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Xenogears: Quando Final Fantasy VII esbarrou em Nietzsche e Robôs Gigantes

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Concebido como um roteiro para Final Fantasy VII e rejeitado por ser sombrio e complexo demais, Xenogears foi um marco para a indústria dos RPGs e ganhou status de cult ao misturar Freud, Nietzsche, psicologia junguiana e robôs gigantes.

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에 의해 검토 Romeu

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Era o início do ano 2000. Um homem adulto chegará a uma loja de videogames e eletrônicos para comprar um jogo novo para o seu filho. O filho gostava de coisas muito específicas: como todo garoto daquela época, ele vivia a ascensão do hype por anime nos canais de televisão, desenvolveu um gosto peculiar por jogos eletrônicos de RPG por influência do irmão mais velho, e ele sempre foi o garoto que gostava de robôs gigantes — um dos seus animes favoritos, inclusive, era Gundam Wing.

Imagino que o atendente olhou para as demandas que ele especificou, disse “não diga mais nada!”, e foi até o balcão buscar a cópia de um jogo lançado em 1998. Na capa, um homem de cabelos longos com punhos cerrados, e ao fundo, a silhueta de um robô gigante reproduzindo a mesma pose. Um enorme X vermelho no canto superior esquerdo criava o contorno que revelaria o nome do título: Xenogears. Anime? Sim. Robôs? Também! RPG? Certamente, era produzido pela Squaresoft, mesma empresa da série de jogos Final Fantasy.

Ao chegar em casa, o pai presenteou o garoto com uma cópia daquele jogo, explicou a ele tudo o que provavelmente lhe foi mencionado na loja: que era um jogo com animações japonesas, tinha robôs, coisas de que aquela criança gostava. Eles finalmente colocaram o primeiro disco em um conjunto de dois no PlayStation da casa, e a animação inicial explodiu a cabeça dele: dublagem para cutscenes? Uma animação com qualidade típica das que víamos nos animes dos anos 90? E o design de personagens que, naquela cutscene, remetia aos estereótipos dos desenhos do mesmo tema daquele período. Foi o suficiente para fisgar a atenção completa do garoto.

Na época, este não tinha qualquer noção de inglês além do básico. Sua leitura se resumia muito mais a entender os comandos de um jogo do que exatamente o que a história estava tentando dizer fora das ações. Diferentemente de outros RPGs, Xenogears era muito mais extenso em diálogos, o que não o impediu de continuar engajado naquele título do início ao fim — uma jornada que ele só terminaria por volta dos nove ou dez anos, quando ele de alguma maneira descobriu como resolver um dos puzzles do segundo disco.

O que nenhum dos dois sabia naquela época é que aquele jogo, conforme o menino cresceria e compreendesse mais do idioma utilizado na obra, se tornaria fonte de uma dúzia de interesses que ele teria posteriormente: filosofia, psicologia, comunicação, sociologia, e até teologia seriam, de alguma maneira, impulsionados pelos temas abordados com maestria em Xenogears e muito além do tempo em que a trama foi desenvolvida e lançada.

Em 20 de outubro, Xenogears completou 27 anos desde o seu lançamento no ocidente, e não há data melhor para relembrarmos do título da Squaresoft (hoje Square Enix) que foi outrora ofuscado pelo lançamento massivo de Final Fantasy VIII e Final Fantasy IX, mas se tornou um clássico cult dos JRPGs, e um título que todo fã do gênero deveria jogar pelo menos uma vez.

O Final Fantasy VII que não foi

A origem de Xenogears pode ser traçada de volta até o pré-desenvolvimento do que se tornaria o título mais famoso da Square: Final Fantasy VII.

Naquele tempo, os conceitos iniciais do que seria o enredo do sétimo game da série estavam sendo escritos e avaliados. Foi quando Soraya Saga e Tetsuya Takahashi entregaram para os executivos da empresa um roteiro que seria produzido por Hiromochi Tanaka. Os executivos da empresa rejeitaram a obra por considerá-la “sombria e complicada” para um jogo de fantasia, mas viram potencial o suficiente para autorizarem que o título fosse produzido como um projeto à parte.

Rebatizado como Project Noah, Xenogears passou aproximadamente dois anos em desenvolvimento. No início, a equipe viveu problemas com a identidade da obra: o plano original era o título servir como uma continuação ou spin-off de Chrono Trigger, mas por conta de discordâncias entre a direção do jogo e os executivos da Square, a ideia de sequel foi descartada e o jogo se tornou um título original isolado — este levaria a outro problema quando parte dos elementos de sci-fi considerados quando Xenogears seria um spinoff não se encaixassem mais, forçando mudanças no roteiro para encaixar mais elementos de fantasia e tornar da obra uma mescla entre os dois gêneros.

Influências de FFVII em Xenogears… ou Influências de Xenogears em FFVII?

Apesar do roteiro rejeitado, Final Fantasy VII e Xenogears tiveram uma relação simbiótica no desenvolvimento narrativo, onde claros elementos e tropos de um acabam esbarrando no outro, sendo talvez até intencional, visto que ambos estavam em produção em períodos muito próximos.

A maior similaridade entre os dois envolve um dos, se não o melhor aspecto da trama de Final Fantasy VII — a escolha de um narrador não confiável como protagonista.

Fei é um homem que, enquanto leva uma vida pacata em um pequeno vilarejo de interior, tem um passado cheio de mistérios: ele foi levado até lá por um homem mascarado anos antes dos eventos do jogo, e basta que a guerra entre duas grandes nações chegue para o interlocutor descobrir que Fei, de alguma maneira, sabe como pilotar um Gear (os robôs gigantes). Minutos depois, em um surto, o herói destrói o vilarejo que o acolheu, matando até os seus melhores amigos durante o conflito.

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Marcado como um “assassino”, Fei se vê confrontado com a incerteza sobre a própria identidade e segue em uma jornada de autodescoberta que passa pelas intrigas da política do continente e pela dominância do império de Solaris sobre o mundo.

Apesar das mudanças de enredo com um tom mais sombrio, Fei possui notórias semelhanças com Cloud Strife no que concerne ao seu passado, mas diferentemente do protagonista de FFVII, que possui uma versão artificial dos fatos, este herói desconhece sua própria história e tudo o que ele acredita saber sobre si e sobre o mundo é gradualmente revirado, colocando-o em um papel onde, em determinado ponto da trama, ele é considerado a maior ameaça.

Um Easter Egg de Xenogears pode ser encontrado em Final Fantasy VII durante o arco de Mideel
Um Easter Egg de Xenogears pode ser encontrado em Final Fantasy VII durante o arco de Mideel

As semelhanças passam também por alguns tópicos e personagens da trama maior. Xenogears tem sua própria versão de uma calamidade interplanetária, assim como Jenova — ambas heranças da influência de Chrono Trigger — e a importância narrativa deste para uma sociedade tecnologicamente avançada que controla o desenvolvimento e as nuances políticas e sociais do mundo se conecta entre a megacorporação ShinRa de FFVII e o Império de Solaris no título posterior.

Inovador em 1998, Contemporâneo em 2025

Onde as duas obras se desconectam, no entanto, é no quanto Xenogears é maduro para o seu ano de lançamento e público. Se existe um defeito no título (além do famigerado segundo disco) é que ele tem muito texto até para um JRPG da era do PlayStation One, ao ponto do tradutor e localizador oficial do jogo, Richard Honeywood, mencionar que traduzir Xenogears foi um inferno.

O motivo para Honeywood e outros tradutores terem tanta dificuldade em localizar a obra, ao ponto de muitos antes dele pedirem para serem designados para outros projetos ou se demitirem, era a quantidade de referências científicas, filosóficas e religiosas presentes. Xenogears é fortemente inspirado, mas não limitado, às obras de Friedrich Nietzsche, Sigmund Freud e Carl Jung, além de conter diversas referências de ficção científica e pouco ou nenhum pudor em trabalhar com aspectos religiosos do Gnosticismo e Cristianismo, em uma época em que os RPGs ainda estavam se desvinculando do satanic panic e dos tabus religiosos que existiam até meados dos anos 2000.

Elementos como a construção humana da divindade, o ciclo de Eterno Retorno e a perspectiva de transcendência apresentada por Nietzsche, o Id e a formação da personalidade através do trauma teorizados por Freud, e a relação de Anima e Animus e o conceito de Consciente Coletivo de Jung são exemplarmente retratados na obra, mesmo que por vezes com referências metafóricas ou imagéticas adaptadas para o desenvolvimento geral do enredo e/ou para a elaboração do fantástico.

Trata-se, no fim, de uma história sobre de onde viemos, quem somos e para onde vamos, e apesar dos longos diálogos, o que a trama apresenta são assuntos maduros sem contornos de fantasia. Os retratos de propaganda, xenofobia, guerra, escravidão, eugenia, o controle por meio da fé e os impactos de trauma psicológico e emocional são abordados com uma linguagem crua, e até temas mais pesados como prostituição, drogas e abuso são levantados em diálogos ou referenciados na narrativa sem delongas.

O interlocutor consegue identificar que aquele mundo é ruim, que algo está errado com a realidade daquele universo, mas em momento algum a narrativa deixa de ser sobre personagens.

A trama segue com consistência a história de Fei em uma jornada para conhecer a si. No caminho, ele esbarrará em um príncipe destituído do seu trono, ou em um membro de uma seita religiosa que jura lealdade e devoção às instituições responsáveis por acolhê-lo quando se tornou órfão, e cada um deles possui tempo para contar suas histórias e desenvolver-se enquanto os eventos sempre giram, de alguma maneira, em torno dos mistérios do mundo e a conexão desses com o passado do protagonista.

Muito além de apenas a história

Outro ponto-chave que tornou Xenogears um clássico contemporâneo se deve ao sistema de batalha e navegação. Mesmo antes de todo RPG ter esse tipo de controle livre, o jogo já permitia aos personagens pularem para alcançar lugares e/ou até para cair em poços e quem sabe encontrar itens secretos.

O sistema de batalha foi e continua sendo outro destaque. Este é dividido em dois segmentos: no primeiro, com os personagens em 2D, temos o combate corpo a corpo padrão, fazendo uso do sistema de Deathblows para criar combos conforme o personagem ganha níveis e recebe mais pontos de ações.

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Enquanto esse apresenta um sistema de progressão tangível, ele também acaba tornando as lutas lineares: para cada combo novo aprendido, restam poucos motivos para tentar usar os comandos antigos, exceto em algumas batalhas específicas contra chefes onde guardar pontos de habilidade faz diferença.

Há também o segundo sistema de combates com os Gears, robôs gigantes utilizando a mecânica de Fuel, onde cada comando gasta uma quantidade específica de combustível, e o sistema de Attack Level, em que passar turnos sem utilizar combos habilita um ataque especial mais forte no turno seguinte.

O sistema de customização de Gears também é um caso à parte: apesar de não existirem modificações cosméticas, há um equilíbrio que precisa ser comumente encontrado entre ter resistência e combustível o suficiente com poder de ataque alto para não prolongar demais a batalha — enquanto boa parte do jogo segue a lógica do fazer números subirem, quando chegamos nos estágios mais avançados, escolher os componentes certos cria uma experiência diferente para cada Gear.

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Os ataques especiais, resistências e até a velocidade do Gear são influenciados pela escolha de equipamentos, e enquanto não há profundidade em nenhuma parte do sistema para esses serem punitivos ou vantajosos demais, Xenogears carrega elementos e mudanças de dificuldades o suficiente para forçar escolhas conscientes e evitar que o jogo inteiro seja um passeio no parque.

O Famigerado Segundo Disco

Enquanto o primeiro disco oferece dezenas de horas de exploração, batalhas e desenvolvimento de personagens em ritmo tradicional, o segundo apresenta uma estrutura distinta. Grande parte da história passa a ser contada por meio de longos trechos de texto narrado, intercalados com poucas sequências jogáveis.

Os fãs presumiam que isso se devia às restrições orçamentárias provocadas pelo jogo ter sido produzido na mesma época que Final Fantasy VIII, mas em 2017, Takahashi revelou para a Kotaku que, como sua equipe era inexperiente, eles não conseguiram criar o jogo proposto inteiro no tempo de desenvolvimento, então, em vez de aceitar a sugestão dos diretores e terminar o jogo no primeiro disco e lançar a segunda metade em um título posterior, Takahashi ofereceu uma solução que se tornaria o conteúdo do segundo disco, onde a trama é contada através da narração dos personagens dos eventos intercalando com elementos de gameplay segmentados, com praticamente nenhuma exploração livre.

A escolha de Takahashi foi e continua sendo o principal alvo de críticas de Xenogears. Afinal, a experiência entre a primeira parte e a segunda é tão distinta ao ponto de parecerem jogos diferentes, não fosse pelos personagens e desenvolvimento geral da trama.

Concluindo

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Apesar das falhas, Xenogears é ainda um dos RPGs mais bonitos, complexos e engajadores de todos os tempos. Infelizmente, as chances de um Remaster são quase nulas: Tetsuya Takahashi fundou a Monolith Soft um ano após o lançamento do jogo e começou a trabalhar com a Namco na trilogia Xenosaga, um sucessor espiritual do título da Square Enix.

Em 2011, a Monolith Soft foi vendida pela Namco para a Nintendo, que reteve 96% das ações da empresa. Desde então, além de oferecer suporte para outros títulos, a desenvolvedora é a principal responsável pelos jogos da série Xenoblade Chronicles e foi comprada totalmente pela Nintendo em dezembro de 2024.

Portanto, é difícil imaginar, pelos direitos de Takahashi na propriedade intelectual de Xenogears e as relações da Monolith Soft com a Nintendo, que um Remaster seja possível quando o jogo atingir os 30 anos em 2028.

É inegável, entretanto, que a história de Fei é uma das que mais merecem ser revisitadas tantos anos depois, ou experimentada pela primeira vez por novas e velhas gerações de entusiastas e fãs de JRPGs que anseiam por um jogo interativo, recheado de mistérios e com uma trama cuja relevância permanece intocada quase três décadas após o lançamento original.