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Life is Strange: Uma Defesa do Gênero Player-Choice Based

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Jogos Player-Choice Based, ou seja, nos quais as escolhas tomadas pelo jogador influenciam diretamente a gameplay, costumam ser bastante controversos, dividindo opiniões ao redor do mundo. Neste artigo, traremos uma análise de um dos títulos clássicos do gênero: Life is Strange.

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revisado por Romeu

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Jogos onde a escolha do jogador influencia no destino dos personagens e na direção que a história tomará não é exatamente novidade, vários jogos e devs tendo tentado, com diferentes níveis de sucesso, fazer jogos bem sucedidos dentro desse gênero.

Desde jogos extremamente polarizadores que dividem a comunidade entre fãs e críticos, como as obras da Quantic Dream (Heavy Rain, Beyond: Two Souls, Detroit: Become Human, etc) até aqueles considerados grandes sucessos, como Until Dawn e os jogos que a Supermassive Games produziria depois (mais especificamente, os jogos da Dark Pictures Anthology e The Quarry).

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A sua origem pode ser traçada até antes mesmo dos computadores, nos livros estilo escolha-sua-aventura, populares especialmente na década de 70, mas alguns jogos em especial, como Heavy Rain e Until Dawn, mencionados anteriormente, ou os aclamados clássicos The Wolf Among Us, da Telltale Games e Undertale, criado por Toby Fox, por exemplo, se tornaram marcos na história dos jogos chamados choice-based, onde a progressão da narrativa depende de escolhas feitas pelo próprio jogador. Esses jogos geralmente têm um foco grande na história e desenvolvimento de mundo e de personagens, deixando um pouco os aspectos mais voltados à ação de lado no sentido de gameplay.

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Outro jogo que, embora também divida a comunidade gamer entre aqueles que o amaram e aqueles que o odiaram, teve grande influência e relevância no gênero na época do seu lançamento é outro clássico, um jogo que a primeira vista parece apenas mais uma história de “coming of age” clichê, usando super poderes inesperados como metáfora para o amadurecimento de seus personagens, mas que surpreende o jogador na forma em que trata os temas de destino e inevitabilidade versus escolha, com seus temas surpreendentemente pesados e uma estética impecável: Life is Strange.

A Protagonista Como um Espelho do Jogador

No jogo, tomamos o controle de Max Caulfield, recém-chegada de volta a sua cidade natal, Arcadia Bay, para estudar fotografia em Blackwell Academy, após ter passado um longo período longe da cidade costeira. Ela acaba presenciando sem querer o assassinato de uma garota em um banheiro, e ao reagir, acaba descobrindo que tem poderes de voltar no tempo.

Max utiliza-se desses poderes para salvar a vida da garota, que então descobre tratar-se de sua antiga melhor amiga, Chloe Price, e com ela, embarca numa jornada sombria para descobrir o que está acontecendo com Arcadia Bay e com o desaparecimento de outra personagem, Rachel Amber, em meio a visões quase apocalípticas de um tornado que tudo indica que destruirá a cidade em alguns dias.

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Max e sua construção de personagem são um exemplo perfeito de um personagem feito completamente para que o jogador se projete e identifique nele. Além de ter uma aparência bastante andrógina, não tendendo nem para o masculino, nem para o feminino no seu visual, corpo, roupas, etc, seu próprio nome, “Max”, é um tanto quanto unissex.

Considerando que o jogo foi lançado em 2015, uma época anterior a quaisquer discussões relevantes sobre não-binariedade e ausência de gênero dentro do âmbito dos games, caracterizá-la dessa forma era o mais próximo que se conseguia chegar de criar um personagem efetivamente sem gênero, para que a maior quantidade possível de pessoas pudesse se identificar com ele.

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Colocar o jogador no papel da personagem principal o máximo possível e de todas as formas possíveis visam fazer com que ele sinta as consequências das decisões tomadas de forma pessoal. As escolhas presentes no jogo não são por definição certas ou erradas, preto no branco, e sim feitas para serem moralmente cinzentas, escolhas entre o que Max - e o jogador - desejam e o que outras pessoas desejam dentro da história, a epítome desse conceito aparecendo na escolha final do jogo.

Claro, algumas das decisões a serem tomadas podem parecer inconsequentes e sem maiores repercussões, como, por exemplo, que se você não molhar uma planta regularmente no quarto da Max, a planta acaba morrendo, porém, em contrapartida, o jogo também nos apresenta com decisões e possibilidades que variam entre terrivelmente definitivas - como todos os eventos que levam o jogador a conseguir ou não salvar outra personagem, Kate, de cometer suicídio - até decisões que servem para construir mais ainda o personagem de Max e permitir com que o jogador projete mais ainda suas experiências ou preferências nela, como a decisão entre beijar Chloe, Warren, os dois ou nenhum deles, refletindo como a sexualidade de Max é projetada para ser explorada pelo próprio jogador. No final das contas, as escolhas que o jogador deve tomar simplesmente tem diferentes graus de importância, assim como na realidade.

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Max passa o jogo inteiro salvando Chloe da morte de novo e de novo e de novo, alterando linhas temporais e desafiando o destino diversas vezes - e com resultados cada vez mais catastróficos, causando eventos climáticos e temporais como uma tempestade de neve completamente fora de época, um eclipse inesperado, a morte de centenas de pássaros e baleias sem explicação aparente, a aparição de duas luas no céu, e, finalmente, o tornado que destruirá a cidade.

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E é por meio de todos esses acontecimentos e eventos inesperados que o jogo nos introduz ao conceito da Teoria do Caos, que dita que a menor das mudanças em uma linha temporal pode resultar em consequências catastróficas.

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Animais e Sua Simbologia

Um conceito muito proeminente nesse jogo é o de Spirit Animals, animais que representam e estão profundamente ligados aos valores fundamentais de uma pessoa, e os Spirit Animals de Chloe e Max desempenham um papel bastante importante na trama.

O de Chloe é uma referência direta aos temas tocados pela narrativa: uma borboleta. E se a primeira coisa que passou pela sua cabeça agora foi uma menção ao famoso efeito-borboleta, você está seguindo exatamente o que o jogo tenta evocar em seus jogadores. É uma borboleta-azul que faz com que Max esteja presente e escondida no momento em que Chloe é baleada e ela volta no tempo pela primeira vez, e esse animal aparece diversas outras vezes, sempre em torno ou com alguma referência a Chloe, indicando como sua morte - e o fato de ela ter sido impedida por Max, na verdade - foi o pontapé inicial de um verdadeiro efeito borboleta que culmina na tempestade devastadora.

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Borboletas, por conta de seu ciclo de vida que envolve a transformação de uma lagarta à borboleta em si, também simbolizam renascimento, algo que ocorre com Chloe diversas vezes ao longo do jogo, quanto mais Max a salva da morte.

Max, por sua vez, está diretamente relacionada a outro animal: uma corça. Esse aparece diversas vezes aos olhos de Max, guiando-a em direção à verdade sobre o que aconteceu com Rachel e simbolizando a inocência e bondade de suas ações. Reforçando essa ligação, a roupa mais icônica de Max no jogo é uma blusa com a silhueta de uma corça escrito “Jane”, remetendo instantaneamente ao conceito de “Jane Doe”, forma como são chamadas mulheres não-identificadas, encontradas perdidas ou vítimas de crimes.

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Os aspectos inerentes a cada animal se refletem na narrativa e no desenvolvimento de personagem de cada uma das duas protagonistas, Max representando a visão inocente sobre um assunto que acaba se mostrando extremamente pesado e servindo como o meio através do qual o jogador vive a história, e Chloe sendo o catalisador de um efeito borboleta devastador, demonstrando através de seus seguidos “renascimentos” sua evolução, de uma personagem deveras egoísta e teimosa para uma excelente amiga, que toma a decisão altruísta de pedir para que Max a sacrifique em nome de salvar Arcadia Bay - um contraste direto ao primeiro episódio, no qual ela declara que gostaria de ver a cidade queimar sem nenhum remorso.

Life is Strange e as Cinco Fases do Luto

As Cinco fases do luto, estabelecidas pela psiquiatra Elisabeth Kübler-Ross, são um tema que aparece muito frequentemente em narrativas audiovisuais, seja explicitamente ou, como é o caso de Life is Strange e vários outros jogos, inclusive já citados aqui na UmGamer como Final Fantasy X e sua jornada junto a temas de lutolink outside website, apenas como aspectos implícitos e referenciados durante suas histórias e acontecimentos.

No caso de LiS, a negação se inicia já no primeiro capítulo, Chrysalis, quando Max demonstra estar nessa fase através da sua postura frente a morte de Chloe, negando-se a aceitar sua partida e fazendo de tudo para salvá-la de novo e de novo e de novo.

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A Raiva é personalizada em Chloe, que desde a morte de seu pai em um acidente de carro anos atrás e a perda de uma amiga/amante muito próxima (Rachel) logo antes dos acontecimentos do jogo, se tornou alguém completamente revoltada, mudando tanto sua aparência quando suas atitudes e assumindo uma postura de quem acredita que o mundo inteiro está contra ela, com raiva de tudo e todos, constantemente entrando em conflitos com seu padastro. Isso é mais profundamente explorado no Episódio 2: Out of Time.

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A barganha é representada pelas tentativas sucessivas de Max de salvar a vida de Chloe para conseguir mais tempo ao seu lado, o que é quase literalmente a definição de Kubler-Ross de barganha, essa tentativa de obter mais tempo junto ao que se perdeu. O momento mais expressivo desse aspecto é no episódio 3: Chaos Theory, quando Max volta mais atrás no tempo e faz com que o pai de Chloe não tenha morrido no acidente, achando que assim irá restaurar a felicidade da amiga, mas ao invés disso acaba alterando a continuidade temporal de tal forma que Chloe acaba presa a uma cadeira de rodas e mais infeliz do que jamais esteve, eventualmente pedindo para que Max a ajude a tirar sua própria vida.

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A depressão se mostra presente no capítulo 4, Dark Room, quando é descoberto que Rachel estava morta esse tempo todo, e Chloe entra em um estado profundo de tristeza, além de ser o capítulo durante o qual alguns dos segredos mais sombrios da história são revelados. E finalmente, o final do jogo no Episódio 5, Polarized, no qual tanto Max quando Chloe aceitam o destino, que Chloe tem que morrer e isso não pode ser mudado nem mesmo via poderes sobrenaturais, é a aceitação.

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Outro aspecto, dessa vez visual, que é bastante relevante ao jogo é a paleta de cores presente através dos cinco episódios. Inicialmente apresentando um contraste bruto entre a realidade suavemente clara e iluminada do dia-a-dia de Max em Blackwell Academy e o clima escuro e sombrio das cenas de seus presságios sobre a tempestade e o tornado, a cada episódio que passa a paleta e o clima geral do jogo vão se aproximando cada vez mais dessa realidade sombria, indicando o declínio das circunstâncias relacionadas aos acontecimentos.

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Conclusão

Embora exista quem alega que as escolhas no jogo não tem uma profundidade verdadeira, uma jogatina atenta aos detalhes, metáforas e momentos presentes no jogo são o suficiente para refutar tais palavras; Life is Strange é um jogo totalmente focado em sua narrativa, e, portanto, pode não agradar tanto a quem é fã de jogos mais voltados para um gameplay de ação, mas isso não invalida de forma alguma o seu mérito absoluto dentro do que o jogo se propõe a fazer.

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Apesar do elemento mágico trazido pela viagem no tempo e pelos poderes de Max, as escolhas e opções dentro do jogo são realistas quando se propõe a serem, cada pequena ação ou cada decisão aparentemente inexpressiva tendo efeito na história em algum nível, criando um ambiente rico para aqueles que apreciam o trabalho colocado em um jogo desse tipo.

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Life is Strange ainda tem, porém, um último diferencial: sua própria mecânica de voltar no tempo, que permite que o jogador (com a exceção de alguns poucos momentos) “volte atrás” em suas decisões, veja qual é o resultado de todas elas antes de escolher uma, ou até mesmo desfaça alguma besteira causada por uma escolha infeliz. Porém, em momentos-chave do jogo, se torna impossível voltar, forçando o jogador a assumir a responsabilidade sobre as escolhas maiores ao mesmo tempo que permite com que ele experimente e “brinque” com as escolhas menores, dando maior liberdade e deixando a gameplay o mais “a cara” do jogador possível, e continuando a gerar uma alta re-jogabilidade!

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Juntando a mecânica acertada de escolhas, os visuais encantadores, direção de arte impecável, personagens cativantes, uma história que instiga o jogador a querer solucionar o mistério apresentado e ainda por cima uma trilha sonora incrível de brinde, LIfe is Strange é definitivamente digno de estar na categoria de “must play” para todos os fãs de jogos de escolha, e uma ótima pedida se você estiver procurando um jogo com gameplay calmo e uma excelente história para se distrair um pouco.

Obrigada pela leitura!