A continuação de Ghost of Tsushima foi finalmente anunciada - mas não como alguns esperavam. Ao invés de uma história diretamente relacionada com os eventos do primeiro jogo, a Sony apostou em transformar Ghost em uma franquia antológica, onde cada título se passa em um período diferente do Japão e com novos personagens.
Ghost of Yōtei levará jogadores para 1603, o início da Período Edo do Japão, que durou cerca de 250 anos. Foi uma época de mudanças substanciais na sociedade japonesa em diversas esferas e amplamente considerada pacífica quando comparada com os anos que o antecederam.
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Mas Atsu não está no centro dos eventos históricos desta época. Ela está em outra região, isolada e ainda não anexada ao Japão - Ezo, posteriormente rebatizada de Hokkaido. Então quais são exatamente os problemas que o povo daquela região teve e como eles se comparam com a gravidade da invasão da Ilha de Tsushima? Quem serão os inimigos que Atsu precisará impedir?
Neste artigo, nos aprofundamos nos principais eventos ocorridos durante a época em que Ghost of Yōtei se ambiente para tentarmos decifrar um pouco mais do que podemos esperar do novo título da Sucker Punch!
O Japão no Século XVII - O Começo do Período Edo
O Período Edo durou 250 anos no Japão e trouxe dezenas de mudanças na política do país - das suas relações externas até mudanças na hierarquia social e na cultura do seu povo. Neste artigo, vamos abordar apenas as três primeiras décadas desse período, dado a baixa probabilidade de Ghost of Yōtei abordar eventos muito distantes do seu ano de início.
A Batalha de Sekigahara e Estabelecimento do Xogunato Tokugawa
O evento mais marcante do período em que Ghost of Yōtei se passa é a Batalha de Sekigahara, em 1600. Este foi um dos eventos mais importantes da história japonesa, pois consolidou o poder de Tokugawa Ieyasu. A vitória de Ieyasu contra seus rivais estabeleceu o controle sobre o Japão e marcou o fim do turbulento período, conhecido como a era dos estados em guerra. Três anos após a batalha, Ieyasu foi nomeado shogun pelo imperador, fundando oficialmente o Xogunato Tokugawa em 1603.
Com o estabelecimento do xogunato, Tokugawa Ieyasu implementou uma série de políticas para manter o controle sobre os daimyōs e garantir a estabilidade do país. A mais significativa delas foi o sistema Sankin-kotai, ou "residência alternada", que exigia que os daimyōs passassem parte do ano na capital, Edo, e parte em suas próprias terras. Isso não só enfraquecia o poder regional deles ao mantê-los sob vigilância, mas também ajudava a fortalecer a autoridade central.
A centralização do poder em Edo foi uma jogada estratégica. Ieyasu mudou a capital de Kyoto para Edo, fortalecendo seu controle sobre a nação ao transferir a administração e o centro de poder político. A construção do Castelo de Edo, que se tornaria um símbolo do poder Tokugawa, foi essencial para estabelecer a autoridade da nova dinastia e para desenvolver a cidade como o coração político e econômico do país.
Os daimyōs foram obrigados a contribuir com a construção e manutenção de Edo, particularmente no que dizia respeito ao fornecimento de materiais para o Castelo de Edo e outros projetos públicos. O sistema também foi financeiramente oneroso para eles, pois as viagens e a manutenção de duas residências drenavam seus recursos, diminuindo suas capacidades de contestar o poder de Tokugawa.
O Cerco de Osaka
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Mas o xogunato ainda enfrentava uma última ameaça: o clã Toyotomi, liderado por Toyotomi Hideyori, filho de Hideyoshi, um dos unificadores do Japão. Após rumores circularem de que o herdeiro de Hideyoshi pretendia se rebelar, Ieyasu insistiu que o xogunato havia sido insultado por uma inscrição em um sino no templo construído por Hideyori. Com a guerra se aproximando, Hideyori apelou aos daimyōs por ajuda; quando ninguém respondeu, ele contratou milhares de ronins.
O conflito começou com um cerco em 1614. As tropas de Ieyasu foram incapazes de penetrar nas defesas externas do Castelo de Osaka, a fortaleza mais forte do Japão. No entanto, depois que as tropas de Tokugawa dispararam seus canhões perto dos aposentos da mãe de Hideyori, ela convenceu seu filho a negociar. Ieyasu ofereceu uma solução pacífica que permitiu a Hideyori manter suas posses e forças. Hideyori concordou, ordenando que seus seguidores depusessem as armas.
Após uma grande demonstração de retirada de seus exércitos, Ieyasu ordenou que os fossos externos do Castelo de Osaka fossem preenchidos, enfraquecendo assim as defesas da fortaleza. Os comandantes de Hideyori tentaram limpar os fossos, mas Ieyasu logo colocou seus exércitos de volta em movimento.
Em 1615, com o filho de Ieyasu, Hidetada, no comando supremo, os exércitos de Tokugawa invadiram os portões do Castelo de Osaka e o queimaram. Enquanto suas forças eram massacradas, Hideyori e sua mãe cometeram seppuku. Ieyasu completou sua vitória ordenando a execução do filho pequeno de Hideyori.
A partir de então, nenhum outro clã teria força suficiente para desafiar a autoridade centralizada do xogunato. Esse evento marcou o fim de qualquer tentativa de resistência militar ao regime e garantiu que a dinastia Tokugawa reinasse sem contestação. Com a queda de Osaka, Hidetada fortaleceu ainda mais as bases de seu governo. O cerco também serviu como um lembrete claro aos outros daimyōs de que qualquer desafio ao poder centralizado seria impiedosamente esmagado, reforçando a política de controle rigoroso sobre os clãs regionais.
Isolacionismo e Sucessão do Xogunato
O terceiro filho de Ieyasu, Hidetada, um general militar que lutou nos cercos do Castelo de Osaka e nas escaramuças que levaram à Batalha de Sekigahara, foi oficialmente nomeado shogun em 1605, garantindo a sucessão na família Tokugawa em uma época em que o imperador do Japão não havia reconhecido totalmente as reivindicações dinásticas.
Durante os anos após a nomeação do seu filho como sucessor, Ieyasu continuaria a manter a política em rédea curtas. Temendo que o crescimento e expansão do Cristianismo no Japão lhe tomasse a lealdade dos daimyōs, ele fez decretos contra a religião em 1606, que eventualmente culminaria na expulsão dos missionários cristãos quatro anos depois. Em 1614, Ieyasu emitiu o Édito de Expulsão, proibindo a prática do cristianismo no país e as comunidades cristãs que permaneciam em segredo enfrentaram severas punições, e muitos convertidos foram obrigados a renunciar à sua fé publicamente.
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Ieyasu faleceu em 1616 devido a uma doença no estômago, mas assegurou a hegemonia dos Tokugawa no poder. Hidetada foi shogun por 12 anos e seu filho, Iemitsu, se tornou shogun em 1623 e governou o Japão durante 28 anos.
O isolacionismo não se restringiu apenas à religião. Sob o governo de Tokugawa Iemitsu, neto de Ieyasu, o Japão adotou uma política de isolacionismo quase total na década de 1630. O país fechou suas portas para a maioria das nações estrangeiras, permitindo o comércio apenas com os holandeses e chineses, que operavam sob estritas regulamentações no porto de Nagasaki.
Essa política teve um impacto duradouro na história do Japão. Embora o país tivesse acesso limitado a produtos estrangeiros, o isolamento permitiu que o Japão desenvolvesse sua cultura e economia de forma relativamente autônoma, sem a interferência das potências coloniais europeias que dominavam outras partes da Ásia na época.
Entre 1633 e 1639, Iemitsu implementou uma política de isolacionismo mais rigorosa onde não apenas restringia as atividades cristãs, mas também limitava o comércio estrangeiro a dois parceiros: China e os Países Baixos. Esses comerciantes operavam exclusivamente a partir do porto de Nagasaki, sob supervisão rigorosa do governo Tokugawa. Seu objetivo era manter o controle social e político, prevenindo a disseminação de ideias e tecnologias que pudessem desestabilizar o regime.
O comércio com os Países Baixos, por exemplo, era tolerado porque os holandeses, ao contrário dos espanhóis e portugueses, não tentavam converter os japoneses ao cristianismo - A ilha artificial de Dejima, em Nagasaki, foi construída para isolar os comerciantes estrangeiros do resto da população.
O impacto do isolacionismo foi profundo. Embora o Japão estivesse protegido de influências externas e pressões coloniais, o país também ficou desatualizado em relação a certos avanços tecnológicos e científicos que ocorriam no Ocidente. No entanto, o isolamento permitiu que o Japão mantivesse sua estabilidade interna e desenvolvesse uma cultura rica e autônoma durante o período Edo, com o florescimento das artes, como o teatro kabuki, a literatura e a pintura ukiyō-e.
Samurais e a Hierarquia Social
Com o fim dos grandes conflitos militares, os samurais, que antes desempenhavam um papel essencial nas guerras, tiveram que se adaptar a uma nova realidade. Sem guerras para lutar, eles passaram a atuar como administradores e burocratas, dedicando-se também ao estudo das artes e da filosofia. O confucionismo influenciou fortemente essa transição, levando os samurais a valorizar a educação, a ética e a cerimônia. Além disso, os samurais passaram a praticar e desenvolver artes como a cerimônia do chá, a caligrafia e o estudo das artes marciais como uma forma de disciplina pessoal.
O confucionismo, especialmente o neo-confucionismo, tornou-se a base ideológica da sociedade japonesa. O sistema confucionista reforçava uma hierarquia social rígida, dividida em quatro classes principais: samurais, camponeses, artesãos e mercadores.
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O governo Tokugawa utilizou essa estrutura para garantir a ordem e a estabilidade em todo o país. Os samurais, embora uma classe militar, tornou-se a elite burocrática durante o período Edo, servindo como administradores e governantes locais. Eles eram os defensores da moralidade e da disciplina, promovendo os valores confucionistas de lealdade, respeito à hierarquia e dever para com o estado. Acima de todos estava o shogun, que governava em nome do imperador, cuja posição era amplamente simbólica.
Abaixo dos samurais, os camponeses formavam a base da pirâmide social, sendo responsáveis pela produção de alimentos e, portanto, essenciais para a economia. Artesãos e mercadores, embora economicamente prósperos, ocupavam os níveis mais baixos da hierarquia. A mobilidade entre elas era praticamente impossível. Isso ajudou a garantir que o xogunato mantivesse o controle sobre a sociedade, ao mesmo tempo que evitava revoltas e instabilidade.
Os Conflitos Menores e a Rebelião de Shimabara
Embora o Xogunato Tokugawa tenha assegurado a paz na maioria do país, algumas regiões ainda apresentavam rebeliões e descontentamento, com pequenas revoltas locais que ocorreram em resposta às mudanças sociais e políticas impostas pelo regime, como a exigência de lealdade absoluta.
Uma das mais notáveis foi a Rebelião de Shimabara, ocorrido em 1637–1638, considerada a mais violenta do período Edo. A rebelião começou quando Matsukura Katsuie, o daimyō do Domínio de Shimabara, impôs políticas impopulares que aumentaram drasticamente os impostos para construir o novo Castelo de Shimabara e proibiram violentamente o cristianismo. Em dezembro de 1637, uma aliança de rōnin locais e camponeses, principalmente católicos liderados por Amakusa Shirō se rebelaram contra o xogunato Tokugawa devido ao descontentamento com as políticas de Katsuie.
O xogunato Tokugawa enviou uma força de mais de 125.000 soldados para suprimir os rebeldes, que os derrotaram após um longo cerco contra sua fortaleza no Castelo de Hara.
Os Ainu - como Ghost of Yōtei se encaixa
Em uma primeira olhada no trailer, é difícil afirmar como esses eventos podem se entrelaçar com o novo jogo da série Ghost. Mas Atsu, a nova protagonista, não está no centro de Edo e pode nem sequer participar desses eventos.
Passando-se na região de Hokkaido, batizada de Ezo na época, sua trama pode estar conectada com evento que ocorrem antes do xogunato quando, no final do Século XVI, um dos três unificadores do Japão, Hideyoshi Tomotomi, contratou o clã Matsumae para tomar a ilha de Hokkaido, o que levou ao massacre dos povos originários das regiões do norte do Japão, os Ainu. A primeira guerra entre os Ainu e o clã só aconteceria seis décadas após o ano em que Ghost of Yōtei ocorre, então é provável que veremos Atsu lidar com os conflitos menores e o início do que, no futuro, viria a se tornar a Rebelião de Shakushain em 1669.
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O Xogunato daria ao clã Matsumae o direito de exclusividade nas trocas comerciais com o povo Ainu em 1604, dando início a um processo de 200 anos até a colonização de Hokkaido. Segundo o historiador Itsuji Tangiku no site Twitter, o nome Ghost of Yōtei pode indicar, por exemplo, uma sátira ao colonialismo japonês contra o povo Ainu, já que o nome Yõtei só foi dada a montanha que parece estar no cerne da narrativa muitos séculos após os eventos do jogo - o Japão só reconheceu o povo Ainu como indígenas em 2008 com votação unanime do seu parlamento da época, mas este foi oficializado apenas em 2019.
Ghost of Tsushima pegou um evento histórico (a invasão dos mongóis na Ilha de Tsushima) e criou sua interpretação fictícia dele tanto em detalhes da narrativa quanto na construção de mundo. É muito provável que o novo jogo pegue a chegada do clã Matsumae a Hokkaido para fazer a sua própria história - uma que não precisa e provavelmente não vai acompanhar todos os detalhes históricos daquela época, apenas os usando como plano de fundo.
Jin Sakai foi um personagem cuja jornada foi inspirada nos dois tufões que atingiram a Ilha durante a invasão, sendo uma personificação metafórica dessa força da natureza na narrativa - Atsu, cujo trailer e imagens promocionais demonstram sua conexão com o Monte Yōtei, pode ser inspirado em alguma lenda folclórica em torno da região de Hokkaido e/ou em uma interpretação da montanha como um “protetor e vigia” do povo.
Isso nos leva à criatura vista nos trailers junto da protagonista: o Lobo de Hokkaido é uma espécie que viveu na região até serem caçados até a extinção durante a era Meiji. Em algumas regiões, os Ainu reverenciavam essa espécie como uma divindade de uma de suas lendas - Horkew Kamuy - a de um lobo branco que deu origem aos ancestrais do povo Ainu após cruzar com uma deusa.
Este respeito criou uma relação de proximidade entre eles e os lobos, onde eles deixariam parte de suas caças como oferendas a eles, além de serem proibidos de os caçarem com armas de fogo ou veneno, além de existirem represálias por desperdiçarem a pele ou carne dos lobos - além de ser comum que alguns deles tentassem cruzar seus cães com lobos para criar uma espécie híbrida.
A fera que vemos com Atsu pode, facilmente, ser uma dessas raças híbridas e servir como o guia dela pela ilha - uma personificação corpórea e metafórica do Horkew Kamuy que serve para ela da mesma maneira que o vento servia para Jin e para os jogadores.
Mas ainda é necessário explicar como uma Ainu consegue tamanha maestria com a espada e com os artifícios de subterfúgio utilizados pelo Fantasma que devem ser herdados por ela durante a trama para manter os aspectos de jogabilidade que popularizaram a obra anterior.
É importante ressaltar que o Xogunato de Tokugawa teve suas alianças com os clãs Iga e Kōka, que ofereceram seus serviços durante as campanhas de Ieyasu para unir o Japão sub sua autoridade e foram recompensados com posições privilegiadas na guarda, em fazendas e com terras nos arredores de Edo. Os clãs também participaram do exército enviado para conter a Rebelião de Shimabara, enquanto os Iga estiveram presentes no Cerco de Osaka e realizaram missões de sabotagem e espionagem desde o começo do xogunato, além de comporem parte da guarda interna do Castelo de Edo enquanto os Kōka ficaram responsáveis pela polícia da cidade.
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Talvez, por alguma razão que faça sentido na narrativa, ela conheça ou encontre alguém de um desses clãs que acompanhe os Matsumae, mas não concorde com os planos dele, ou que já vivia em Hokkaido após a Batalha de Sekigahara. Ou, em outro cenário ainda mais improvável, é possível que suas habilidades e o conhecimento delas - além de sua máscara - precedam os eventos e os conectem, indiretamente, a Jin de alguma maneira.
Conclusão
Ainda há muito a ser revelado sobre Ghost of Yōtei e sobre a nova protagonista, Aino. Particularmente, a ideia de transformar a série em uma franquia de entretenimento multimidiática parece um pouco ambiciosa demais para um título que só teve um jogo só, mas a direção da série de considerar outros períodos históricos do Japão com novos protagonistas é uma boa maneira de manter as coisas frescas, dar aos jogadores mais motivos para acompanharem as histórias de cada título enquanto oferece, também, um meio de criar mundos tão interativos e visualmente magníficos como o de Ghost of Tsushima.
Obrigado pela leitura!
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