Já ouviu a frase: “não julgue um livro pela capa”? Ela vale para jogos também, afinal, muitas vezes não dá para saber exatamente do que se trata um jogo só de olhar para a capa. E estes são alguns dos casos mais conhecidos de capas estranhas. Quer dizer, não dá para olhar para um cara todo torto com uma pistola na mão e associar ao Megaman ou ver uma capa laranja com um número 2 e saber que se trata de Earthbound.
Capas que ganham versões diferentes são questões culturais ou de marketing que tentam aproximar um produto de um público específico, mas às vezes acabam esbarrando em problemas culturais ou na própria falta de conhecimento de quem está trabalhando com o jogo. Algumas vezes as mudanças são até boas, mas na maior parte dos casos acabam não sendo tão bem-sucedidas. Vamos falar de algumas capas que mudaram de uma região para outra e o porquê. Caso fique na dúvida, deixe um comentário.
Mega Man (NES)
O Mega Man original lançado para NES é provavelmente o exemplo mais citado quando se fala em capa que não tem nada a ver com o jogo: enquanto no Japão o herói tem traços de anime e visual coerente com o que vemos na tela, a capa norte-americana mostra um homem com feições estranhas, corpo torto, cores trocadas e até uma arma de mão.

A explicação remonta a prazos apertados e decisões de marketing da Capcom USA; a ilustração foi encomendada às pressas e acabou se tornando notória por sua estética “estranha”. Essa capa acabou entrando para listas de piores capas de todos os tempos e o Megaman “torto” até chegou a aparecer em Street Fighter vs Tekken. E em Megaman 2, eles voltaram a agir e deixaram o robô parecendo um figurante da franquia Tron.
EarthBound / Mother 2
EarthBound (Mother 2 no Japão) teve abordagens bastante distintas: a capa americana de EarthBound é psicodélica e foca no Starman (com Ness refletido no capacete), enquanto a japonesa tem apenas o logotipo em um fundo laranja e um 2 gigante. Como essa capa tão minimalista traduz o jogo para o público oriental, não sabemos.

Parte da diferença se explica pela tentativa da Nintendo of America de adaptar a “vibe” do jogo a um público ocidental nos anos 90, além de decisões estéticas que priorizaram uma imagem chamativa nas prateleiras.
Left 4 Dead 2
A capa original de Left 4 Dead 2 mostrou uma mão com apenas dois dedos levantados — sinalizando o “2” do título. Simples, certo? Mas a situação se complicou.

Na Europa — especialmente Reino Unido — o gesto de “dois dedos levantados com a mão virada para a pessoa” é considerado obsceno. A solução? A mão foi invertida, mostrando a palma, os dedos curvados, polegar ainda “ferido” e os dois dedos levantados, virados para dentro — evitando o mal-entendido cultural.
A origem atribuída (embora discutida pelos historiadores) à Guerra dos Cem Anos entre Inglaterra e França, nos séculos XIV e XV. A lenda popular diz que os arqueiros ingleses usavam o arco longo e, para disparar, precisavam dos dedos indicador e médio. Quando eram capturados, os franceses cortavam esses dois dedos para impedir que continuassem atirando flechas.
Então, de um lado, tínhamos os ingleses que mostravam os dedos para dizer “eu ainda posso te matar” e os franceses que mostravam os dedos para lembrar aos soldados ingleses o que eles perderam. Tudo isso devido a uma linguagem gestual local. Uma imagem simples envolveu múltiplas edições e cuidados culturais — uma verdadeira dança de design voltada para adaptação regional, mas com significado social embutido.
Kirby
Nos anos 90, o personagem Kirby sofreu uma transformação visual no material de marketing ocidental: enquanto nas artes japonesas Kirby é quase sempre fofo e sorridente, algumas capas e campanhas americanas mostraram-no com sobrancelhas cerradas e expressão “determinada/raivosa”.

A razão apontada por quem trabalhou com a franquia é uma estratégia de posicionamento de produto (tentar comunicar ação e apelo a um público jovem masculino que não ia gostar de algo "fofinho") — uma decisão de marketing que, a longo prazo, afeta a indústria até hoje, com personagens “bravos” em capas de games e até virou tema de reportagem da Polygon explicando a origem do “angry Kirby”.
Phalanx (SNES)
Phalanx é um shooter espacial do início dos anos 90 cujo material de marketing europeu trouxe a imagem inusitada de um senhor tocando banjo na capa — uma escolha deliberada para se diferenciar em prateleira e chamar a atenção num mar de shooters com artes parecidas.
“"Sabíamos que o jogo não tinha muito a oferecer, mas queríamos tornar o pacote atraente. Keith chamou esse tipo de coisa de "fator pesado ‘hein’". Se não pudéssemos fazer mais nada, tentaríamos fazer com que o comprador em potencial olhasse para o pacote e tentasse descobrir o que aconteceu. Hoje pode ser chamado de momento 'Mas que p.... "'”
- Sobre a capa de Phalanx

A história virou caso de estudo: a capa foi aprovada visando “confundir” e, embora pareça absurda, cumpriu a função de criar memeticidade e lembrança de marca. Hoje é citada em listas e artigos sobre capas estranhas e sua lógica comercial e até recebeu uma explicação do Nintendo Life sobre a capa do jogo.
Ōkami
Ōkami é outro exemplo onde a versão ocidental sofreu alterações visuais que irritaram fãs: capas europeias e japonesas têm composições muito floridas e decorativas; a versão americana, em determinado momento, saiu com um tratamento mais simplificado (e até chegou a ser distribuída com uma incógnita: a presença acidental de marca d’água em uma arte inicial).

Capcom acabou oferecendo alternativas e correções, mas o episódio virou notícia e gerou debates sobre o respeito pela diretriz artística original e a cobertura do incidente na época foi tema de uma matéria do site Engadget.
Pokémon Red/Blue
Trazer os monstrinhos de bolso para o público ocidental e traduzir na capa a estratégia de diferenças entre os dois títulos não deve ter sido uma tarefa fácil para a Nintendo. Inicialmente, eles decidiram mudar os “protagonistas da franquia”. Enquanto no Japão, o jogo tinha as versões Red e Green, com Charizard e Venossaur na capa, no ocidente trocaram para Red e Blue, com Blastoise no lugar do Pokémon de grama.

Essa estratégia de enfatizar a rivalidade entre dois elementos, como água e fogo, deu ao jogo a identidade que conhecemos até hoje, sendo duas versões que se complementam e possuem monstrinhos exclusivos que poderiam ser trocados através do cabo link conectado ao Gameboy. Talvez a mudança de Green para Blue foi feita para que ninguém se sentisse tentado a pôr fogo na grama? Pode ser. Mas, seja lá qual for o motivo, funcionou.
Suikoden (PS1)
O RPG Suikoden, lançado no Japão em 1995, trazia na sua capa original uma ilustração vibrante e cheia de personagens em estilo anime, destacando o enorme elenco do jogo e transmitindo a sensação de uma aventura épica. Era um convite visual para conhecer um mundo rico e diversificado, com cores vivas e composição detalhada. Era uma capa que refletia muito bem a ideia do jogo, mas, por algum motivo, os norte-americanos não concordaram.

Na versão americana, essa arte foi substituída por algo completamente diferente: um monte de personagens humanos realistas, parecendo uma capa de filme de fantasia de baixo orçamento, com todo mundo com aquela expressão séria e carrancuda, igual à que fazem no Kirby, que falamos acima? A mudança eliminou toda a energia e o apelo visual da capa original, resultando em uma imagem genérica que pouco dizia sobre o que o jogador encontraria.
Ghost House (Master System)
No Japão, Ghost House tinha uma capa que refletia diretamente o tema do jogo: horror e aventura. A ilustração mostrava o protagonista Mick enfrentando monstros clássicos como vampiros e múmias, em um estilo cartunesco, mas com atmosfera sombria, transmitindo claramente o clima de terror que o jogador encontraria no jogo. Cada elemento visual tinha relação com o gameplay, preparando o jogador para a experiência que estava por vir.

Na versão ocidental, a Sega adotou o padrão estranho: mostrando apenas uma pequena imagem de uma mão segurando um chip com imagens de morcegos, sobre um fundo minimalista e uniforme. A mudança eliminou a narrativa visual da capa japonesa, criando uma apresentação muito mais genérica, que nada dizia sobre o conteúdo ou atmosfera do jogo. É um jogo sobre um cartão com dados de morcegos?
No Brasil, a Tec Toy fez uma adaptação ainda mais radical: a capa e o jogo foram rebatizados como Chapolim x Drácula: Um Duelo Assustador, substituindo Mick pelo personagem El Chapulín Colorado, um ícone da TV mexicana popular no Brasil.
Renegade (NES)
Renegade, lançado no NES, sofreu uma das mudanças mais curiosas de design entre regiões. Na versão japonesa, o jogo apresenta estudantes do ensino médio japoneses enfrentando gangues locais nas ruas, com cenários urbanos típicos do Japão dos anos 80. Toda a estética do jogo, desde os personagens até os detalhes do ambiente, refletia claramente a cultura japonesa, com os típicos “bad boys” e delinquentes estudantis, no estilo Yu Yu Hakusho.

Quando o jogo foi adaptado para o mercado americano, as mudanças foram drásticas. Os personagens foram redesenhados como bandidos, com roupas e atitudes associadas aos estereótipos de delinquentes urbanos dos EUA. O cenário também foi modificado para parecer mais “americano”, eliminando praticamente todas as referências ao Japão original.
O motivo dessas mudanças foi a tentativa da desenvolvedora de tornar o título mais próximo da realidade percebida pelo público ocidental e, assim, mais atraente comercialmente. No entanto, essa adaptação resultou em uma desconexão significativa com o conteúdo original, transformando uma briga de delinquentes juvenis da escola em uma luta de gangues de criminosos.
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