Durante o início dos anos 1980, a indústria de videogames parecia destinada ao colapso total. Após um crescimento explosivo na década de 1970, o mercado norte-americano ficou saturado, mal gerido, repleto de produtos ruins e praticamente sem controle de qualidade.
Em 1983, o setor entrou em uma crise profunda que ficou conhecida como The Video Game Crash. Vendas despencaram, lojas abandonaram consoles, empresas fecharam e a mídia declarava o fim definitivo do entretenimento eletrônico doméstico. No entanto, quando tudo parecia perdido, uma empresa japonesa que até então era mais conhecida por baralhos de cartas e brinquedos decidiu arriscar. O nome dessa empresa era Nintendo.
O lançamento do Famicom no Japão, em 1983, e sua posterior adaptação como Nintendo Entertainment System (NES) no ocidente, em 1985, não só ressuscitaram o mercado como também redefiniram o que significava jogar videogames, estabelecendo padrões técnicos, criativos e comerciais que moldariam toda a indústria dali em diante. Este artigo mostra em detalhes como a Nintendo assumiu o impossível e transformou cinzas em ouro, reinventando um setor que muitos já tinham declarado morto.
O Cenário Pré-Crise
Para entender a importância do Famicom e do NES, é necessário compreender o caos que antecedeu seu surgimento. No início dos anos 80, o mercado norte-americano estava inundado por consoles competindo entre si: Atari 2600, Intellivision, ColecoVision e diversos sistemas menores. Havia também múltiplos computadores domésticos prometendo experiências semelhantes. Essa fragmentação confundia consumidores e diminuía a fidelidade às plataformas.
Além disso, a Atari permitiu que terceiros lançassem jogos livremente para o 2600. Sem supervisão, surgem assim centenas de jogos horríveis, feitos às pressas para aproveitar o mercado aquecido. O exemplo mais simbólico desse período, que ficou marcado na memória da indústria, é E.T. the Extra-Terrestrial, um jogo lançado em 1982 às pressas e que se tornou um fracasso monumental, marcando para sempre a má reputação dos videogames na época.
Em 1983, o mercado colapsou: varejistas perderam confiança, consumidores se afastaram e empresas quebraram. O valor total da indústria caiu mais de 90%. Para muitos analistas, era o fim. Videogames seriam apenas mais uma moda passageira dos anos 70 e 80.
Mas, enquanto isso, no Japão, a Nintendo preparava silenciosamente a maior revolução da história dos games.

O nascimento do Famicom
Shigeru Miyamoto trabalhava na Nintendo, sendo responsável por Donkey Kong um sucesso absoluto para fliperamas. Porém, o presidente da empresa na época, Hiroshi Yamauchi, queria algo maior: um console doméstico que fosse poderoso, acessível e que oferecesse jogos realmente divertidos. Assim nasceu o projeto Family Computer o famoso Famicom.
Lançado no Japão em 15 de julho de 1983, o Famicom veio com três características fundamentais:
Primeiro, o console era superior aos concorrentes ocidentais, apresentando gráficos mais coloridos, animações mais suaves e som mais complexo. Ao mesmo tempo, seu custo era relativamente baixo, permitindo atingir grande parte da população.
Desde o nascimento, a Nintendo estabeleceu regras rígidas sobre lançamentos, evitando a avalanche de jogos ruins que destruiu o mercado norte-americano. Isso se tornaria ainda mais decisivo com o NES.
Mesmo com alguns problemas iniciais de hardware, a Nintendo corrigiu rapidamente as falhas e transformou o Famicom em um enorme sucesso. Dentro de dois anos, ele dominava o Japão, e Yamauchi voltou seus olhos para o mercado ocidental.
Além disso, a Nintendo não queria repetir os erros da Atari. Assim, o Famicom chegou com jogos sólidos, como Donkey Kong, Donkey Kong Jr. e Popeye, que já eram sucessos nos arcades. Isso garantia confiança do consumidor.
Do Japão aos EUA
Introduzir um novo console nos Estados Unidos após o Crash de 1983 parecia loucura. O setor estava desacreditado e os varejistas rejeitavam qualquer coisa rotulada como “videogame”. Para romper essa barreira, a Nintendo tomou decisões engenhosas e inteligentes: em vez de simplesmente levar o Famicom para o ocidente, a empresa criou uma nova identidade: Nintendo Entertainment System (NES).
A palavra “videogame” foi evitada deliberadamente. A empresa queria distanciar o produto da imagem negativa deixada pela Atari. O NES também ganhou um visual mais sério, parecendo um aparelho eletrônico de casa, e não um brinquedo infantil. O cartucho ganhou o nome de Game Pak, e o console parecia um videocassete futurista.
Para convencer varejistas a venderem o NES, a Nintendo incluiu no pacote inicial o R.O.B. (Robotic Operating Buddy). Na prática, o robô era mais marketing do que funcionalidade, mas sua presença permitia que o NES fosse classificado como um brinquedo eletrônico, e não um videogame, driblando a resistência do comércio.
Com essas estratégias, o NES foi lançado em Nova York em 1985, como um teste limitado. Ele esgotou rapidamente. A partir daí, o console se espalhou pelos Estados Unidos, conquistando um mercado que ninguém acreditava ser possível recuperar.

O Selo de Qualidade Nintendo e o controle do mercado
O elemento determinante para o renascimento da indústria foi o rígido controle de qualidade da Nintendo. A empresa aprendeu com os erros da Atari e implementou um modelo que se tornaria o padrão para toda a indústria, estabelecendo o que seria conhecido como Selo de Qualidade Nintendo.
Somente jogos aprovados pela empresa poderiam ser lançados. Isso criava confiança nos consumidores e garantia que o mercado não seria inundado por produtos de baixa qualidade, e desenvolvedoras podiam lançar apenas alguns títulos por ano, evitando a saturação e incentivando jogos mais polidos.
A Nintendo também fabricava todos os cartuchos, garantindo controle total sobre qualidade, produção e lucro, e usava o chip 10NES, que impedia cartuchos não licenciados de funcionarem no console.
Essas medidas criaram um ecossistema estável, sustentável e saudável, algo que simplesmente não existia no mercado pré-crash.
Graças à Nintendo, o mercado ocidental voltou a confiar nessa forma de entretenimento e uma nova geração cresceu com o console como parte essencial da infância.

O impacto mundial e o renascimento da indústria
Com cerca de 62 milhões de unidades vendidas, o NES transformou a Nintendo de uma empresa japonesa pouco conhecida em uma gigante universal. Em poucos anos, ela dominava 90% do mercado de videogames nos EUA. Esse renascimento foi tão profundo que analistas passaram a usar a expressão:
“A indústria dos videogames antes do NES” e “A indústria dos videogames depois do NES.”
O NES redefiniu padrões de desenvolvimento, licenciamento, marketing e design. Ele abriu espaço para Sega, Sony, Microsoft e todas as empresas que viram no renascimento da indústria uma chance de recomeçar.
A Nintendo, com o Famicom e o NES, salvou o setor não com uma única ideia, mas com a soma de visão, coragem, engenharia, controle de qualidade e, acima de tudo, criatividade.

Conclusão
O lançamento do Famicom no Japão e, posteriormente, do NES no ocidente é um dos capítulos mais fascinantes da história da tecnologia. Em um momento em que o mundo acreditava que videogames eram uma moda passageira, a Nintendo enxergou potencial.
Onde outros viam ruínas, a Nintendo viu oportunidades. E onde o mercado estava saturado de produtos medíocres, ela trouxe inovação, disciplina e diversão genuína.
A empresa não salvou apenas a indústria: ela reinventou o que significa jogar. Criou ícones, estabeleceu padrões e moldou o futuro. Sem o Famicom e o NES, o mundo dos videogames seria completamente diferente, talvez nem existisse da forma que conhecemos hoje.
E é por isso que, mais do que um console, o NES representa um renascimento: a prova de que, com criatividade e visão, é possível transformar cinzas em ouro, deixando um legado eterno na história.











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