Quando eu era criança, lá na antiga década de 90, eu só podia imaginar como seriam jogos de videogame feitos no Brasil. Queria jogos baseados nos desenhos que assistia ou em coisas nossas, como brincadeiras de rua, e com legendas em português para que eu pudesse entender o que estava acontecendo na tela. Com o passar do tempo, a Tec Toy, empresa responsável pela distribuição de jogos e consoles da SEGA aqui no Brasil, me deu alguns games com esse gostinho nacional.

Games como Chapolin Versus Conde Drácula: Um Duelo Assustador e os vários games baseados no personagem Sapo Xulé e, principalmente, os games da Turma da Mônica, mostravam que os brasileiros sabiam sim fazer jogos. Era difícil, eram limitados, eram apenas mudanças nos sprites que trocavam o Wonder Boy pela Mônica, mas, ainda assim, jogavam aquele tempero de Brasil em cima do meu console criado e desenvolvido no Japão, produzido na Zona Franca de Manaus.
Hoje em dia, é muito mais fácil fazer jogos (não necessariamente lançá-los ou publicá-los) e nós já criamos jogos que fizeram sucesso no mundo todo. E é desses que vamos falar aqui, jogos brasileiros que fizeram sucesso lá fora e que, se você não jogou ainda, tem que aproveitar e jogar. Veja uma lista de 10 games nacionais que você precisa conhecer e jogar hoje mesmo. E se tiver dúvidas ou sugestões, deixe um comentário.
Dandara
Um dos títulos mais conhecidos e queridos do estilo Metroidvania, Dandara é aquele tipo de jogo que pega um conceito clássico de plataforma, vira tudo de cabeça para baixo e entrega algo bem diferente do padrão. Além disso, ele carrega uma identidade visual marcante em píxel art e mergulha em referências à cultura brasileira.
A protagonista não é criada do nada: Dandara existiu na vida real, foi uma líder antiescravista fundamental na história dos quilombos e companheira de Zumbi dos Palmares. A personagem do jogo é toda inspirada nela, e isso dá um peso ainda maior à aventura no mundo de Salt, tanto no jogo base quanto no DLC Salt: Provas de Medo.
A história aparece aos poucos, em pequenos textos na tela e conversas rápidas com NPCs, quase sempre deixando tudo no ar. Mas o que realmente chama atenção é a jogabilidade. A mecânica impede a personagem de simplesmente andar. Ela salta entre pontos específicos dos cenários, e você precisa mirar bem cada salto para conseguir avançar pelo mapa.
Esse estilo “acrobático” deixa o jogo punitivo e desafiador, e até pode frustrar um pouco no início, mas quando você pega o ritmo, a sensação de domínio é muito boa. No combate, Dandara dispara raios e tenta se esquivar como pode, sempre no improviso. Desenvolvido pelo estúdio mineiro Long Hat House, o jogo saiu para PC, PS4, Xbox One, Nintendo Switch e celulares, tanto iOS quanto Android.
Horizon Chase Turbo
Horizon Chase Turbo é um jogo de corrida 100% arcade, desenvolvido pelo estúdio gaúcho Aquiris. Ele nasceu no mobile com o nome Horizon Chase – World Tour, mas chamou tanta atenção que a Sony convidou o estúdio para fazer uma versão de PS4 — e isso acabou transformando o jogo no primeiro título brasileiro vendido em mídia física para um console da empresa japonesa.
A inspiração em Top Gear (o clássico de SNES) não é nem um pouco discreta. Ela está na jogabilidade, no visual, nos balões de fala que surgem na tela com provocações aos outros corredores, na estrutura das corridas e até na sensação de velocidade. Mas o melhor de tudo é a trilha sonora, composta pelo próprio Barry Leitch, o mesmo que trabalhou em Top Gear. Ele curtiu tanto participar que deixou até um pedido de casamento escondido como easter egg.
Além disso, o jogo traz várias pistas no Brasil e um monte de referências ao país. Os pilotos fazem comentários com aqueles sotaques regionais, alguns carros são claramente inspirados em modelos tipicamente daqui como a Kombi, o Fusquinha e até o famoso Uno com escada no teto, batizado de “Carro da Firma”. É aquele tipo de humor que só a gente entende, sem deixar de lado corridas divertidas e desafiadoras. O jogo está disponível para PC, PS4, Xbox One, Nintendo Switch e também continua ativo no Android e iOS.
Kaze and the Wild Masks
Lançado em 2021, Kaze and the Wild Masks abraça a nostalgia de forma muito direta. Ele é totalmente inspirado em clássicos como Donkey Kong Country, Sonic e até alguns elementos de Super Mario. Desenvolvido pelo estúdio gaúcho PixelHive e publicado pela Soedesco, o jogo mistura comandos simples com variações de habilidades que vêm das máscaras selvagens, que são itens especiais que permitem ao coelho Kaze usar poderes inspirados em outros animais.

A aventura acompanha Kaze tentando salvar as Ilhas de Cristal e libertar seu amigo Hogo de uma maldição que transforma criaturas em monstros. O jogo é desafiador principalmente para quem gosta de coletar tudo, pegar cristais, desbloquear fases bônus e limpar cada mundo com 100%. A pixel art é caprichada, charmosa e cheia de detalhes que deixam tudo vivo, com cenas rápidas animadas sem diálogos que dão mais personalidade ao mundo e easter eggs em nomes de chefes.
A estrutura por mundos e fases lembra bastante os clássicos da Nintendo, e a sensação de progressão é gostosa. Você entra no ritmo, pega uma máscara, ganha um poder e sai esmagando legumes possuídos com uma vontade surpreendentemente satisfatória. O jogo foi lançado para PC, PS4, Xbox One e Nintendo Switch.
Knights of Pen and Paper
Seguindo a tradição da metalinguagem, Knights of Pen and Paper é outro representante brasileiro que abraça uma ideia original e divertida. Desenvolvido pela Behold Studios e lançado primeiro para celulares, o jogo funciona como um RPG por turnos, mas com uma curiosidade: você e seus amigos estão jogando RPG de mesa e você controla tanto o grupo de aventureiros quanto o mestre da mesa (ou DM). Na prática, você escolhe para onde a “mesa” vai, quais inimigos aparecem e quantos deles surgem. Depois, controla o grupo para enfrentar aquilo que você mesmo colocou no caminho.

Esse formato permite brincar com situações absurdas, já que tudo o que está acontecendo “fora” da mesa é imaginação. O jogo permite personalizar os jogadores, escolher classes e habilidades, trocar skins e montar grupos cheios de personalidade. O humor é constante, cheio de referências, piadas e encontros improváveis. O sucesso foi tanto que rendeu Knights of Pen and Paper II e também um spin-off espacial, Galaxy of Pen and Paper, que leva o grupo para aventuras sci-fi.
Todos estão disponíveis em Android, iOS, PC (Windows, macOS e Linux), PS4, Xbox One e Nintendo Switch.
Chroma Squad
Ainda na linha de produções brasileiras cheias de criatividade, Chroma Squad, também da Behold Studios, aposta numa ideia excelente: gerenciar um estúdio de TV independente criado por um grupo de atores que se cansou do chefe mala e resolveu produzir seu próprio tokusatsu ao estilo Power Rangers. A trama fica entre o absurdo e a paródia, sempre com muito humor.

As batalhas acontecem em formato de RPG tático, mas tudo faz parte de uma simulação de filmagem. Você contrata atores, melhora os equipamentos (que começam com papelão e fita adesiva), monta figurinos, compra upgrades e faz marketing para tentar transformar sua série em um sucesso nacional. Conforme o estúdio cresce, os atores começam a ficar cheios de si, e você precisa equilibrar ego, orçamento e cenas cada vez mais exageradas.
O jogo chamou tanta atenção que a produtora Saban ameaçou processar o estúdio alegando plágio de Power Rangers (como se eles fossem os donos de Super Sentai) e, para escapar do processo e do cancelamento, eles aceitaram colocar no título o subtítulo “Baseado/Inspirado em Saban’s Power Rangers”.
A estética em 16 bits combina demais com o tom da narrativa, e o jogo diverte tanto quem cresceu vendo tokusatsu quanto quem está chegando agora. Ele está disponível para PC (Windows, Linux e macOS), PS4, PS3, Xbox One, Xbox 360, Android, iOS e Nintendo Switch.
Mullet Madjack
Considerado uma das grandes surpresas de 2024, Mullet Madjack pega tudo o que um tiozão gamer dos anos 90 curtia, VHS, neon, anime, tiros, exagero e mistura com mecânicas modernas de roguelike. É um FPS frenético em que você precisa matar inimigos não só para avançar, mas para ganhar dopamina e segundos extras no relógio. Cada morte dá 10 segundos de vida, o que transforma a experiência quase numa corrida contra o tempo.

Os cenários mudam o tempo todo, os obstáculos aparecem sem dó e a lista de power-ups passa de 50, abrindo várias combinações de builds. Tudo isso embalado numa estética brutal e exagerada inspirada na cultura pop dos anos 80/90.
Mas isso não tem nada de mais, certo? É só um FPS cheio de referências dos anos 80/90? Talvez para o pessoal lá de fora sim, mas para o brasileiro, esse jogo tem um toque ainda mais especial, a dublagem: Mulletjack é dublado por Luiz Feier Motta, a assistente que passa toda a vibe animada durante as missões é Isabel de Sá, o vilão tem a voz de Gilberto Baroli e a mocinha em perigo é dublada por Leticia Quinto. Respectivamente, as vozes no Brasil de Sylvester Stallone em filmes como Rambo e Stallone Cobra, a Jessie de Pokémon, o Saga de Gêmeos e a Saori Kido de Cavaleiros do Zodíaco.
Imagine ser o Cobra metralhando todo mundo para salvar Athena enquanto a Jessie da Equipe Rocket te incentiva e o Saga de Gêmeos ri de você? É para deixar qualquer tiozão dos anos 80/90 de cabelo (se sobrou algum) em pé!
Punhos de Repúdio
Punhos de Repúdio é quase um desabafo em forma de beat ’em up. O jogo foi um alívio para muita gente que ficou presa em casa durante a pandemia, assistindo a absurdos e barbaridades acontecendo na rua e online. Aqui, você controla quatro garotas que resolvem sair distribuindo tapa, soco e voadora em babaca negacionista, idiota sem máscara, espalhador de fake news, blogueiro de extrema direita, televangelistas picaretas, terraplanistas e até gente que tomou uma overdose de hidroxicloroquina.
São quatro personagens: Laura, Nina, Olga e Lola. Todas têm diferenças relevantes: algumas são mais rápidas, outras mais fortes, outras mais técnicas. Cada uma tem um especial diferente, que só pode ser usado após carregar o medidor. E, quando solta, praticamente limpa a tela inteira. O que é bem útil no meio do caos.
Mas o ponto mais marcante é que o jogo não fugiu de temas espinhosos. Ele se posiciona claramente dentro da discussão política que tomou conta do Brasil entre 2018 e 2022 e que, convenhamos, ainda não acabou. Muita gente odiou o jogo simplesmente porque não gostou de se ver do lado errado da história, achando que era o herói quando na verdade estava fazendo papelão. Esse incômodo gerou barulho, crítica e ataque, mas nada disso tira o mérito da obra.
O jogo merece lugar na lista justamente por isso: porque foi ousado, botou a cara e ainda conseguiu sair do papel graças a financiamento coletivo. Tinha tudo para não existir, mas existe e com personalidade.
Out of Space
Se você curte uma experiência cooperativa meio caótica e divertida, Out of Space é um baita jogo. No jogo, você e seus amigos começam confinados numa pequena nave espacial infestada por uma gosma alienígena maluca e o objetivo? Sobreviver. Tem que lavar o chão, consertar o sistema de energia, jogar os alienígenas no espaço, cozinhar ou triturar quem estiver de bobeira… e fazer tudo isso correndo, rastejando, gritando e rindo junto.
O legal é que o jogo equilibra desafio e humor: cada erro vira bagunça, cada jogada em grupo vira caos organizado, e dá para se divertir muito, seja no modo cooperativo ou tentando sobreviver sozinho (embora aí a dificuldade suba). É sensação de party game + estratégia leve, e mostra como o Brasil sabe fazer co-op indie com boa dose de maluquice. Out of Space saiu para PC, Switch, PS4 e Xbox One.
Sky Racket
Para quem gosta de ação rápida, cores vibrantes e aquele ar arcade de fliperama dos anos 90/2000, Sky Racket é perfeito. Você comanda RacketGirl ou RacketBoy (ou os dois, se for cooperativo), pulando entre planetas, desviando de lasers, atirando energia e rebatendo projéteis num mix de shooter com “block-breaker” é frenético, frenético e divertido.
O estilo gráfico e a ambientação lembram fortemente os jogos clássicos de shmup da era 16-bits, mas com uma levada moderna e fluida. As fases são cheias de bosses estranhos, inimigos bizarros, power-ups e aquele ritmo que te prende desde o primeiro “start”. Se busca algo com aquele sabor arcade raiz, Sky Racket não decepciona e mostra que a cena indie brasileira manda bem quando decide mirar no retrô com pegada ousada. Disponível para PC, macOS, Linux e prometido para consoles.
Toren
Agora, se quiser algo mais introspectivo, poético e com clima mais “aventura contemplativa”, Toren vale muito a pena. Nele, você controla a “Moonchild”, uma garota nascida dentro de uma torre misteriosa com uma missão: escalar até o topo.
A cada degrau, ela cresce, muda, e a jornada vai revelando visões sobre a torre, seu passado e mistérios profundos. O jogo mistura quebra-cabeças, exploração e atmosfera carregada de simbolismo, com visuais e ambientação que lembram jogos de aventura contemplativa.
Não é frenético, não é sobre reflexos, é sobre desvendar mistérios, viver uma experiência mais lenta, filosófica. Foi um dos primeiros grandes indies brasileiros a ganhar destaque, abrindo portas para quem queria fazer jogos menores com alma e ambição. Toren roda em PC e PS4.
Menção Honrosa: Bagdex
Esse está aqui porque é uma aposta divertida e ousada que esperamos que dê certo. Bagdex é talvez a aposta nacional mais ambiciosa dos últimos anos. A ideia nasceu de um projeto de fanarts de monstrinhos baseados em folclore, fauna, flora e cultura do Brasil. Cada criatura, um “bagmon”, carregando referências de sotaques, comidas, lendas e até memes nacionais. A partir disso, o artista original montou o estúdio e, com apoio de publisher e campanha de financiamento coletivo, transformou o sonho numa produção real.

No jogo, você vai explorar o território fictício chamado Brasilis, dividido em 5 regiões inspiradas nos biomas e nas paisagens do nosso Brasil real, para capturar mais de 150 (na campanha inicial) até 163 bagmons diferentes, cada um com design próprio e personalidade tipicamente brazuca. O sistema é o de RPG de captura e batalha por turnos, com elementos de exploração, coleta, treinamento e estratégia. Além da aventura principal, dá para montar seu Centro de Treinamento, cuidar dos monstrinhos, cultivar, personalizar seu espaço e descobrir minigames e funcionalidades extras, numa mistura de “pé no chão” com fantasia simpática.
Bagdex vai além de simplesmente copiar a fórmula clássica de “pegar monstrinho e batalhar”. A ambientação, os nomes, os elementos culturais. Tudo tenta ressoar com a nossa realidade, sem vergonha de ser brasileiro. E isso tende a dar uma identidade forte ao jogo, especialmente se você for alguém que curte ver cultura nacional representada de forma criativa nos games.
Após uma campanha de financiamento coletivo que ultrapassou a marca de R$ 1 milhão (com milhares de apoiadores), o título está em produção pela desenvolvedora 100% nacional, com previsão de lançamento para PC em 2025 e já entrou em pré-venda. Estamos esperando que dê tudo certo.









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