No mundo dos negócios, duas metáforas ganharam destaque nos últimos anos, quando o assunto é inovação e competitividade: Oceano Azul e Oceano Vermelho. Essas expressões ajudam a entender como empresas escolhem competir, seja em mares sangrentos com concorrência direta ou em águas calmas de inovação e diferenciação.
No setor de tecnologia essas estratégias são muito comuns, um bom exemplo são os smartphones: Enquanto a Apple oferece o apenas um tipo de aparelho o iPhone com seu sistema iOS único, sendo vendido não só como um aparelho, mas sim como um símbolo de status social atraindo um tipo específico de cliente. Com preços exorbitantes, os aparelhos da Apple não concorrem diretamente com os oferecidos por outras empresas que usam o sistema Android, onde existe uma variedade de aparelhos com preços mais acessíveis, disputando entre si o mesmo tipo de cliente.
Na indústria de games não é diferente, essas estratégias são vividas de forma intensa. Enquanto gigantes como Xbox e PlayStation travam batalhas por gráficos, exclusivos e potência de hardware, a Nintendo se destaca remando para outros rumos.
Neste artigo, vamos explorar o conceito de estratégia de Oceano Azul e Oceano Vermelho, identificar como essas abordagens se manifestam nas empresas de tecnologia e entender por que a Nintendo é o maior exemplo de Oceano Azul da indústria dos games, contrastando totalmente com Xbox e PlayStation. Também vamos discutir como a Steam, plataforma da Valve, se posiciona dentro dessas lógicas estratégicas.

Oceano Vermelho vs. Oceano Azul: A Teoria Que Explica Tudo
Mas afinal de contas o são esses oceanos? Antes de entrarmos no mundo dos games, é importante entender esses dois conceitos centrais. Desenvolvido pelos autores W. Chan Kim e Renée Mauborgne no livro A Estratégia do Oceano Azul o mercado se divide em dois tipos:
- Oceano Vermelho: representa um mercado onde empresas disputam a mesma fatia de clientes com muita concorrência. A competição é brutal, os produtos são similares e a guerra de preços pode chegar até a reduzir a margem de lucros. As empresas disputam espaço oferecendo melhorias nos produtos, reduzindo preços, sempre tentando conquistar o mesmo público-alvo. A competição é direta, feroz e muitas vezes sangrenta como uma metáfora a um mar de sangue infestado de tubarões.
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- Oceano Azul: representa a criação de novos mercados inexplorados onde a concorrência, ou não existe, ou é irrelevante existindo mais oportunidades de vendas, neste modelo de mercado não há competição direta. Em vez de disputar espaço com concorrentes, a empresa cria um novo espaço de consumo, oferecendo valor (não necessariamente baixo) e status diferenciado. Inovação, criatividade e ruptura com o status quo são marcas desse modelo. Daí vem a metáfora de águas calmas e virgens.
Essas estratégias não são fixas. Uma empresa pode começar em um Oceano Azul e, com o tempo, ver seu mercado se tornar vermelho, exigindo novos saltos criativos.

Estratégias Oceânicas Nos Video Games
Os fãs de videogame conhecem bem o cenário: PlayStation e Xbox que travam uma batalha épica por gráficos ultrarrealistas, teraflops e serviços de assinatura, enquanto a Nintendo não concorre diretamente com ninguém, fato esse que a empresa vendeu 125 milhões de consoles Switch com um hardware modesto e jogos que lembram nossa infância. Essa diferença não é acidental. É a aplicação prática da "Estratégia do Oceano Azul".
Cada empresas se enquadram nessas categorias, de acordo com suas abordagens de mercado.
- Microsoft (Xbox) e Sony (PlayStation): Oceano Vermelho, focam em disputar a preferência do público com investimentos em gráficos, estúdios renomados e franquias cinematográficas. Com hardwares potentes, serviços como o Game Pass e PSN Plus e jogos exclusivos, a batalha é por liderança em um mercado já consolidado.
- Nintendo: Oceano Azul, cria consoles e tecnologias fora da caixa, com experiências que fogem do padrão técnico. Foca em inovação de jogabilidade, design e proposta de entretenimento familiar universal.
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- Valve (Steam): Uma combinação de Oceano Azul e Vermelho, oferece uma plataforma dominante de distribuição digital, com características que aumentam o mercado (Oceano Azul), mas também enfrenta concorrência com Epic Games Store e outras (Oceano Vermelho).
Nintendo: A Dona dos Oceanos Azuis
A Nintendo é talvez o melhor exemplo de empresa que aplica, com consistência, a estratégia do Oceano Azul. Após o fracasso do Game Cube que ainda competia por hardwares em console, a empresa parou de tentar brigar com a Microsoft e a Sony e adotou oficialmente a estratégia do oceano azul.
Desde os anos 2000, quando lançou o Nintendo DS e o Wii, a empresa passou a apostar em experiências de jogos inovadores em vez de competir diretamente com gráficos, poder de hardware ou "realismo em jogos" o campo de batalha tradicional dos consoles de mesa.
O Caso Wii (2006): Revolução pelo Movimento
Enquanto o PlayStation 3 e o Xbox 360 travavam batalhas técnicas por resolução, processadores e multimídia, a Nintendo foi sentido contrário com o Wii oferecendo uma proposta diferente: eliminando gráficos mais realistas, processadores caros e controles complexos, a aposta da empresa foi em controles com sensor de movimento, interface simplificada e jogos com foco na interação social e familiar. Com isso, a Nintendo criou um novo público, crianças, famílias, idosos e até clínicas de fisioterapia. O Wii vendeu mais de 100 milhões de unidades, superando a concorrência direta de sua geração.
Wii U, um tropeço no Meio do Caminho
Com o sucesso do Nintendo Wii a empresa tentou seguir os mesmos passos lançando o Wii U. A resposta crítica ao console foi mista. Sendo elogiado por seu controle inovador GamePad, melhorias na funcionalidade online em relação ao Wii, compatibilidade com versões anteriores do software e periféricos do Wii.
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Mas o console foi considerado um fracasso comercial, com 13,56 milhões de unidades vendidas em todo o mundo sendo descontinuado em janeiro de 2017. O fracasso foi atribuído a biblioteca de jogos pouco atraentes, suporte limitado de terceiros e um marketing ruim que não conseguiu distinguir claramente o novo console de seu antecessor.
Nintendo Switch: O Renascimento Híbrido Como Filosofia
Em março de 2017 a empresa lançou o Nintendo Switch seguindo a mesma lógica do Wii, porem com uma idéia inovadora. Um console híbrido, parte portátil, parte console de mesa com jogos focados em acessibilidade e diversão, dispensando novamente os gráficos ultrarrealistas. O sucesso do console prova que a Nintendo soube aprender com seus próprios erros e criar um mercado novo onde os concorrentes não tentavam navegar.
Enquanto o mercado era dominado por consoles "caixas" e PCs poderosos, a empresa apostando na experiência de jogos sociais. Enquanto Sony e Microsoft disputavam o sucesso por números de teraflops e tempo de carregamento, a Nintendo cresceu pelo apelo familiar e capacidade de transformar jogos em experiências únicas. Franquias como The Legend of Zelda: Breath of the Wild, Animal Crossing e Super Mario Odyssey não precisavam da potência de um PS5 para serem inovadores e atraentes. O resultado foi além das expectativas, 152 milhões consoles vendidos (até 2025), tornando o Switch o terceiro console mais vendido da história.

Xbox e PlayStation: A Luta no Oceano Vermelho
Enquanto a Nintendo nadava em seu próprio mar, Sony e Microsoft lutavam entre si no mesmo campo de batalha, com estratégias centralizadas em superioridade técnica, serviços online e jogos exclusivos. As empresas adotam a estratégia de Oceano Vermelho disputando o mesmo tipo de jogador, os mesmos títulos AAA e brigam por um mercado já estabelecido. Os lançamentos são cronometrados, os preços ajustados conforme o concorrente, e as campanhas publicitárias seguem estratégias semelhantes.
Sony e sua Tradição de Exclusivos
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Desde a era do PlayStation 2, a Sony investe pesado em estúdios como Naughty Dog, Santa Monica Studio e Guerilla Games. A ideia é clara, conquistar os jogadores oferecendo experiências que não podem ser encontradas em outros consoles. Mas ao adotar essa estratégia a empresa travou uma gigantesca guerra comercial com a Microsoft que foi crescendo através dos anos.
Microsoft e o Foco em Serviços
A Microsoft percebendo que seria difícil competir contra os jogos exclusivos da Sony inovou em serviços criando o Game Pass que começou com um ponto de Oceano Azul em um Mar Vermelho. Com isso, a empresa teve uma explosão de consumidores comprando o Xbox ou assinando o serviço, algo que equilibrou balança na disputa por jogadores.
Sony demorou a perceber que o serviço de jogos do Game Pass era uma nova tendência e adotou tardiamente a mesma estratégia, reformulando a PSN Plus para o mesmo formato. Agora as empresas tinham novamente estratégias semelhantes e continuaram a competir pelo mesmo público e pelas mesmas métricas: fidelização, gráficos e lançamentos premium. A resposta da Microsoft veio rápido com compra de estúdios como Bethesda e Activision Blizzard. Esse foi um golpe forte na disputa, porém, a batalha não terminara com ambas as empresas disputando os melhores lançamentos. Anúncios bombásticos em eventos continuam sendo provas de que a batalha continua intensa e está longe de acabar.
Com as empresas focadas em atrair o mesmo perfil de jogador: adultos, hardcore, dispostos a pagar por gráficos e dentro disso existem os consumidores casuais, que são aqueles que compram os consoles apenas para se divertir. As duas empresas investem pesado na guerra de Hardware e jogos exclusivos.
A Sony aposta em franquias consagradas como God of War e The Last of Us. A Microsoft, contra-ataca com Halo, Gears of War e a aquisição da Bethesda e Activision detendo grandes franquias de jogos. O resultado desse mar sangrento são margens apertadas de lançamento de títulos, altos custos de produção, e jogos cada vez mais caros (US$ 70, 80).

Valve Um Caso Híbrido de Estratégia
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A Steam, plataforma da Valve, é um caso interessante porque combina elementos de ambas as estratégias. Quando surgiu, a Steam criou um novo espaço de consumo, começando no vermelho (loja digital concorrendo com físicas) e migrou para o azul com distribuição digital centralizada, fácil, com recursos como atualizações automáticas, comunidades e suporte a mods. Foi uma ruptura com o modelo tradicional de mídia física e lojas de varejo. Criando um mercado novo, o da conveniência digital.
Com Steam Workshop, Early Access e curadoria comunitária, a Valve ofereceu uma experiência além da venda de jogos. Estimulou o crescimento de desenvolvedores independentes e redefiniu como consumidores descobrem e compram games. Tudo isso é estratégia de Oceano Azul.
Estratégias da Steam
- Mercado Inexplorado: Maior plataforma de PC gaming, com 30 mil jogos e modelo aberto a desenvolvedores independentes.
- Comunidades: Grupos, fóruns, workshops (ex: mods de Skyrim).
- Descoberta: Recomendações algorítmicas além do "AAA".
- Steam Deck: Híbrido PC/portátil que desafia a lógica dos consoles.
- Preço Estratégico: Promoções agressivas (Summer Sale) e flexibilidade de preços.
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A Steam não "derrotou" a PlayStation Store ou a Xbox Store; ela criou um novo oceano onde jogadores buscam liberdade e não apenas gráficos.
Mas mesmo assim há competição... com a chegada de concorrentes como a Epic Games Store, GOG e outras plataformas, a Steam também enfrenta desafios diretos. Isso coloca parte do seu ecossistema em um Oceano Vermelho, principalmente na disputa por exclusivos, comissões menores e fidelização de publishers.

Por Que Nem Toda Empresa Consegue Criar um Oceano Azul?
Criar um Oceano Azul exige:
- Visão a longo prazo
- Coragem e Capital para inovar e correr riscos
- Conhecimento profundo do comportamento do consumidor
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- Capacidade de entregar valor diferenciado
Enquanto empresas como a Nintendo conseguem consistentemente "pensar fora da caixa", outras empresas estão mais presas a métricas convencionais de mercado e têm receio de abandonar o campo seguro da competição direta, principalmente por terem capitais instáveis.
Além disso, há o risco de que, com o tempo, o Oceano Azul vire um Oceano Vermelho como aconteceu com o mercado de battle royales, por exemplo, iniciado com PUBG e revolucionado por Fortnite, estando hoje está saturado com vários jogos no mesmo formato.
O Futuro: Novos Mares à Vista?
A teoria de Kim e Mauborgne alerta: oceanos azuis não são eternos. A Nintendo já viu seu Wii ser copiado com o Kinect, PlayStation Move e a Steam enfrenta concorrência da Epic Games Store e GOG. Ainda assim, as lições persistem:
- Nuvem e IA: Xbox Cloud Gaming e NVIDIA GeForce Now tentam criar um novo oceano (jogos sem hardware), mas ainda esbarram em limitações técnicas.
- VR/AR: Sony investe em PSVR2 (oceano vermelho de nicho), enquanto a Nintendo explora experiências acessíveis (Labo VR).
- Mobile: O maior Oceano Azul atual, ainda sub explorado por consoles tradicionais.
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Conclusão: Por Que Isso Importa Para Você, Gamer?
A indústria dos games é um oceano vasto, com áreas calmas e zonas de tempestade. Enquanto PlayStation e Xbox nadam em um mar vermelho de disputas técnicas e jogos exclusivos, a Nintendo continua pescando sozinha em águas tranquilas, oferecendo experiências únicas que atraem públicos esquecidos pelos concorrentes.
A Steam, por sua vez, demonstra que é possível transitar entre os dois mundos inovando com plataformas, mas também enfrentando rivais diretos em seu próprio território.
A lição que fica é clara: inovar não significa simplesmente criar algo novo, mas oferecer algo diferente que transforme como as pessoas jogam, consomem e interagem com os games.
No oceano azul as empresas cobram valores altos sem se preocupar com concorrentes diretos.
Enquanto isso, no oceano vermelho, aguardamos o próximo upgrade de hardware... e torcemos para que o preço não dispare.
Talvez você nunca tenha pensado nessas estratégias de mercado enquanto jogava, mas da próxima vez que ligar seu Switch, Xbox, PS5 ou PC, lembre-se de que cada botão que você aperta faz parte de um grande plano para te conquistar, seja em águas calmas ou sangrentas.
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