first to comment