Em meados dos anos 1990, o mercado tentava se reinventar após a era 16-bit, e a indústria buscava novas linguagens para gêneros que haviam atingido maturidade técnica nos consoles anteriores ao PlayStation.
O RPG de ação, em especial, vivia uma espécie de encruzilhada: entre preservar o legado de jogos como The Legend of Zelda e experimentar novas formas de expressão — foi nesse espaço que Alundra nasceu.

Alundra e a tentativa de um "Zelda mais maduro"
Lançado em janeiro de 1998, o título parecia uma tentativa da Matrix Software, fundada poucos anos antes por desenvolvedores vindos de estúdios como Telenet Japan e Masaya, carregava roupagem e elementos que o faziam parecer uma tentativa de Zeldalike da Sony: a influência de The Legend of Zelda: A Link to the Past soa quase óbvia em um RPG de ação com perspectiva isométrica, com mapas interligados e as dungeons estruturadas em torno de ferramentas específicas e a progressão baseada em exploração e desbloqueio de novos atalhos.
Alundra, no entanto, reorganiza esses elementos para sustentar outro tipo de narrativa marcada por um tom surpreendentemente sombrio. Desde seus primeiros momentos, o jogo estabelece um ritmo deliberadamente desconfortável, sustentado por uma atmosfera de perda que atravessa toda a experiência do jogo: a história de um jovem capaz de entrar nos sonhos das pessoas, que chega, após o naufrágio do seu navio em uma tempestade, a uma vila assolada por pesadelos mortais.

Em vez de uma jornada épica tradicional, o jogador é confrontado com temas como culpa, trauma, fé e morte, e o título constrói sua narrativa a partir dos conflitos internos, traumas pessoais e perdas irreversíveis dos moradores de Inoa, onde cada habitante carrega marcas invisíveis que se manifestam nos sonhos — e se não forem salvos a tempo, eventualmente os pesadelos consumirão suas vidas.
A primeira missão do nosso herói em salvar alguém dava o notório tom de melancolia da trama inteira: Alundra falha em salvar um dos habitantes de Inoa. Seus esforços, pela inexperiência com seus poderes, foram em vão. O jogo é melancólico, desconfortável, e durante muito tempo evita se sustentar no heroísmo enquanto debatia temas como o poder da crença coletiva e na psique humana, quase como um primo distante de Zelda que flertou com outra franquia que acabara de nascer na mesma época, Persona.

Essa mesma melancolia se refletia nas masmorras, que se dividem entre ambientes segmentados para conseguir um novo item ou artefato necessário para progredir com a exploração, e outras, mais voltadas para a trama, que servem como extensões simbólicas da psique de seus moradores, explorando suas culpas, medos e arrependimentos.
Alundra, entretanto, ficou famoso — e infame — por seus quebra-cabeças. Por vezes, o título se tornava estressante por demandar precisão do jogador para destrancar uma porta de um quebra-cabeça, ou um posicionamento e/ou movimento específico para alcançar uma determinada sala, chegando ao ponto de arrancar os cabelos dos jogadores mais impacientes e sendo desafiador até para os fãs do gênero.
Cada masmorra exigia observação e muita tentativa e erro para desvendar seus mistérios, e o que para alguns jogadores se tornava um obstáculo, fazia parte da identidade do título e o que o tornava tão especial e o diferenciava dos seus concorrentes e similares. Em entrevistas concedidas ao longo dos anos, membros da equipe apontaram que o título foi concebido como um jogo que exigisse envolvimento ativo, tanto na resolução de desafios quanto na interpretação de seu mundo.

A recepção inicial de Alundra não foi explosiva, mas foi consistente o suficiente. Com o tempo, o título construiu uma reputação sólida, com uma nota média de 8.6, segundo o Metacritic. Ele não se tornou um fenômeno de vendas comparável aos grandes nomes do console, mas jogadores que o descobriram — muitas vezes por acaso — tendem a se lembrar do título com apreço.
O jogo não tentava competir com os grandes espetáculos tridimensionais que começavam a dominar o PlayStation, mas compensava a falta de capacidade gráfica abraçando uma estética refinada e estilo artístico marcante, que apesar de parecer uma escolha conservadora, tornou-se um diferencial.
Alundra 2 e a Mudança Brusca de Visão
Diante desse cenário, uma sequência parecia natural. Havia espaço para expandir o universo, refinar sistemas e talvez corrigir os erros do primeiro jogo. No entanto, Alundra 2: A New Legend Begins, lançado em março de 2000, seguiu um caminho radicalmente diferente que o destoou demais da experiência proposta pelo título original.

O tom sombrio e introspectivo foi substituído por uma estética caricata, com diálogos e cenas — agora com um título inteiramente construído com modelos em 3D — quase cômica, que pavimentaram uma narrativa que abandonava os temas sombrios e melancólicos em prol de uma aventura mais leve, humorística e com personagens que seguiam tropos já muito estabelecidos e reutilizados em outras obras.
Do ponto de vista de design e gameplay, as mudanças também foram notáveis: os quebra-cabeças foram simplificados e os desafios foram reduzidos, com mapas mais intuitivos e até mini-games que, enquanto divertidos, pareciam tão bobos quanto a estética narrativa da trama.
Hoje, observando mais de duas décadas depois, parece que Alundra 2 tinha outro público-alvo em mente. Talvez ele tenha flertado demais com Zelda no primeiro jogo, talvez ele tenha feito uma trama adulta demais para o principal público consumidor de games da época, e por isso apostou em um jogo orientado para uma narrativa infanto-juvenil que, enquanto marcou a infância de alguns, foi uma experiência menos memorável no longo prazo.

Alundra 2 podia até carregar esse título, mas claramente não queria ser Alundra, e as consequências foram quase naturais: se o primeiro jogo é lembrado hoje pelos quebra-cabeças complexos e história revestida de tragédias e perda, a sequência perdeu aquilo que a tornava única e, em um mercado já saturado de aventuras leves e genéricas, Alundra 2 passou a competir na indústria em um terreno onde não tinha qualquer vantagem ou destaque.
O contexto da indústria também não era favorável: no início dos anos 2000, o PlayStation já estava repleto de RPGs ambiciosos, muitos deles tridimensionais e tecnicamente impressionantes. Final Fantasy VII havia redefinido expectativas menos de um ano antes do primeiro Alundra ser lançado, e o público estava cada vez mais atento à inovação tecnológica e narrativa que estúdios como a então Squaresoft proporcionavam.
Ao migrar da estética bidimensional para o mundo dos jogos em 3D, Alundra 2, visando surfar na onda do mainstream na tentativa de se tornar mais “popular”, acabou parecendo pequeno diante da competição, e as concessões feitas para tentar alcançar os gigantes produziram um produto pouco memorável para a geração.
Concluindo
Hoje, revisitar Alundra é uma oportunidade de refletir sobre escolhas criativas, a importância de entender o próprio público e a coragem de sustentar uma visão mesmo quando ela não é a mais comercial. O jogo não era perfeito — seus quebra-cabeças excessivamente punitivos e o ritmo irregular afastaram parte dos jogadores —, mas oferecia algo que não era fácil de encontrar com os mesmos elementos no PlayStation.
Quando Alundra 2 começou a tomar forma, o cenário da indústria já havia se transformado. O mercado demonstrava apetite crescente por experiências mais acessíveis e um apelo visual alinhado às tendências emergentes. A sequência reflete a leitura, possivelmente errônea, do deslocamento da audiência: a mudança de protagonista, o tom mais expansivo e a presença mais constante de humor indicavam uma tentativa clara de reposicionar a série para uma nova geração.
O preço a pagar foi a ausência de um diferencial claro. A série perdeu sua âncora conceitual, e a recepção morna da sequência encerrou qualquer perspectiva de continuidade para a franquia — a Matrix Software se dedicou a outros projetos nas últimas décadas, inclusive trabalhando com a Square Enix em jogos spin-offs das séries Final Fantasy e Dragon Quest.
Apesar desse fim prematuro, Alundra permanece como uma aventura memorável e um dos títulos mais marcantes do gênero na era do PlayStation One, e apesar das falhas, Alundra 2 tem seus méritos como uma aventura divertida, e também como um exemplo de como, por vezes, se submeter demais às preferências do público pode diluir sua proposta inicial, e acabar criando um produto que não acompanha, por falha de leitura, aquilo que se esperava.











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