Nota do Editor: Este artigo possui conteúdo que pode ser considerado sensível para algumas audiências.
Uma Jornada pelo Inconsciente Dos Sonhos

As experiências que vivemos quando sonhamos desempenham um papel crucial na psique humana, moldando percepções e comportamentos de maneiras distintas. Enquanto as visões nos sonhos forem positivas, podem trazer alegria por longos períodos, porém, caso seja um pesado, certas imagens que podem ser perturbadoras insistem em permanecer na memória como cicatrizes que não se apagam. Em meio a esse universo, surge uma figura aterrorizante no mundo dos videogames LSD: Dream Emulator, um experimento digital que desafia as noções tradicionais de interatividade e tolerância.

A proposta do game está na imprevisibilidade: cada passo, cada elemento do cenário, desencadeia uma transição para um novo ambiente. Esse sistema de "saltos dimensionais", não obedece a nenhum padrão. O jogador pode ser arremessado de um parque tranquilo ou para um corredor repleto de figuras distorcidas e grotescas, ou de um labirinto surreal para uma paisagem carregada de tensão.

Os gráficos minimalistas ampliam a estranheza por meio de contrastes brutais: cenários aparentemente inocentes escondem detalhes perturbadores.
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Dream Emulator e seu Conceito

Lançado em 1998 para o PlayStation, LSD: Dream Emulator é um dos jogos mais surreais, enigmáticos e perturbadores já criados. Desenvolvido pelo artista japonês Osamu Sato, o título transcendeu a definição convencional de "jogo" para se tornar uma experiência psicodélica que mistura arte, sonhos e terror.

Com uma jogabilidade não linear, ambientes surrealistas e uma mitologia repleta de lendas urbanas, o jogo continua a fascinar e aterrorizar jogadores décadas após seu lançamento. Neste artigo, vamos explorar seus simbolismos e o que essa obra que desafia a lógica e a sanidade deixa para os jogadores.

A Visão de Osamu Sato
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Osamu Sato é um artista digital japonês, desenvolvedor de videogames, fotógrafo e compositor. Sato via os videogames como uma plataforma para arte interativa, não apenas entretenimento.

Um dos seus primeiros trabalhos é o jogo Eastern Mind: The Lost Souls of Tong Nou (1994), um jogo de aventura point-and-click que acompanha um homem chamado Rin cuja alma é levada para a ilha de Tong-Nou. Rin viaja até a ilha para completar as vidas de nove criaturas e recuperar sua alma. Sempre que Rin morre, o jogador escolhe em qual criatura ele reencarnará.

Para LSD: Dream Emulator, ele se inspirou em um diário de sonhos escrito por Hiroko Nishikawa, designer da Asmik Ace, que escreveu em cadernos seus sonhos por mais de dez anos. Sato rejeitou objetivos tradicionais, como pontuação ou narrativa linear, buscando recriar a fragmentação e a irracionalidade dos sonhos. O título "LSD" foi escolhido para trazer a cultura psicodélica dos anos 1990, embora esse acrônimo nunca tenha sido oficialmente definido. As interpretações livres incluem "Linking the Sapient Dream" (Ligando Sonhos Sapientes) e "Lovely Sweet Dream" (Adorável doce sonho).

Uma Obra de Arte Interativa
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Sato utilizou o PlayStation não como um console, mas como um "medium" para arte digital. A trilha sonora, também composta por ele, mistura samples desconexos e batidas eletrônicas, refletindo a desorientação dos sonhos.

O jogo também incluí um livro físico (Lovely Sweet Dream) com trechos do diário de Nishikawa e uma trilha sonora experimental, Lucy in the Sky with Dynamites, distribuída em edição limitada.

Jogabilidade: Um Sonho sem Controle

LSD: Dream Emulator é um walking simulator. Basicamente, o jogador participa de uma história em que a jogabilidade se concentra apenas na exploração do ambiente e na interação com ele, através da caminhada.
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O jogo tem um ciclo de 365 dias, o jogador inicia no dia um e vai explorando ambientes 3D em primeira pessoa durante um ano do jogo, sem objetivos claros. A interação se resume em caminhar e encostar em objetos, que transportam o jogador para novos cenários aleatórios, um processo chamado de "saltos dimensionais" (Linking).

Cada dia no jogo dura no máximo 10 minutos e os sonhos são mapeados em um gráfico que classifica as experiências como Upper (positivas), Downer (negativas), Static (Estático) ou Dynamic (Dinâmico). Não existe um objetivo certo e nem caminho específico, simplesmente você caminha e encosta em algo que o levará para outro lugar.

Ambientes e Criaturas

São 14 mapas que variam desde paisagens idílicas (campos ensolarados, vilas japonesas, coisas que evocam a calma, a paz e a simplicidade da vida rural ou bucólica), existem também os pesadelos distorcidos (cidades sombrias). As texturas mudam aleatoriamente, substituindo paredes por imagens reais, grafites perturbadores ou padrões abstratos.
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Entre as figuras recorrentes estão:
- O Homem Cinza (Gray Man): Uma entidade humanoide de chapéu e sobretudo que persegue o jogador, desencadeando transições abruptas para cenários mais sombrios. O Gray Man apaga seus sonhos, como se fosse algo ruim ou uma doença dentro da cabeça do personagem.
- Estatuetas de Buda: Marcham em procissão em eventos raros, adicionando um tom místico.
- Fetos Corredores: Aparecem em grupos nos Flesh Tunnels, correndo em direções caóticas. Isso aqui é extremamente perturbador, tanto visualmente quanto sonoramente.
A estética low-poly do PlayStation 1 intensifica esses efeitos: rostos sem detalhes, proporções corporais distorcidas e animações robóticas tornavam cada encontro uma experiência inquietante e agonizante.

Imagens Perturbadoras: Simbolismo Oculto
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Um dos aspectos mais controversos de LSD é sua representação de temas mórbidos. Texturas aleatórias podem exibir imagens reais pesadas e chocantes, muitas vezes desencadeadas após encontros com o Homem Cinza. Relatos de jogadores descrevem cenários em becos sombrios, elementos que reforçam o tom de horror.
Essas imagens, combinadas com texturas que incluem fotografias reais de rostos com olhos e bocas tapados, criam uma atmosfera macabra, como se o jogador invadisse memórias traumáticas.

Eventos Raros e Aleatoriedade

O jogo inclui fenômenos raros, como:
- O Astronauta Pousando: Um astronauta flutuante desce repentinamente em Bright Moon Cottage, transportando o jogador para o Black Space.
- O Trem Voador: Em Happy Town, um trem levita e desaparece no céu.
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- Grupo de Cantores de Ópera: Quatro figuras substituem o cantor solitário, criando um coro dissonante.
Esses eventos dependem de condições específicas no gráfico de sonhos, tornando cada experiência única e imprevisível.

Lendas Urbanas e Mensagens Subliminares

LSD tem como apelido de "Jogo Amaldiçoado", e é cercado por creepypastas, como a história de um jogador que, após encontrar o Homem Cinza, teria descoberto mensagens ocultas ligando o jogo a acontecimentos ruins da vida real.

Simbolismos e Interpretações
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- O Homem Cinza: Representa a perda de controle nos sonhos, agindo como uma força opressora que corrompe a realidade virtual.
- Texturas: Refletem a mente do jogador ou uma crítica à obsessão humana com o grotesco.
- Acrônimo LSD: Além da droga, pode simbolizar Lucid Senseless Dreams (Sonhos Lúcidos sem Sentido), enfatizando a falta de propósito existencial.

Legado, Culto e Ressurgimento

Após um lançamento limitado no Japão (apenas 10.000 cópias físicas), LSD ganhou status de cult na década de 2010, impulsionado por fóruns e canais de YouTubers explorando seu surrealismo. Com essa onda de sucesso, o jogo foi relançado na PlayStation Network japonesa, reavivando o interesse dos jogadores.
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Inspiração para Novas Obras

Jogos como Yume Nikki (2004), Hypnagogia (2021) e The Indigo Parallel (2022) herdaram a estética estranha de LSD. Este último, descrito como uma "jornada psicodélica", usa proceduralidade para criar narrativas únicas, citando LSD como uma influência direta.

Em 2024, foi lançado na Steam, LSD: Dream Emulator Retro que homenageia o original com referências a artistas como H.R. Giger e H.P. Lovecraft. Essa nova releitura do jogo deixa mais atenuado o conteúdo violento do original em favor de uma experiência mais "onírica" e menos perturbadora.

Conclusão: O Pesadelo que Nunca Termina
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A ideia de LSD: Dream Emulator é estudar o comportamento dos sonhos e suas aleatoriedades, nos apresenta um game que pode, ou não, trazer diversas sensações como diversão, raiva, aborrecimento, repulsa, até mesmo terror.
O jogo permanece como algo enigmático na história dos jogos experimentais. Sua fusão de arte, psicologia e horror desafia convenções, questionando se os videogames devem entreter ou provocar. Mais de duas décadas depois, ele ainda fascina como um espelho digital do inconsciente, um lugar onde a beleza e o terror coexistem sem explicação.
Para os corajosos o suficiente para explorá-lo, o jogo oferece não uma diversão, mas uma viagem ao desconhecido, onde cada sonho pode ser algo além da realidade.
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