Nos primeiros anos do PlayStation 5, não havia muitos jogos ainda disponíveis no console. Apesar do lançamento de Horizon: Forbidden West, a maioria dos títulos disponíveis para o console se tratavam de Remasters e relançamentos.
Essa ausência de títulos exclusivos - e ainda títulos interessantes - foi ocasionada pela pandemia. O PS5 saiu em 12 de novembro de 2020, o lockdown estava começando a ser liberado em alguns países do Norte global e uma dúzia de atrasos e mudanças foram feitas em diversos jogos para comportar as medidas sanitárias.
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A maioria dos grandes títulos com mudanças significativas foram lançados a partir do último trimestre de 2022, salvo exceções como o já mencionado Horizon Forbidden West, e o resultado foi de que ter um console da última geração dois anos após seu lançamento não fazia tanta diferença, pois o leque de opções era bem limitado.
Neste período, para aproveitar o famoso “poder do PlayStation 5”, me aventurei em um dos principais lançamentos ocorridos durante a pandemia, Ghost of Tsushima, do qual tinha recebido um upgrade de gráficos e jogabilidade com sua versão Director’s Cut - o resultado era notório, a direção artística deste jogo é voltada para apreciar as paisagens e a ambientação, e os meus momentos explorando a ilha e suas belezas “naturais” estabeleceram os padrões esperados para os futuros títulos recém-anunciados para o console.
Quatro anos se passaram desde que a Sucker Punch o lançou para PlayStation 4 e cerca de dois anos e meio desde a remasterização do Director’s Cut, e ainda assim, nenhum jogo saído nesses últimos anos, principalmente os mais focados em exploração do mundo, conseguiram trazer uma apresentação artística e visual tão fascinante quanto a de Ghost of Tsushima - apesar das suas inconsistências narrativas.
Existe algo em explorar aquela gigantesca ilha, na movimentação da grama, no brilho da luz do sol ou até no som ambiente de rios, da chuva, dos pássaros e até da respiração do protagonista, Jin Sakai, que fazem deste um dos jogos mais imersivos e proveitosos dos últimos anos, digno de se aproveitar cada detalhe e cada segundo da jornada sem necessidade de correr de um evento para outro.
Neste artigo, apontamos alguns dos principais elementos que tornam de Ghost of Tsushima um dos títulos mais aclamados das últimas gerações e um dos melhores jogos de mundo aberto da indústria recente.
Os Dilemas de Jin Sakai
A obra se passa durante o século XIII, na primeira invasão da Mongólia ao Japão pela Ilha de Tsushima. O protagonista, Jin Sakai, é um samurai de uma família respeitada, que presencia a derrota de seus aliados pelos métodos pouco-honrosos do exército inimigo.
Honra, que se tornou meme por conta da sua relação com “jogos de samurai” nas últimas semanas, é um tema recorrente, visto que cabe a Jin decidir pelo subterfúgio para derrotar os invasores, ou manter o seu código de ética como um samurai, do qual é explicitado em um dos primeiros diálogos do jogo como a principal fraqueza do exército japonês na invasão.
“Mas enquanto você afiava sua espada, sabe como me preparei para hoje? Eu aprendi. Conheci a sua língua... as suas tradições... as suas crenças... quais aldeias domesticar e... quais queimar.”
- Khotun Khan
Esse traço é tão inerente para a narrativa que o próprio vilão e principal alvo de Jin, Khotun Khan, o explicita em atitudes e palavras. Sua primeira aparição é incendiando o corpo de um samurai com bebida alcoólica e uma tocha após este desafiá-lo para um duelo: suas regras são fáceis de explorar, seu código de honra só funciona se ambas as partes estiverem de acordo, e para a nação com a cultura de guerra mais avançada da sua época, esta era apenas mais uma fraqueza a ser explorada.
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Enquanto afirmamos que Jin precisa escolher um caminho entre manter as tradições ou optar pela desonra em troca do único meio de salvar Tsushima, diferente de outros títulos da Sucker Punch, conhecida pela série Infamous, o jogo não dá essa escolha ao jogador: Jin se torna o Fantasma e faz uso de assassinato e outros meios para vencer os Mongóis com o único meio do qual eles não haviam se preparado - A possibilidade de um samurai abandonar seu código ético para salvar a ilha ao invés de vender sua espada como um ronin.
As circunstâncias que levam Jin ao caminho para se tornar o “Fantasma de Tsushima” apresentam outros lados da mesma moeda onde estão o xogunato, suas tradições e as suas castas sociais. Por meio de Yuna, por exemplo, Jin enxerga que existem momentos onde honra ou o código de um samurai significam muito pouco.
No desenrolar da trama, enxergamos diversas ocasiões onde seus métodos são vistos como um ato de traição, deplorável e desprezível independente das circunstâncias. O xogunato não se importa se você salvou dezenas de vidas se não o fez pelo seu próprio código e Jin, a representação da desonra pelos seus atos, é também a prova viva das falhas inerentes dos dogmas e métodos do governo vigente.
Liberdade integrada com Relevância Narrativa
É interessante, inclusive, como o jogo permite manter uma rota “honrada” durante a exploração e uma parcela da história. Jin não é obrigado a cometer assassinatos quando está explorando o mapa ou adentrando um acampamento mongol e sempre podemos começar o confronto com um duelo. No entanto, tal qual quando Jin é derrotado por Khotun Khan ao tentar derrotá-lo em uma batalha justa, o jogo se torna bem mais desafiador quando decidimos enfrentar todos os inimigos de frente.
Existem muitos jeitos de jogar Ghost of Tsushima, e cada um deles parece “correto” e não quebra, de maneira alguma, o senso de urgência em torno da história, um problema comum em diversos títulos de mundo aberto.
Se o jogador decidir que Jin deve salvar a Ilha rapidamente e seguir apenas as missões principais, é um bom jeito de acompanhar a narrativa. Se, ao invés, optar por fazer Jin salvar aldeias e destruir acampamentos, também fará sentido para o objetivo do herói, e até missões menos voltadas para o conflito, como compor um haiku ou visitar um santuário fazem parte inerente do seu objetivo, dado que seu código de guerreiro valoriza treinar a mente tão bem quanto treina seu corpo.
Jin, por exemplo, pode se transformar em um andarilho. Em sua jornada para salvar Tsushima, ele explora cada região enquanto segue para onde um de seus companheiros ou potenciais alianças estão. Seu cavalo, enquanto integral da narrativa, pode ser pouco utilizado - caminhar permite apreciar os detalhes, prestar atenção nos sinais e até encontrar sinais de algum evento ocorrido naquela região.
A Riqueza de Detalhes
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Enquanto sua fórmula evita oferecer a liberdade irrestrita que outros jogos de mundo aberto proporcionam, a estética visual de Ghost of Tsushima faz dele um título para ser degustado e apreciado ao invés de apenas correr para fazer cada missão.
A movimentação da grama, a maneira como a luz do sol interage com a folhagem das árvores, as diversas paisagens vistas do alto de montanhas, os animais que correm pelos campos, as vilas e até o som dos ambientes são detalhes essenciais da execução estética do jogo, e fazem a Ilha parecer vívida até quando estamos em enormes campos com nada para interagir - um detalhe qualquer, como uma fumaça no céu ou um canto mais iluminado no horizonte, será suficiente para captar a atenção do jogador e o fazer caminhar em sua direção.
A falta de um mini-mapa foi outro detalhe que torna dessa experiência mais imersiva. Afinal, este pequeno recurso tende a prender a atenção do jogador e fazê-lo apenas ir de um ponto até outro sem dar muita importância para o que existe no caminho.
Ao utilizar o vento como “guia”, a obra não deixa o jogador completamente perdido e ensina a prestar atenção nos detalhes enquanto também se integra com as referências históricas do período onde a trama se passa, onde um enorme furacão atingiu a região deixando milhares de mortos nas tropas invasoras que estavam em alto mar - criando, assim, um dos primeiros registros históricos da palavra kamikaze (“vento divino”) no dialeto japonês.
O Conflito entre Liberdade Artística e Contexto Histórico
Apesar de inspirado em um momento histórico do Japão, Ghost of Tsushima possui várias inconsistências nesse quesito: as armaduras utilizadas por muitos personagens ou até suas armas não correspondem aos instrumentos daquela época, tal qual seu bioma é impreciso com o da ilha de Tsushima do mundo real.
Ambos são frutos de decisões deliberadas da equipe de desenvolvimento para transformar o jogo em uma experiência única enquanto o caracteriza como uma imersão ao universo feudal e ao código de um samurai, além dos conflitos morais que enfrentamos no papel do herói.
Este código e seus conflitos, inclusive, revelam outro detalhe crucial no desenvolvimento de jogos contemporâneo: a proximidade da sua narrativa com o cinema - os filmes de Akira Kurosawa serviram de grande inspiração para o jogo ao ponto de seu modo em preto e branco ser nomeado em homenagem ao diretor.
O cinema clássico tem um papel fundamental na ambientação de Ghost of Tsushima e na experiência imersiva em torno do imaginário popular do que é ser um samurai, e tal qual outras obras de ficção, alguns contextos históricos precisam ser abdicados em prol de fascinar seu interlocutor no universo apresentado pela obra.
Por fim, é claro, os gráficos
Nenhuma das características acima teria a mesma relevância e impacto na indústria se Ghost of Tsushima não fosse pensado e planejado para oferecer a melhor capacidade gráfica possível, elemento aprimorado com a versão Director’s Cut, mas é a junção destes detalhes que tornam deste um dos melhores jogos das últimas duas gerações.
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Com o anúncio de que a versão Director’s Cut chegará aos PCs em 16 de maio, as possibilidades para a jornada de Jin Sakai e a beleza visual e artística de Ghost of Tsushima ganham novos horizontes e melhorias a serem exploradas, tornando-se um dos principais títulos exclusivos dos consoles a valer o investimento.
Essa migração, inclusive, dará ainda mais ênfase ao quesito visual do jogo, com melhorias nos seus gráficos e iluminações que o tornarão ainda mais agradável aos jogadores, tal qual o recente lançamento de Horizon: Forbidden West, principalmente competidor de Ghost of Tsushima em quesitos visuais hoje, para os PCs liberou ainda mais o seu potencial.
O que esperar de Ghost of Tsushima 2?
Enquanto ainda não temos a confirmação oficial da Sucker Punch estar produzindo um segundo jogo para a jornada de Jin Sakai, só podemos especular sobre seu futuro e o futuro da Ilha de Tsushima.
Uma segunda invasão dos mongóis ocorreu em 1281, sete anos após sua primeira invasão retratada no jogo. Na época, o exército japonês estava preparado para um novo conflito com reforço nas suas defesas marítimas, mas a escala de soldados do exército inimigo era muito mais do que na primeira invasão, e eles novamente tomaram as ilhas de Tsushima e Iki - o usuário do Reddit Few_Tumbleweed_5209 fez um excelente resumo dos eventos históricos da segunda invasão na página do jogo na rede social.
As especulações do futuro de Jin giram em torno do seu retorno honrado como samurai por serviços exemplares na segunda invasão, ou até da necessidade do Fantasma em romper de vez com o xogunato para salvar as Ilhas novamente com seus próprios métodos, sendo então um criminoso que pode, ou não, entrar em conflitos com samurais no desenrolar da trama.
Independente do que esperamos, a segunda invasão é certamente o plano de fundo ideal para Ghost of Tsushima 2, e dada a boa recepção do primeiro jogo com o público, seria um enorme desperdício encerrar a história e legado de Jin Sakai sem abordar estes eventos.
Conclusão
Isso é tudo por hoje.
Agora, gostaríamos de saber sua opinião: quais são suas especulações para o futuro de Ghost of Tsushima e como ele tem se comparado em aspectos visuais e artísticos com outros jogos lançados para a atual geração de consoles?
Obrigado pela leitura, e se quiser acompanhar mais do nosso conteúdo, confira como FFVII Rebirth me fez apreciar Final Fantasy XVI ainda mais
Obrigado pela leitura!
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