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Com indicados, The Game Awards revela mudanças no gosto do público gamer

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Forte presença de jogos indie e títulos AA entre os indicados ao Jogo do Ano demonstra que a preferência do público tem optado por propostas criativas em vez dos gigantes do Triple A.

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revisado por Romeu

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Sempre existiu a sensação de que o The Game Awards buscava abraçar duas polaridades: o das superproduções bilionárias que moldam tendências, e o dos estúdios de médio e pequeno porte que, mesmo sem recursos equivalentes, conseguem redefinir a paisagem criativa do mercado.

Este ano, no entanto, antes da cerimônia acontecer, a lista de indicados ao prêmio de Jogo do Ano serviu como uma espécie de mensagem silenciosa de para onde o público está se movendo ou, ao menos, para onde pretende olhar daqui em diante.

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A presença de títulos como Clair Obscur: Expedition 33, Hades II e Hollow Knight: Silksong entre os principais concorrentes do ano pode se tratar, além do reconhecimento de suas qualidades inerentes, dos ventos de mudança, que começou devagar, ganhou força ao longo da última geração — impulsionada por limitações, incertezas e reinvenções pós-pandemia — e agora se materializa com mais clareza: genialidade criativa está, novamente, impondo seu lugar no universo dos games.

O público, especialmente jogadores de títulos single-player, parece estar se afastando da dependência quase automática por grandes blockbusters, gerida pela ampliação do cinematográfico e dos gigantescos mundos abertos, e se permitindo buscar experiências mais compactas, diretas e focadas em ideias.

O olhar deles se voltou para jogos que não exigem o mundo para entregar algo memorável, tampouco se apoiam na promessa de gráficos ultra-realistas ou em campanhas de marketing gigantescas para entregar algo inesquecível. Jogos que, no fim, voltam à proposta original do videogame: oferecer algo divertido, bem estruturado, criativo e inovador.

Não podemos confundir estes elementos com um abandono aos AAA, que continuam essenciais para a indústria e para o imaginário popular; trata-se de algo mais próximo de uma inflexão, ou de um redirecionamento de expectativas. Os indicados deste ano mostram com clareza que não é que as superproduções tenham perdido espaço, elas só não são, pelo menos em 2025, o centro de gravidade da pauta.

O The Game Awards 2025, consciente ou não, deixa um recado antes mesmo de seus anúncios: o que define “grande” em um videogame está mudando e, principalmente, quem decide isso está mudando.

O fator Clair Obscur, Hades II e Hollow Knight: Silksong

Quando Clair Obscur: Expedition 33 surgiu, a proposta chamou a atenção pela mescla entre estética surrealista, combate de RPG por turnos focado em um sistema assemelhado ao de dança rítmica e uma abordagem narrativa que privilegiava o forte elenco de dubladores da obra. Inicialmente, o título gerou hype por estar fora do padrão.

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O jogo da Sandfall Interactive, produzido por uma equipe menor do que qualquer título blockbuster e, ainda assim, com uma qualidade impecável, não aparentava querer competir pelo mesmo espaço que os Triple A: Clair Obscur pareceu autoral, compacto e muito focado em sua própria ambição.

O que ninguém imaginava é que essa especificidade acabaria capturando a atenção de tanta gente — crítica, público e, agora, no maior palco de premiações da indústria. A obra já recebeu o título de Jogo do Ano no Golden Joystick Awards e também foi premiada em outras categorias, e não importa em qual mídia seja questionada, a percepção coletiva é de que ele é o franco favorito a levar a estatueta do The Game Awards.

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Hades II reforça a percepção de uma mudança de perspectiva por outro ângulo. O primeiro Hades foi um amplamente aclamado, e sua sequência continua carregando a mentalidade do primeiro título: produção cuidadosa, foco em mecânicas, estilo artístico destacável e uma construção narrativa que usa o roguelike como ferramenta de imersão.

Hades II aparece entre os indicados porque continua apostando em densidade naquilo que oferece de melhor: personagens, estilo, e o que existir no meio deles.

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Hollow Knight: Silksong ocupa um território simbólico. A sequência de um dos indies mais celebrados da década, e quase com um shadowdrop, consegue a proeza de figurar entre os grandes concorrentes mesmo após anos de espera, adiamentos e silêncio.

Silksong existe e se consagra através da confiança construída pelo trabalho anterior. O público acreditou na visão do Team Cherry, no que o jogo representava e que a experiência dele, quando lançado, seria digna do título — e recebeu algo à altura para a maioria, inclusive reacendendo debates sobre as linhas tênues entre diversão e dificuldade nos games.

O destaque dos três jogos neste ano representa uma disposição crescente do público em valorizar obras que priorizam ideias antes de orçamento, títulos que não tentam simular o cinema e muito menos rivalizar com mundos abertos gigantescos na tentativa de simular vitrines tecnológicas. São jogos, feitos por pessoas que amam jogos e, acima de tudo, jogos interessantes.

A fadiga do “maior, mais realista, mais cinematográfico”

Durante boa parte da última década, houve uma inclinação cada vez maior na indústria de buscar a escala máxima, a imagem mais realista possível e a narrativa mais próxima de um filme de grande orçamento. Essa tendência produziu obras notáveis — Skyrim, God of War, The Last of Us I & II, Cyberpunk 2077, The Witcher 3, e uma dúzia de outros títulos que marcaram gerações — mas também criou uma pressão absurda sobre estúdios, equipes e consumidores.

Jogos começaram a levar mais anos de desenvolvimento, orçamentos dispararam e a linha entre “jogo” e “produto de entretenimento hollywoodiano” ficou mais borrada; foi quase uma corrida onde tudo precisava ser épico, monumental e, principalmente, cinematográfico.

A consequência inevitável desse movimento foi o desgaste. O público começou a sentir que muitos desses grandes jogos eram, paradoxalmente, semelhantes demais — mundos abertos imensos, repletos de marcadores, com estruturas narrativas parecidas e ambições conduzidas por métricas de engajamento. Enquanto isso, produções menores começaram a ganhar mais visibilidade por oferecerem experiências frescas.

Existe um consenso entre entusiastas de que todo jogo pega uma fórmula que funcionou e a replica até cair no ostracismo. Tome The Last of Us como exemplo: muitos aproveitaram os mesmos tropos, seja na estética de apocalipse zumbi (Days Gone), ou na narrativa de “homem durão tentando proteger uma figura mais jovem” (God of War / God of War: Ragnarok).

Não é como se esses jogos fossem iguais, mas todos viram algo que deu certo ali e tentaram replicar, criando sua “própria versão daquilo”, como um molde ou uma fórmula a ser seguida para criar uma nova variante daquela narrativa — e está longe de ser a primeira vez: quantos “protagonistas com espadas gigantes e/ou cabelos espetados” apareceram nos games após o lançamento de Final Fantasy VII em 1997, ali na era do PsOne / PlayStation 2?

O êxito das obras AA e indies bem-sucedidos tem criado um possível contraponto de trocar o mundo expansivo e ultra-realista por experiências “mais focadas”, que não tentam ser tudo ao mesmo tempo, mas escolhem um caminho — fosse mecânica, estética, ou ideia — e trabalham nele até a última consequência.

Ao fazer isso, acabam oferecendo algo que muitos Triple A já têm dificuldade de alcançar pelos altos orçamentos, números ampliados de equipe, prazos cada vez mais apertados e expectativas gradualmente mais surreais: identidade.

O público não se voltou contra jogos grandes, mas parece mudar a relação com eles. O consumidor sempre vai se questionar o que quer de um jogo: entre mapas gigantescos e realismo extremo ou mecânicas e direções artísticas próprias com histórias capazes de surpreender e fugir das fórmulas pré-estabelecidas, porque a conta, se tentar ter tudo, não fecha.

A indicação massiva de jogos AA e independentes ao prêmio máximo do TGA 2025 sugere que o pêndulo está virando novamente, e onde antes procurava-se os gráficos mais realistas, hoje se busca algo mais próximo de paixão, algo que lembre o motivo de gostar de videogames.

Os AAA ainda estão aqui e não vão a lugar nenhum

Dito isso, a lista de indicados também reforça que a indústria não abandonou seus gigantes, e nem o público pretende fazer isso tão cedo. Kingdom Come: Deliverance II e Death Stranding 2 são provas sólidas de que o espaço dos jogos de grande escala continua garantido, desde que esses projetos encontrem maneiras de se manter relevantes e construir suas próprias fórmulas.

Kingdom Come: Deliverance II é extenso, detalhado, historicamente minucioso, e ainda assim adota uma escala mais controlada do que outras superproduções. Ele é inegavelmente um gigante da indústria, mas se apoia em autenticidade e conversa com um público que procura imersão e coerência acima de outros aspectos.

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Death Stranding 2 carrega um escopo mais experimental e ambiciosamente distinto de qualquer coisa que outros grandes estúdios estariam dispostos a financiar, típico de Hideo Kojima. Ele se apoia naquilo que o torna único, assumindo os riscos de não sucumbir demais às demandas daqueles que nomearam o primeiro título da série como um “jogo de entregas”.

A sombra gigante de GTA VI

Acima das tendências, indicados ao The Game Awards, ou dos debates, paira a sombra de GTA VI, o jogo mais aguardado da década, talvez o mais aguardado de todos os tempos. É impossível falar de mudanças na relação entre público e indústria sem considerar o impacto que o próximo título da Rockstar terá quando chegar às lojas, possivelmente em novembro de 2026.

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A capacidade da Rockstar para transformar tendências em novas normas é incomparável, basta lembrar que GTA V influenciou desde jogos de mundo aberto até sistemas online, passando por expectativas de longevidade de um título, e mesmo sem lançamento este ano, GTA VI foi a conversa por todos os lados. A simples expectativa por ele moldou datas de lançamento, estimulou teorias e manteve o mercado atento a cada movimento da Rockstar. GTA VI pode, sozinho, redefinir padrões técnicos, narrativos, mecânicos e mercadológicos nos games — e, ao fazer isso, reorganizar novamente o eixo da indústria.

Por isso, embora 2025 pareça indicar uma inclinação maior para experiências mais compactas, é impossível ignorar que o lançamento de GTA VI pode virar a mesa para o maior mundo aberto de todos os tempos, apresentando um novo caminho e este costuma se tornar referência: todo jogo será comparado com GTA VI, e todo título pode eventualmente sucumbir porque não foi tão incrível quanto GTA VI, e diante desse colosso dos Triple A prestes a estremecer toda a indústria, cabe definir qual rota, tanto para desenvolvedores quanto para os consumidores, será o melhor a seguir.

Talvez o recado do ano seja a necessidade de termos mais títulos plurais: deixar de lado o conceito de um modelo dominante e aceitar o videogame como uma mídia de transformações não-lineares e permitir que pequenos estúdios influenciem a linguagem do meio, e que a ascensão de obras compactas nas próximas gerações permita que projetos autorais coexistam com blockbusters monumentais.

Este ano devolveu a sensação de que o jogador tem opções que não dependem de escala, orçamento ou tendência e seria bom fomentar este caminho como um convite ao equilíbrio, ao invés de usá-lo somente como um ataque anedótico aos AAA.

Talvez, este seja um bom lembrete de que jogos grandiosos não são os únicos capazes de carregar o mercado, e que produções menores merecem o espaço como parte essencial do ecossistema, e que títulos AA, como Clair Obscur: Expedition 33, se tornem referência de que não se faz necessário investir um orçamento estrondoso em busca da glória: basta deixar a paixão, essa ferramenta amorfa que nos une em torno de um mesmo meio, ser um fator importante na direção que games podem tomar.

O The Game Awards talvez não tenha a intenção consciente de mandar esse recado, mas a lista de indicados o fez por conta própria. A força dos videogames está na criatividade, e entre a exaustão com títulos tão semelhantes e um sentimento de fadiga com cada discussão em torno de games que envolva um sinal de capitalismo tardio, talvez o público gamer esteja finalmente colocando os holofotes de volta no que significa um game.

Obrigado pela leitura!