Mesmo com o domínio do digital e do streaming, o formato físico continua firme. Isso acontece porque a cópia física ainda dá ao jogador uma sensação clara de posse. A sensação de que a empresa não pode tirar o jogo de você. O jogo é seu!
O formato físico também ajuda quem gosta de controlar melhor onde o dinheiro está indo. Quando você compra um jogo em disco ou cartucho, ele está ali na sua mão; não tem assinatura, não tem licença que pode mudar depois, não tem risco de sumir sem aviso.

Você compra o jogo, coloca na estante, empresta, revende, troca, faz o que quiser. É algo que não existe no digital, onde tudo depende da loja, da plataforma, das regras de uso e da disponibilidade de servidores. Se amanhã a Steam sumir, seus jogos vão todos com ela.
Esse lado mais prático e emocional sempre existiu, desde os primeiros consoles. A cultura gamer nasceu mexendo com caixas, manuais e brindes. O físico nasce nessa tradição e ainda carrega parte dela. Mesmo hoje, quando as capas vêm mais simples e os manuais desapareceram, existe um valor simbólico enorme em ter o jogo como um objeto de verdade. E essa relação não é só nostalgia: tem fatores bem concretos envolvidos.
Da era dos cartuchos às mídias ópticas
No começo, todos os consoles usavam cartucho. Atari, Nintendo e vários outros consoles funcionavam assim. As “fitas” eram resistentes, rápidas e quase nunca davam problema de leitura (um sopro resolvia). A contrapartida é que a tecnologia era limitada e muito mais cara de produzir. Hoje em dia, é fácil fazer um jogo de Master System completo, bonito e mostrar o quanto o processador do console podia fazer muito mais do que o que eles entregavam na época. Mas, colocar isso em um cartucho de, no máximo, 8 bits é outra história.
Ainda assim, era o padrão. Isso durou até meados dos anos 90, quando PlayStation 1, Sega Saturn e outros consoles passaram para CDs — depois DVDs e mais tarde Blu-rays. Foi uma virada importante porque os discos eram baratos, tinham muito mais espaço e permitiam que os jogos crescessem de tamanho sem elevar demais o custo de produção.

A migração para os discos estabeleceu um novo padrão no mercado, mas ela não matou totalmente a ideia de mídia física robusta. Com o tempo, os desenvolvedores perceberam que jogos cada vez maiores esbarravam nos limites de velocidade e capacidade das mídias ópticas tradicionais.
E essa transição também mudou o “pacote” físico. Manuais enormes começaram a desaparecer, as caixas ficaram mais simples e, no fim das contas, o disco virou o elemento principal. Em muitos lançamentos atuais, especialmente no PS5, você abre a caixa e só encontra o disco — e às vezes nem isso, já que algumas versões vêm apenas com um código de download. Isso abriria caminho para algo que muita gente não esperava: o retorno dos cartuchos. Não exatamente como antes, mas eles voltariam.
O retorno dos cartuchos e a produção atual
Com a evolução da memória flash, os cartuchos modernos ficaram pequenos, rápidos, duráveis e baratos o suficiente para competir com discos. Esse foi um dos motivos que levou o Nintendo Switch a adotar os game cards. Eles carregam os jogos de maneira quase instantânea, não têm o problema de desgaste por leitura óptica e são muito práticos. Isso devolveu à mídia física algumas vantagens que tinham sumido no início dos anos 2000.
Enquanto isso, os discos continuam existindo, mas enfrentam desafios reais. A Sony, por exemplo, anunciou o fim da produção de mídias Blu-ray, o que mexe diretamente com o que acontece com jogos físicos daqui pra frente. Há rumores de que o próximo console da Nintendo ainda deve usar cartuchos. Já no caso da Sony e da Microsoft, a tendência aponta para um cenário cada vez mais digital, mas ainda com espaço para mídias físicas, especialmente pensando em colecionadores.
Essa mistura de formatos — cartuchos modernos de um lado, discos perdendo espaço de outro — mostra que o físico não desapareceu. Ele só mudou de função. Hoje ele é, ao mesmo tempo, uma forma eficiente de distribuição e um item que conversa com a memória afetiva do jogador.
O problema do “sempre online”: o caso The Crew
Um dos pontos mais fortes que mantêm a mídia física viva é justamente o medo da dependência digital. Jogos que precisam estar conectados o tempo todo criam uma situação absurda: mesmo quem compra o disco acaba dependendo do servidor. Quando ele é desligado, acabou. A Ubisoft demonstrou isso de forma muito clara com The Crew, lançado em 2014. Em 2024, quando os servidores foram desligados, o jogo simplesmente deixou de funcionar, mesmo para quem tinha a cópia em mídia física. Não existia modo offline.
A resposta da Ubisoft, o diretor Phillipe Tremblay disse ao Game Industry Biz para esse caso, e para outros futuros, é: “O jogador deve se acostumar com a ideia de que o jogo não é seu.”

Os serviços de streaming de games, como a Steam e a Epic, colocam cada vez mais avisos de que o jogador está comprando uma “Licença de uso do jogo” e não O jogo em si. GOG continua firme em sua política de vender o jogo e não apenas licenças.
A reação dos fãs foi pesada. Nos Estados Unidos, um processo acusa a Ubisoft de vender algo que não era realmente o jogo, mas apenas uma licença temporária. A discussão envolve justamente a ideia de que, se a mídia física não garante acesso ao conteúdo, então o consumidor foi enganado. Outros jogos desligados no passado — como Assassin’s Creed 2 e 3, ou Knockout City — pelo menos tinham algum modo offline. Já The Crew virou um item morto.
Mas a comunidade não engoliu isso calada. Surgiu o projeto The Crew Unlimited, que tenta recriar servidores por conta própria para manter o jogo vivo. É uma tentativa de preservação feita pelos jogadores, não pela empresa responsável.
Esse caso virou símbolo de como o digital pode ser frágil e como o físico ainda serve como única forma de garantir que algo não desapareça de um dia para o outro. Mesmo que um jogo dependa de servidores, o disco ao menos tenta guardar parte daquele conteúdo, enquanto a versão digital some sem deixar rastros.
Vantagens tangíveis da mídia física
Além do peso emocional e da questão técnica, existe o aspecto comercial. Muita gente acredita que o digital seria mais barato por cortar o custo de produção e distribuição, mas isso não se confirmou na prática. Os preços digitais demoram muito mais para cair, enquanto os físicos despencam em promoções, liquidações e lojas de usados. Comprar um jogo físico e revender depois reduz o custo final para o consumidor, o que torna o preço mais justo.
No digital, você não pode revender, não pode emprestar, não pode trocar. É uma compra “presa” na sua conta e nas regras da loja. No físico, você faz o que quiser. Isso cria um tipo de liberdade que o digital ainda não oferece (e que muitas empresas, como Sony e Microsoft, não querem que você tenha).
Quem coleciona sabe bem disso. As prateleiras servem como um registro da história pessoal do jogador, algo que o digital não replica. Quem gosta de ter o controle sobre as próprias coisas vê o físico como uma garantia.
E isso não é só um capricho. Funciona como um escape das lojas digitais, que têm cada vez mais controle sobre preços e disponibilidade. A mídia física reduz esse peso e devolve ao jogador um mínimo de autonomia.
Edições especiais e o apelo colecionável
As empresas sabem que esse apego existe, então investem em edições especiais. São caixas enormes com estatuetas, artbooks, trilhas sonoras e todo tipo de item que conversa diretamente com fãs mais dedicados. Elas não são baratas, mas funcionam porque transformam o jogo em objeto. A lógica é parecida com o colecionismo de vinil: não é só sobre o conteúdo, mas sobre a peça em si.
O mercado físico tende a diminuir, mas ele deve seguir nessa direção premium. Jogos antigos em cartucho, por exemplo, já viraram itens de colecionador, assim como relançamentos de clássicos em tiragens limitadas. É um mercado ativo no Brasil e no exterior. Movimentos como o “Stop Killing Games” ganharam força justamente por causa disso: jogadores que querem preservação e respeito ao valor cultural desses produtos.
O físico virou uma forma de manter viva parte da história dos videogames. À medida que o digital cresce, o valor de algo tangível se intensifica. E, enquanto existir essa relação emocional e histórica, as edições especiais e itens colecionáveis continuarão atraindo público.

Contudo, também existem os mercados paralelos de jogos físicos de fangames sendo vendidos à parte. É o caso do port de Real Bout Fatal Fury Special para Mega Drive feito pelo RheoGamer, o problema foi bem objetivo: o desenvolvedor confirmou que terceiros começaram a produzir e vender cartuchos do projeto sem permissão. Usuários do AtariAge relataram que a empresa Retro X comercializou esses carts em eventos e pela internet, contrariando o fato de que a ROM era distribuída apenas para testes.
Essa venda não autorizada acabou pesando na decisão de cancelar o projeto, já que o autor não queria ver um fangame sendo explorado comercialmente antes mesmo de ficar pronto — e muito menos sem qualquer licença da SNK. O episódio virou um exemplo claro de como o colecionismo retrô pode esbarrar em conflitos de direitos autorais, má-fé e apropriação indevida do trabalho de fãs. Essa venda ilegal fez com que o desenvolvedor desistisse do projeto e cancelasse o port completamente.
Perspectivas futuras e conclusão
Hoje, as edições físicas seguem por vários motivos: segurança contra desligamento de servidores, possibilidade de revenda, preços mais flexíveis, apelo colecionável, controle de posse e resistência cultural. Tudo isso sustenta o formato mesmo com um mercado cada vez mais focado em distribuição digital.
A previsão dos analistas é que as cópias físicas continuem sendo lançadas pelo menos até o fim da década, mesmo que em menor escala. A tendência é que elas se tornem cada vez mais voltadas a colecionadores, com tiragens especiais e extras mais elaborados. Isso não é uma despedida, mas uma transformação. O físico não compete mais diretamente com o digital — ele ocupa outro espaço. Um espaço que mistura história, afeto e a vontade de ter algo concreto para chamar de seu.
A mídia física continua relevante porque o jogador valoriza o que pode segurar, guardar e preservar. Em um mundo onde cada vez mais coisas viram serviço, assinatura ou licença temporária, ter o jogo na prateleira ainda significa alguma coisa. E enquanto significar, esse formato não vai desaparecer.










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