Um pouco tarde, mas melhor tarde do que nunca. Entre as demandas incessantes dos anúncios sem fim de Magic: The Gathering e outros assuntos, este texto foi postergado para dar espaço a pautas mais pertinentes. Não que ela não seja, mas o objetivo de tentar dizer algo além do óbvio tornou-a um tópico que demandava um pouco mais de sobriedade.
A Brasil Game Show 2025 ocorreu entre 9 e 12 de outubro, e o evento foi lotado de controvérsias para uma parcela do público e momentos memoráveis para outra — reclamações sobre a redução no espaço do evento, a baixa quantia de novidades e a desorganização do Meet & Greet com Hideo Kojima já se proliferaram nas redes e são o foco da maioria dos conteúdos audiovisuais e de matérias sobre a edição deste ano.
Existiam, entretanto, algumas diferenças entre a minha experiência particular com o evento — como mencionado por Leonardo Ferreira no site Final Fantasy Brasil, esta edição de BGS foi a melhor para os fãs da franquia, o que muito se deve ao trabalho da Square Enix Latam — com o sentimento da maioria do público cuja raiva foi amplificada pelo alcance e bolhas da mídia social, seja pela emoção particular de conhecer uma comunidade incrível, ou pelas baixas expectativas que a Comunicação tende a sentir sobre eventos, as impressões da BGS 2025 precisavam de tempo para amadurecer, separar o joio do trigo, e buscar uma resposta construtiva para os fatos.
Direto ao ponto: para uma nova fase, a BGS cometeu velhos erros demais. Toda empresa, inclusive as responsáveis por eventos, possui como previsão o crescimento da sua audiência a cada ano, e este deve, sob qualquer circunstância, vir acompanhado de três fatores decisivos: um espaço com infraestrutura capaz de comportar o público esperado, uma equipe preparada para atender às demandas sem causar dores de cabeça maiores do que as que já estão ocorrendo por outros fatores, e uma equipe de comunicação capaz de fazer seu trabalho assertivamente e garantir, portanto, que o público esteja ciente e de acordo com as normas impostas pelas organizações, além de ter capacidade de gerenciar as crises em um timing apropriado.
A BGS falhou em entregar todos, e agora colhe os louros do descrédito, que coloca em risco edições futuras; não de serem executadas, mas de obterem sucesso se esta mancha se espalhar nos próximos anos.
O Bom, o Ruim e o Feio
O Bom: Final Fantasy
É impossível mencionar as coisas boas da BGS 2025 sem usar o nome Final Fantasy. Esta edição contou com a presença do diretor de Final Fantasy VII Rebirth, Naoki Hamaguchi e da compositora da trilha sonora da série Kingdom Hearts e de Final Fantasy XV, Yoko Shimomura. Ambos participaram de sessões de Meet & Greet durante dois dias e Shimomura recebeu o Lifetime Achievement Award em um dos palcos do evento.
Pode-se argumentar alguma confusão ou desconforto sobre a metodologia da fila de Meet & Greet para ambos e como a equipe responsável pela organização das filas foi pouco solícita para muito além do caso Hideo Kojima, mas também se faz necessário separar as responsabilidades e compreender qual é a função e objetivo de cada uma — no que concerne à Square Enix, o trabalho foi exemplar.

Hamaguchi, por exemplo, participou de uma sessão de autógrafos com jornalistas, esteve presente no estande de Final Fantasy VII Remake para autografar produtos em um dos dias do evento e participou de uma foto coletiva com os cosplayers dos jogos. Shimomura, pela idade mais avançada, não esteve tão participativa nas atividades gerais, mas transformou um Meet & Greet em uma sessão de autógrafos não planejada e tornou realidade o sonho de muitos fãs.

Não menos importante, Final Fantasy proporcionou o concerto de encerramento dos dois primeiros dias do evento com o A New World: Intimate Music from Final Fantasy, cujo repertório arrancou sorrisos, lágrimas e muitas palmas do público conforme relembravam momentos marcantes da franquia e ouviam versões reimaginadas de canções clássicas.
A comunidade de Final Fantasy também merece destaque. O sentimento pós-evento é de ela ter saído mais unida, e o recado claro para a Square Enix com esta edição é que existe, sim, muitos fãs apaixonados pela série antológica no Brasil.
Para todos os fins, a edição deste ano proporcionou momentos tão especiais para os fãs de Final Fantasy quanto a BGS 2023, quando Naoki Yoshida, diretor de Final Fantasy XIV e Final Fantasy XVI, foi um dos principais convidados.
O Bom: PlayStation the Concert
O principal momento em que as ações da equipe responsável pela segurança do evento ofuscaram a beleza da atração foi durante o PlayStation the Concert, e se faz necessário, novamente, olhar para o abstrato do que o concerto foi e separá-lo do entorno de animosidade formado pela sucessão de acontecimentos do Sábado.

A experiência musical-visual proporcionada foi de encher de lágrimas os olhos de qualquer fã das marcas da Sony em um repertório diverso em estilos, instrumentos e obras homenageadas. Quando se trata de atrações musicais para o maior evento de games da América Latina, é este nível de expressão artística e espetáculo que devemos esperar.
O Ruim: Falta de Novidades
Um dos maiores atrativos de ir a grandes convenções de games é a possibilidade de acessar, em primeira mão, títulos exclusivos que ainda estão para sair e ter suas primeiras impressões sobre eles — a BGS 2025 foi quase irrelevante nessa categoria.
Salvo por algumas pequenas exceções como Resident Evil: Survival Unit, um jogo mobile da famosa série da Capcom, e o recém-lançado console Nintendo Switch 2 e o game Pokémon Legends Z-A no estande da Nintendo, não havia novidades que valessem passar algum tempo nas filas para experimentar pela primeira vez, e outros estandes apostavam um pouco demais nos brindes ao invés de em novidades para atrair seu público.
A Konami, por exemplo, atrelou as demonstrações de eFootball com um pacote de cartas promocionais de Yu-Gi-Oh! que incluía um token do jogador Neymar vestido com as roupas do card Black Luster Soldier, e não se preocupou em trazer outros títulos relevantes e nem apresentar um leque mais extenso de jogos para experimentar.

Quase todos os estandes seguiam uma lógica semelhante de focar demais no espetáculo e menos na diversidade de atrações. A Sony apresentou um cenário temático para divulgar o já lançado Ghost of Yotei, onde visitantes poderiam tirar foto com uma cosplayer da personagem Atsu, e o único lugar com maior variedade de títulos era a Nintendo, que tinha, além de Pokémon, jogos como Hades 2 e Hollow Knight: Silksong — ambos já lançados, mas que ofereciam entretenimento e oportunidade de conhecer títulos famosos, mas fora do eixo Triple A.
Outro destaque foi Path to Exile 2, que ofereceu alguns desafios temáticos para serem superados; uma ação deste porte coloca o título em evidência e traz, tanto para jogadores fidelizados quanto para os curiosos, um motivo para experimentar, conhecer e estar lá pelo menos uma vez durante sua visita.
Em partes, pareceu que esta edição da BGS trocou o ato de jogar pelo de assistir outras pessoas jogarem. Muitos estandes contavam com torneios, entrevistas e streaming de partidas, e era comum ver visitantes se aglomerando em um corredor para assistir influencers, streamers ou jogadores profissionais competindo entre si, mesmo com o próprio evento proporcionando atrações desse nicho com palcos dedicados aos torneios de eSports.
O Ruim: Espaço Menor

A edição de 2025 foi a primeira da Brasil Game Show realizada no Distrito Anhembi, na Zona Norte de São Paulo. O local é menor que o Expo Center Norte, onde as demais edições aconteceram, resultando em menos estandes disponíveis, mais corredores apertados nos dias e horários de pico — principalmente no sábado —, filas que se estendiam de um estande para outro, e uma dúzia de problemas organizacionais.
Do ponto de vista estético, o Distrito Anhembi passa uma imagem mais “limpa” em dias menos populosos e a redução do espaço até ajudou a localizar os estandes para quem trabalhou como imprensa e cobertura, mas a escolha do local se desencontra com o foco primário e expectativa de qualquer empresa de crescer e passar a imagem de que está crescendo.

É imprescindível que um evento faça o melhor que pode para proporcionar uma edição mais memorável do que a anterior, feita com variedade de atrações e atividades, bons convidados internacionais (nesse ponto, a BGS acertou), e o misto entre ampliação e otimização do espaço oferecido para garantir mais conforto e novidades.
Quando a empresa escolhe um espaço menor e, consequentemente, reduz os estandes e possibilidades de entretenimento para o público, ela deixa alguns recados e poucos são bons: passa-se a impressão de estarem “mal das pernas”, e de precisarem recorrer a convidados de peso e redução de custos com alocação e conforto para tentar se recuperar e, quem sabe, entregar algo maior no ano seguinte — teria funcionado, talvez até sido visto como aceitável dentro de seis ou nove meses quando as atrações de 2026 forem anunciadas, mas a BGS falhou em proporcionar o que se esperava dela também na organização das atrações com seu principal convidado.
O Feio: Hideo Kojima

Hideo Kojima foi a principal controvérsia da Brasil Game Show 2025. Já existem dezenas de vídeos a respeito dos problemas envolvendo o game designer mais famoso do mundo e a desagradável situação do Meet & Greet, onde apenas 200 pessoas teriam a oportunidade de conhecê-lo e as pulseiras foram entregues antes da abertura do evento, sem aviso prévio nos principais canais de comunicação da BGS.
O resultado foi uma multidão indignada que permaneceu horas em frente ao palco do Meet & Greet, esperando para ver Kojima à distância e manifestando seu descontentamento em coros, além do clima ríspido de animosidade com requintes de uma bomba prestes a explodir em grades derrubadas e violência — a fúria, inclusive, se dispersou para outras áreas do evento após o Meet & Greet, causando um início de confusão durante a primeira apresentação do PlayStation The Concert no Sábado.

No dia seguinte, as tentativas de amansar a insatisfação foram mínimas e Kojima ainda protagonizou outros momentos falhos por parte da equipe da Brasil Game Show, como quando, por exemplo, os microfones falharam na apresentação do Concurso Cosplay dedicado à Death Stranding, e coube ao designer o papel de improvisar e animar a multidão que estava ali para assistir ao desfile e ter seu momento próximo de um dos maiores ícones dos games.
O Feio: Despreparo da Equipe e Falta de Comunicação
A confusão com Hideo Kojima e os principais Meet & Greet e outras atrações com grande concentração de público evidenciaram mais um problema nesta edição da BGS: a falta de preparo da equipe de comunicação e segurança em antecipar e mitigar crises.
Vale ressaltar: independentemente das circunstâncias, nenhum ser humano deve ser destratado por qualquer pessoa trabalhando no evento, e nenhuma pessoa que esteja trabalhando na BGS, seja pela própria empresa, ou por terceiros, deve ser desrespeitada — mas também é relevante que a maioria do público presente tratava-se de pessoas que compraram ingressos e, em alguns casos, viajaram de outros Estados ou Municípios para conhecer seus ídolos.
Quando a equipe da Brasil Game Show decidiu entregar as pulseiras do Meet & Greet com Hideo Kojima horas antes da abertura dos portões e não comunicou apropriadamente esta informação nas mídias sociais ou no aplicativo — que envia notificações de comunicados importantes —, a empresa tomou a decisão de deixar o caos acontecer.
A confusão que se espalhou durante o PlayStation The Concert no mesmo dia foi uma consequência desta decisão, e a equipe de segurança também parecia despreparada para lidar com uma crise do tamanho que ameaçava acontecer. Relatos de descaso e até ameaças de agressão foram mencionados nas mídias sociais.
O comportamento ruim também se manifestou sobre os demais fãs de outros Meet & Greets que estavam horas esperando na fila e recebiam uma reclamação por ir ao banheiro ou beber água enquanto se dispuseram a ficar ali porque a empresa responsável não produziu pulseiras para outros Meet & Greet que tinham atendência limitada.
Todas as situações que ocorreram e que agora prejudicam a imagem pública da Brasil Game Show poderiam ter sido evitadas com um treinamento adequado e/ou ampliação de staff para evitar sobrecarga e uso assertivo do aplicativo e das mídias sociais para explicar, detalhadamente, cada passo a ser feito para os Meet & Greet, como e quando eles ocorreriam e por que você deveria chegar mais cedo no dia do Hideo Kojima se queria conhecê-lo de perto, além de mais cuidado em relação às filas com seguranças e organizadores que não tenham como modo operante um tom de voz imperativo e falta de sutileza em lidar com situações adversas.
Comunicar é tudo na organização de um evento. Uma vez anunciado, todos os visitantes, mesmo que se manifestem negativamente nas mídias sociais, concordam com o contrato feito entre a organização e o público — e a chave deste está sempre na mão do organizador, que tem como dever deixar claro cada uma das circunstâncias que os visitantes podem encontrar durante os dias do evento e o planejamento deles sobre suas principais atrações.
O tropeço colossal com Kojima não foi acidente, foi erro evitável. O clima pesado e todas as consequências decorrentes dele foram consequências de não deixar claro o suficiente o contrato social entre o evento e seu público — e se pelo menos uma lição deve ser aprendida pela Brasil Game Show em meio a tanta controvérsia, é a de que ela precisa ser mais objetiva em como se comunicar com a audiência.
Veredito: Melhore a Comunicação
Há uma frase bem famosa em inglês: “bite more than you can chew”, algo como “mordeu mais do que consegue mastigar” ou, no bom português brasileiro, “deu o passo maior que a perna”. A edição de 2025 da Brasil Game Show foi, em essência, um exemplo de quando um evento dá um passo largo demais e não se prepara para as repercussões e possíveis consequências.
O tamanho reduzido do espaço dessa edição, somado à participação de uma literal lenda da indústria de games, é só um dos muitos exemplos de como a organização, neste ano, falhou em compreender o escopo necessário para o porte das suas atrações em termos de localidade, preparo da equipe, planejamento de comunicação nas mídias sociais e respeito com o público.
A confusão com Hideo Kojima não foi o único problema que a BGS 25 apresentou, mas será a mais comentada. Talvez, se esta fosse evitada, o resto poderia ser também ou, no mínimo, os danos à imagem da empresa poderiam ser mitigados com temporalidade — agora, quando a edição de 2026 for anunciada com a próxima mega atração, todos que estiveram presentes no Distrito Anhembi este ano se lembrarão do caso Kojima, do espaço menor, e dos maus exemplos; há um nível de credibilidade e confiança que foi quebrado e demandará mais do que um ano assertivo para ser esquecido.
Não podemos, entretanto, ceder à ingenuidade de fingir que o tempo e o fato de toda edição da BGS ter sua dose de controvérsias não vão, aos poucos, abafar os fatos até o próximo erro. Mas cabe aos organizadores aprender com os erros e planejar melhor: dar maior foco na assertividade da comunicação, compreender o tamanho do público que o maior evento de games da América Latina atrai quando chama nomes como Hideo Kojima para participar e, principalmente, compreender o seu papel no contrato social entre organizador e público - nas responsabilidades e nos deveres.
Resta a expectativa de tomarem notas dos fatos e aprender uma lição ou duas; do contrário, a “nova fase” da Brasil Game Show será apenas a repetição dos mesmos velhos erros.











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