Quando a Square Enix ainda se chamava Squaresoft, pelo final dos anos 90, um título de JRPG em específico foi feito com uma proposta interessante: deixar o jogador optar entre dois personagens cujos caminhos eventualmente se cruzam durante suas campanhas e mostram, cada um, sua própria perspectiva: Dewprism, lançado em 99 no Japão e em 2000 nos Estados Unidos com o nome localizado como Threads of Fate para PlayStation.
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Com os gráficos coloridos e poligonais clássicos da época, o visual chama a atenção e traz consigo uma trilha sonora envolvente e hipnotizante, alegre e dramática, para combinar com uma história digna de um lançamento da renomada empresa responsável por franquias como Final Fantasy, Kingdom Hearts e NieR, vistas muitas vezes como revolucionárias e à frente de seu tempo.
Hoje, a UmGamer vai dar uma revisada no quão bom Threads of Fate realmente é, seus pontos fortes e mais interessantes e por que não se tornou mais icônico e influente como outros games do mesmo gênero que saíram na mesma época- embora merecesse.
História e Gameplay
Como mencionado, o ponto forte da jogabilidade de Threads of Fate é acompanhar duas campanhas diferentes que se cruzam e mostram suas perspectivas. A primeira decisão que o jogador deve fazer assim que inicia um Novo Jogo é escolher entre Rue, um aventureiro com um passado misterioso, e Mint, uma maga exilada de seu reino. Dependendo da escolha feita, a primeira cutscene do jogo revela o motivo pelo qual tal personagem decidiu sair na busca pelo Dewprism, a Relíquia mágica mais poderosa de todas que pode realizar qualquer desejo.
Rue
Equipado com uma arma de corte similar a um machado, o Arc Edge, Rue é um garoto de aparência jovem e passado desconhecido, que tinha poucas memórias quando foi resgatado por Claire, uma camponesa que logo se prontificou a dar abrigo ao misterioso rapaz, desenvolvendo um vínculo familiar com o mesmo ao longo do tempo.
A cabana onde os dois viviam, entretanto, é atacada por um poderoso e monstruoso homem com uma imensa mão em um de seus braços. Para proteger Claire, Rue enfrenta o inimigo que acaba o subjugando facilmente, fazendo da moça sua última vítima antes de desaparecer.
Meses se passaram e Rue agora está viajando o mundo atrás de uma Relíquia que poderia trazer Claire de volta à vida.
Mint
No distante reino de East Heaven, a filha mais velha do Rei e sucessora ao trono, Mint, ansiava pelo dia em que finalmente se tornaria uma poderosa Rainha. Com seu comportamento egoísta, mimado e muitas vezes violento, sua família não a via como uma boa sucessora e tentava a forçar a se tornar mais recatada e adequada para sua futura posição.
Seus planos, de qualquer forma, são interrompidos pela traição de sua irmã mais nova, Maya, que com a ajuda do poderoso Book of Cosmos, outra Relíquia antiga deste mundo, se torna a nova sucessora e expulsa Mint do Reino de uma vez por todas.
Revoltada, Mint passou meses buscando pistas que a levaram até o mesmo barco em que Rue estava, afinal ela também quer encontrar a Relíquia que realizaria seu desejo de se tornar Rainha não apenas de East Heaven, mas do mundo inteiro.
Caminhos Cruzados
O barco em questão estava indo para a cidade portuária de Carona, que serve como base para o jogador e aonde boa parte da campanha acontece. A pequena cidade conta com uma Igreja, uma praça central, um luxuoso Hotel, uma pousada, uma loja de itens, algumas casas de residentes e áreas ao redor, como um beco que dá acesso a uma taverna e uma loja de raridades, um campo próximo a um rio e as Docas, onde o jogador desembarca e inicia sua história. Cada um desses lugares tem sua própria importância, personagens únicos com interações diferentes a cada momento do jogo, itens escondidos e NPCs tão carismáticos que dão vontade de fazer amizade.
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Investigando a bela floresta aos arredores da cidade, o jogador resgata Elena, uma jovem moça que estava sendo atacada pelos bandidos Blood & Smokey, vilões que mais servem como alívio cômico e retornam em diversos pontos da história com as mesmas tentativas comicamente frustradas de cometer crimes.
Elena revela estar preocupada com seus pais, que haviam sumido já fazia algum tempo após saírem para fazer pesquisas na floresta de Carona para seus estudos. Acompanhando Elena, o protagonista auxilia a resgatar os pais desaparecidos Klaus e Mira, o primeiro dizendo ser um pesquisador que estava indo atrás de uma certa pista sobre a mais poderosa de todas as Relíquias. O protagonista aceita ajudá-los e, usando tais pistas, ganha acesso a um misterioso Ateliê - termo usado neste game para se referir aos “laboratórios” e escritórios mágicos onde os grandes sábios da antiguidade guardavam seus segredos.
Até este ponto, o jogador terá visto apenas a perspectiva do personagem selecionado, e é aqui que irá se encontrar pela primeira vez com o outro protagonista. Caso tenha escolhido Rue, Mint terá chegado pouco após e se escondido no Ateliê, revelando-se quando Klaus começa a decifrar algumas escrituras. Caso tenha escolhido Mint, Rue apenas chegará como um viajante que havia ajudado Klaus anteriormente. Neste momento, as conexões são feitas e as histórias se tornam uma, com poucas diferenças entre as mesmas até as sequências finais do game.
Ambos os personagens têm Kits de habilidades similares: um botão de salto, um para a sequência de ataque, um ataque extra e, separado para o quarto botão do controle de Play1, um poder especial. Rue pode se transformar em qualquer monstro que tenha derrotado para usar seus poderes especiais e completar puzzles, enquanto Mint vai coletando elementos mágicos ao longo da campanha para aumentar seu arsenal de feitiços.
O misterioso poder de transformação de Rue chama a atenção dos outros personagens, revelando que sua campanha tem uma profundidade relacionada ao universo deste jogo, aos antigos sábios e magos e acaba tendo seu ápice no debate moral sobre ser correto trazer pessoas mortas de volta à vida, mesmo quando são vítimas de injustiças.
Já a jornada de Mint envolve seu amadurecimento, desde uma princesa mimada e bruta até uma maga poderosa, ainda de comportamento duvidoso, mas que desenvolve emoções e objetivos muito mais corretos e justos do que simplesmente “Dominação Mundial”. Sua grande conexão com o profundo universo de Threads of Fate também acontece pelo fato de Maya, sua irmã caçula e motivo de seu exílio, estar trabalhando com um grupo de poderosos bruxos que também querem encontrar a Relíquia, que eventualmente vem a se revelar como Dewprism.
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Além de Rue, Mint, Klaus, Mira e Elena, muitos outros personagens se juntam ao elenco e time principal, além de excelentes vilões, monstros, arcos e aventuras apresentadas durante a história. Rod, por exemplo, é um habilidoso lutador e inventor, que usa suas habilidades de forja para criar as próprias armas. Desafiar e derrotar Rod, em alguns momentos do jogo, pode dar recompensas específicas ou até liberar sequências específicas e necessárias para a continuação do jogo, como o momento em que ele revela seu incrível barco super veloz, “Pulsar Inferno Typhoon Omega” (apelidado carinhosamente por Mint de “P.In.T.O”), necessário para acessar certas missões do meio do jogo.
A dona da Pousada lhe permite ficar lá gratuitamente como retribuição por salvar Klaus e Elena, e este se torna o ponto de Save para o jogador. Tanto no seu quarto da Pousada quanto no quarto do luxuoso Hotel que você precisa pagar para passar a noite, cutscenes às vezes acontecem revelando segredos do jogo ou partes da história, tanto como interações diretas quanto até mesmo em sonhos.
O jogo não tem um sistema de Level Up linear e numerado, mas apenas dá pontos de recompensa para o jogador ao derrotar inimigos, que são automaticamente adicionados ao HP, Mana, Ataque e Defesa do jogador pouco a pouco após os combates. O jogador pode comprar itens e raridades nas lojas da cidade que lhe dão mais atributos, poderes e até mesmo artefatos-chave para progredir na campanha. Também é possível consumir refeições e drinks na taverna que dão Buffs, alguns temporários e outros permanentes.
A cada missão completa, o jogo muda o capítulo cujo nome é exibido no momento do Save. A cada capítulo, novas áreas fora da cidade são liberadas para mais missões, puzzles, cutscenes e combates, e nelas todas a progressão de história e desenvolvimento dos personagens são aparentes e envolvem ainda mais o jogador com tudo o que acontece ao seu redor.
Uma Obra Prima em Storytelling
Os aspectos técnicos de Threads of Fate também colaboraram para que sua história e campanha fossem tão bem contadas. Sua jogabilidade é fácil, de rápido aprendizado e amigável para iniciantes, tendo sido muitas vezes mencionado como um ótimo “RPG para quem quer aprender como jogar RPGs”. Os personagens interagem diferentemente a cada período do jogo, e todos parecem estar vivos de alguma forma mesmo sendo NPCs. Esse envolvimento do ambiente com o jogador é muito importante em um jogo tão guiado pela narrativa, que se torna igualmente fácil e de simples compreensão. Em poucas horas de gameplay, você já se sente como um morador da cidade de Carona.
A trilha sonora composta e produzida pelo renomado compositor Junya Nakano é igualmente hipnótica. Mesmo com os instrumentos sintetizados da era de ouro do PS1, as músicas se conectam e compartilham de um grande leque de cordas e percussões, combinando com o tema de estéticas levemente medievais com aspectos steampunk e de tecnomancia, onde a magia e tecnologia se equiparam em uma obra de fantasia. Diversas vezes no jogo é possível identificar melodias iguais ou similares umas às outras, como se fosse uma única música com partes emocionalmente diferentes conforme progride. Ao invés de repetitivo, isso, na verdade, dá ao universo a sua própria sonoridade, uma ambientação leve e aprazível que nunca destoa daquilo que é proposto a fazer parte.
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Esse envolvimento dado pela produção ao storytelling faz com que o jogador acabe concordando com Mint em seus planos para dominação Mundial, aprenda e cresça com ela e sinta cada vez mais vontade de derrubar o maligno clã que arruinou sua família; assim como faz com que sintamos a dor de Rue pela perda de Claire e suas inseguranças sobre quem ele é, o que ele é e o que ele poderia ter feito de diferente para salvar sua companheira.
Com o andamento da história, somos apresentados a Belle e Duke, dois parceiros mercenários que antagonizam boa parte da campanha até se tornarem anti-heróis. Enquanto Belle desenvolve uma relação de rivalidade com Mint, Duke faz o mesmo com Rue de uma forma mais amistosa e divertida, sendo uma peça importante na relação entre os quatro, no fim das contas.
Com a participação da estranha bruxa que vive no meio de nuvens recheadas de doces e bichinhos fofos, Fancy Mel, o jogador desbloqueia as sequências de fim de jogo ao resgatar Prima, um autômato criado por Valen para ser a chave que leva até sua última Relíquia, o Dewprism.
Até mesmo Prima revela ter uma personalidade própria e acaba se tornando um personagem não apenas importante, mas carismático e bem adicionado à trama. Não existe nenhum pequeno furo de roteiro ou algo que não se conecte, dando uma verdadeira aula em como se contar uma boa história por meio de um bom jogo.
Fim de Jogo e Extras
Nesta seção, vamos revisar a parte final de Threads of Fate, e contará com informações que são Spoilers aos que não conhecem ou nunca jogaram o jogo.
Com mais mistérios e peças do grande quebra-cabeça sendo desvendados, Rue e Mint percebem que seus grandes inimigos são os mesmos: o Clã de magos que convenceu Maya a dominar East Heaven. Esse grupo liderado por quatro Mestres (Mode Master, Trap Master, Psycho Master e Doll Master) também está atrás do Dewprism e trabalhando em conjunto com a nova princesa do distante e poderoso Reino.
Os objetivos de Doll Master e seus três comparsas, entretanto, eram tão obscuros que até mesmo Maya é eventualmente deixada de lado e perde seu Book of Cosmos, deixando nas mãos de Mint que East Heaven não fique à mercê do grande vilão. Enquanto isso, Rue descobre que seu passado está conectado com o próprio Doll Master, pois ele também é um boneco autômato criado por Valen, assim como Prima.
Quanto mais as histórias se cruzam em pontos diferentes, o nome Threads of Fate (Laços do Destino, em tradução literal) faz mais sentido ainda. Toda a narrativa foi entrelaçada entre diversos personagens diferentes, e não apenas dois protagonistas jogáveis e seus objetivos pessoais.
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A grande missão final do game é um longo estágio lotado de referências ao resto do game, puzzles que demandam paciência e sagacidade, batalhas de tirar o fôlego e um embate final entre o protagonista e Doll Master, que mostra sua grotesca mão direita revelando ser o assassino de Claire.
Abater o vilão, entretanto, inicia a verdadeira batalha final do jogo contra o próprio Valen, criador do Dewprism, reencarnado em duas formas diferentes que precisam ser derrotadas usando o máximo de habilidades e poderes diferentes possíveis, mostrando ser um combate para quem prestou atenção no jogo e aprendeu a fazer de tudo.
Caso jogue com Mint, a princesa eventualmente retornará para East Kingdom e promete se tornar uma pessoa mais responsável para sua posição - ao mesmo tempo que mostra jamais ter deixado seus grandes planos de Dominação Mundial de lado.
Já com Rue, o final é mais triste com o aventureiro se despedindo de Claire uma segunda vez, uma vez que Valen impediu o desejo de se realizar corretamente. Após também se despedir de seus novos amigos de Carona, ele promete continuar rodando o mundo atrás de alguma outra Relíquia para salvar sua parceira.
Entretanto, após zerar com os dois personagens, independente de quem você escolha para uma terceira gameplay, ela irá revelar um final mais feliz no qual Mint continua mais madura e retornando à East Heaven, mas Rue consegue desfazer a injustiça causada à Claire, retornando com ela para sua cabana onde viviam e dando um final mais feliz até mesmo para Prima e sua nova família: Elena, Klaus e Mira.
O jogo fez um certo sucesso no Japão e em alguns outros países específicos, mas nunca se tornou um hit grande o suficiente para ganhar uma continuação ou outras mídias diversas. Um mangá parece ter sido idealizado em uma parceria com Ken Akamatsu, autor de Love Hina e Negima!, no qual algumas páginas são encontradas pela internet mostrando, talvez, a ideia de uma continuação ou reencontro entre os personagens, mas que nunca chegou a ser publicado.
Vale a Pena Ir Atrás
Mesmo com as limitações gráficas e de hardware da época, a Squaresoft trouxe uma obra-prima que não é longa e cansativa, tem um clima dinâmico e envolvente, bonito e bem ambientado, com canções bonitas e personagens profundos e cheios de detalhes que contam uma história incrível entre várias vidas que se conectam por vários laços diferentes em um mundo fantástico cheio de Relíquias e grandes perigos.
Com uma mecânica de combate e jogabilidade simples, de fácil aprendizado e acesso, um roteiro que guia o jogador em um ritmo agradável, Threads of Fate é um jogo que precisa ser jogado por qualquer fã de JRPG que ainda não o conheça, e definitivamente rejogado por aqueles que conhecem e sabem de seu valor.
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Ainda hoje em dia é difícil encontrar jogos, independente do gênero, estilo ou plataforma, que sabem contar tão bem cada parte da história da mesma forma que esse título soube. Especialmente com o carinho no qual foi feito e produzido, é uma recomendação a todos os jogadores que estão procurando algo mais Vintage, mas de muita qualidade.
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