Em meados da década de 1990, a Apple passava por um momento turbulento: com a queda de participação no mercado de computadores pessoais, concorrência crescente e necessidade de diversificar sua atuação. Foi nesse contexto que surgiu o projeto do console Apple Pippin (estilizado “Pipp!n”), uma plataforma que se situava entre videogame, micro-computador e dispositivo multimídia para televisão.
A Apple não queria ser simplesmente mais uma fabricante de console como a Sony ou a Sega, seu modelo de negócio previa licenciar a tecnologia de hardware e software para terceiros, por exemplo, a japonesa Bandai, para que fabricassem e comercializassem versões regionais. Apesar de boas intenções e de ideias ousadas como um drive de CD-ROM 4×, modem embutido, sistema baseado em Mac OS, compatibilidade de títulos entre regiões e expansão modular, o Pippin acabou sendo um dos grandes tropeços da história dos consoles: vendas baixíssimas, biblioteca de jogos quase inexistente, posicionamento confuso e preços muito elevados.
Neste artigo, conheceremos toda a história do Pippin: desde a concepção da ideia, passando pelos desenvolvimentos técnicos, lançamento, versões, software, falhas de mercado, e finalmente o encerramento do projeto, além de refletir sobre por que ele falhou tão claramente, e qual legado (ou lição) ele deixou.


Conceito e Origem
O conceito do Apple Pippin começa no início dos anos 90, quando a Apple via diversos sinais de mudança no mercado de computadores e eletrônicos de consumo: a popularização dos CD-ROMs, a pressão por preços mais baixos em computadores pessoais, e a visão de que o “computador na sala de estar” poderia se tornar realidade. A Apple resolveu então desenvolver uma plataforma de mídia baseada em Mac OS que pudesse servir como um dispositivo de entretenimento doméstico: jogos, multimídia, conexão à internet, uso em TV, etc.
A Apple decidiu não fabricar sozinha o hardware e comercializar como tradicionalmente fazia, mas sim licenciar a tecnologia. Esse modelo lembrava o da 3DO Interactive Multiplayer, que também licenciava para fabricantes terceiros. A Apple pensou que esse modelo poderia permitir a múltiplos parceiros fabricarem versões regionais do sistema, reduzindo o risco e aumentando o alcance global.
Em dezembro de 1994, a Apple anunciou parceria com a Bandai, para que esta fizesse o hardware e a comercialização no Japão e depois nos EUA. A Bandai, tradicional fabricante de brinquedos e produtos eletrônicos, via o Pippin como a porta de entrada para o mercado de consoles, uma área que não dominava tão bem, mas na qual desejava entrar.
O nome “Pippin” (em maiúsculas estilizado como Pipp!n) era uma referência à variedade de maçã “Newtown Pippin”, seguindo a linha de nomes da Apple (“Macintosh”, “Apple II”) que remete a frutos da macieira. A ideia era que esse dispositivo fosse “a parte integral do ambiente audiovisual, estéreo e televisivo da casa” (como a Apple chegou a dizer).
Arquitetura técnica e versões
A plataforma Pippin era baseada em hardware “tipo computador”, não em arquitetura típica de consoles que focavam em chips gráficos personalizados. Suas principais e destaques técnicos eram:
- Processador: PowerPC 603 a 66 MHz.
- Sistema Operacional: versão modificada do Mac OS (como o System 7.5.2) adaptada para o dispositivo.
- Drive de CD-ROM 4× de velocidade, algo acima do padrão das consoles da época.
- Expansão de memória, suporte a vídeo composto/ S-vídeo/ saída TV/monitor, sem trava de região em muitas versões.
- Modem embutido de 14,4 kbps (em alguns modelos), visando “internet na TV”.
Havia várias versões regionais/variantes:
- No Japão: Pippin Atmark fabricado pela Bandai sob licença da Apple.
- Nos EUA: Pippin @WORLD (ou “@World”), versão ocidental com coloração diferente (geralmente preta) e bons pacotes de marketing.
- Europa: uma versão pela empresa Katz Media chamada KMP 2000, voltada ao mercado de mídia/negócios e não tanto a videogames.
Porém, o hardware tinha limitações: apesar de ser baseado em tecnologia “computadorizada”, faltavam ao aparelho componentes especializados em 3D (como os chips gráficos customizados da Sony PlayStation ou da Sega Saturn). Isso iria pesar fortemente.

Lançamento e posicionamento de mercado
O lançamento do Pippin coincidiu com um momento em que o mercado de consoles estava começando a tornar-se fortemente dominado por plataformas de terceira geração (5ª geração de consoles), com foco em games 3D: a Sony PlayStation já tinha lançado em 1994 no Japão, a Sega Saturn e logo a seguir a Nintendo 64 estavam no horizonte.
A Apple e a Bandai posicionaram o Pippin não apenas como um console de videogame, mas como um sistema multimídia, de internet, educação, entretenimento, uma “caixa” para TV que podia também rodar games. Essa mensagem, no entanto, gerou confusão: para os consumidores, pois ele se parecia com um console, mas não tinha uma biblioteca de jogos robusta; para os usuários de computador, o preço e a limitação em comparação com PCs eram desanimadores.
Preços de lançamento:
- No Japão, o Atmark foi lançado em 28 de março de 1996 por 64.800 ¥ (cerca de US$650 na época) incluindo 4 jogos e um modem.
- Nos EUA, o Pippin @WORLD foi lançado por US$599, incluindo seis meses de acesso à internet via PSINet (ou similar) em uma promoção.
Esses preços eram muito altos em relação à concorrência: por exemplo, a PlayStation já era vendida por US$299, e outros consoles também estavam caindo em preço. O Pippin estava caro para o que oferecia.
Além disso, a forma de comercialização falhou em parte: segundo um artigo, boa parte das vendas no início foram feitas online (por MacZone, MCA Warehouse) em um momento em que compras online ainda não eram hábitos comuns para consumidores de videogame.
A Apple e a Bandai esperavam grandes volumes: a Bandai estimou vendas de meio milhão de unidades no Japão no primeiro ano e 300.000 nos EUA, metas que ficaram muito distantes da realidade.
Software e suporte de desenvolvedores
Um dos maiores problemas do Pippin foi a escassez de jogos. A plataforma teve um número muito limitado de títulos lançados, o que dificultou a atração de consumidores. Por exemplo, segundo fontes, foram lançados menos de 80 games no Japão e menos de 20 na América do Norte.
Um comentário de desenvolvedor da época capturou bem o clima:
“Os desenvolvedores americanos não sabiam muito sobre Pippin porque a Bandai não tinha a tecnologia necessária para dar suporte à comunidade de software, enquanto a Apple não tinha pessoas suficientes dedicadas ao projeto.”
Além disso, como o dispositivo se posicionava entre console e computador, o apelo para os desenvolvedores de jogos convencionais era baixo, poucas ferramentas especializadas, pouca base de usuários, e hardware que, embora fosse um “computador”, não tinha a eficiência dos consoles focados em 3D. Tudo isso gerou um ciclo vicioso: poucas vendas, poucos desenvolvedores interessados, pouca biblioteca e, por fim, a soma desses elementos culminou em menos consumidores.
Um relatório de mercado observou que:
- O Pippin era “muito lento, muito caro e sem jogos”.
- Mesmo sendo tecnicamente “mais potente” que alguns consoles, isso não bastava quando faltavam jogos de destaque.
No fim das contas, o software foi talvez o fator mais crítico para o fracasso.

O fracasso comercial e encerramento
As vendas do Pippin foram extremamente baixas. Segundo estimativas, a Apple/Bandai produziu cerca de 100.000 unidades mundialmente, mas vendeu cerca de apenas 42.000.
No Japão, cerca de 30.000 unidades teriam sido vendidas.
O console sofreu também com o timing tardio no mercado de consoles 3D: quando foi lançado, a competição já estava adiantada. O posicionamento e preço também foram erros críticos: US$599 nos EUA ou ¥64.800 no Japão numa época em que consoles populares custavam bem menos.
Além disso, em 1997, com o retorno de Steve Jobs à Apple, a reinvenção da empresa trouxe foco em produtos essenciais, e o Pippin foi rapidamente considerado um projeto para se encerrar.
O Console foi descontinuado em 1997 (algumas fontes apontam 1998 para fechar totalmente); não havia continuidade ou suporte, e o histórico ficou como um dos maiores tropeços da Apple no hardware.
Por que o Pippin falhou?
É importante refletir sobre os múltiplos fatores que levaram ao fracasso do Pippin, não foi apenas “um console ruim”, mas um conjunto de decisões e condições desfavoráveis:
- Posicionamento confuso: o Pippin tentava ser console, computador, dispositivo de mídia e internet. Para consumidores de videogame, isso gerava dúvidas. A principal pergunta que se faziam era: “isso é um console?”; para compradores de computador, o hardware era caro e limitado e não valia a pena investir dinheiro nele.
- Preço elevado: US$599 e preços similares tornavam o produto caro frente à concorrência que oferecia muito mais “foco em games”. Com isso, muitos consumidores preferiram consoles tradicionais.
- Biblioteca de jogos fraca: poucos títulos, poucos desenvolvedores interessados, faltava aquele “algo a mais” que fizesse as pessoas desejarem o sistema.
- Hardware não especializado para games: o Pippin era baseado em arquitetura de computador, mas sem o mesmo nível de customização gráfica/3D que PlayStation ou Saturn tinham em plena era de transição para 3D, isto foi um problema grave para as vendas.
- Modelo de licenciamento e falta de comprometimento: a Apple não fabricou diretamente, dependia de parceiros; a Bandai não tinha totalmente a experiência de uma “gigante de consoles”, o suporte a desenvolvedores era mínimo.
- Tempo e concorrência: o lançamento foi tardio em relação ao ciclo de consoles 3D, e as plataformas mais estabelecidas já tinham vantagem. Em termos de marketing e ecossistema, o Pippin perdeu.
Em suma: era uma ideia interessante, até visionária em alguns aspectos (internet + TV + CD-ROM + multimídia), porém, mal executada no momento e posicionamento. Foi um fracasso bem-intencionado. Uma boa ideia, mas com péssimas decisões de design.

Legado e lições aprendidas
Embora o Pippin tenha sido um fracasso comercial, ele deixa ensinamentos relevantes, especialmente para empresas que tentam entrar em mercados próximos aos seus domínios.
- A importância de software/jogos*: um hardware bom não é suficiente sem jogo que o suporte. O “ecossistema” importa muito, pois é o coração de um console.
- Clareza de proposta: consumidores precisam entender para que serve o produto e por que ele existe, se é “console” ou “computador” ou “TV”, precisa haver um foco.
- Preço e timing: entrar com preço altíssimo numa categoria já dominada e estabelecida torna-se uma barreira a ser quebrada.
- Suporte a desenvolvedores e conteúdo: ter Devkits, marketing, parceiros desenvolvedores é crucial, algo que o Pippin não tinha.
- A Apple, por sua vez, parece ter aprendido (ou pelo menos reorientado): após o Pippin, a empresa teve menos envolvimento direto em consoles dedicados, focando mais em software, serviços, dispositivos multifuncionais, embora mais tarde entrasse no mercado de jogos via iOS, Apple TV, Apple Arcade.
O Pippin também é lembrado por colecionadores como uma “curiosidade de design” rara, pouco software disponível, emblemático de uma era de transição entre consoles e PCs. Em fóruns, muitos comentam como é difícil encontrar um exemplar hoje em dia, bem como os jogos originais.
Cronologia resumida
- Início dos anos 90: a Apple cria a plataforma para TV / multimídia.
- Dezembro de 1994: parceria Apple-Bandai anunciada para fabricar/viabilizar a tecnologia.
- Março de 1996: lançamento no Japão como Pippin Atmark.
- 1996: lançamento nos EUA como Pippin @WORLD por US$599.
- 1996/97: vendas muito baixas, suporte fraco, concorrência forte.
- 1997: Retorno de Steve Jobs à Apple; projeto Pippin é totalmente abandonado.
- 1998: produção oficialmente encerrada.

Conclusão
O console Apple Pippin representa um capítulo interessante na história dos videogames e da Apple. Era um dispositivo com ambição, unir entretenimento, internet, multimídia e jogos, mas que, de diversas formas, falhou ao entregar uma proposta clara ao mercado, ao custo, ao conteúdo e ao timing certos.
Hoje, é visto tanto como um erro de mercado quanto como uma peça de colecionador rara, reflexo de uma época em que a Apple ainda buscava seu rumo. Para quem estuda design de produtos, marketing ou indústria de videogame, o Pippin é um excelente caso de “o que não fazer”, embora, paradoxalmente, também mostre que a experimentação pode valer por si só como aprendizado.
No fim, o Pippin é uma importante parte da história dos videogames, e mostra que em uma indústria competitiva, não basta apenas ter uma ideia boa, ela precisa ser executada no tempo certo e com as tecnologias que o momento exige.











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