Anos 1980 e a Ascensão da Nintendo
Nos anos 1980, a indústria de videogames passava por uma transformação. Após o crash de 1983, levou a Atari, principal empresa do mercado a perder sua credibilidade, tudo isso devido à saturação do mercado com jogos de baixa qualidade e nessa onda de problemas muitas empresas fecharam as portas. A Nintendo, uma empresa japonesa originalmente fundada em 1889 como fabricante de cartas de baralho, ainda era desconhecida do mercado nos EUA e via nos games uma oportunidade de reinventar-se.

Com o lançamento do Nintendo Entertainment System (NES) em 1985, a companhia não apenas salvou e reviveu o mercado de games, mas também estabeleceu um novo padrão para a indústria. No entanto, antes desse marco histórico, a Nintendo enfrentou uma crise que quase arruinou a empresa: um processo milionário movido pela Universal Studios sobre os direitos autorais de Donkey Kong. Mas atraves da competência de um advogado chamado John J. Kirby Jr., cuja estratégia jurídica não só salvou a empresa, mas também moldou o futuro dos videogames para sempre.
Neste artigo veremos os detalhes históricos, jurídicos e culturais dessa batalha épica, desde a criação de Donkey Kong até o legado de Kirby no universo dos games.

A Criação de Donkey Kong e a Ambição da Nintendo

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Shigeru Miyamoto e a Inspiração por Trás do Jogo
Em 1981, a Nintendo buscava expandir-se no mercado de arcades nos EUA. O presidente da empresa, Hiroshi Yamauchi, encarregou um jovem designer chamado Shigeru Miyamoto de criar um jogo que substituísse Radar Scope, o primeiro título lançado pela empresa nas terras do Tio Sam que não obteve sucesso. Miyamoto nunca havia desenvolvido um jogo antes, então ele se baseou nas suas paixões por quadrinhos, desenhos animados e histórias de aventura.

A história de Donkey Kong foi inspirada em elementos do folclore ocidental e do cinema. O gorila Donkey Kong sequestrava Pauline (originalmente chamada de "Lady"), e o herói, inicialmente batizado de "Jumpman", precisava resgatá-la escalando estruturas e evitando barris. "Jumpman" mais tarde se tornaria "Mario" em uma homenagem Mario Segale, o proprietário do armazém que a Nintendo alugava em Seattle e que as várias máquinas do arcade de Radar Scope (que mais tarde seriam reconfiguradas e virariam Donkey Kong do arcade), ficaram guardadas após seu fracasso.

O Sucesso Imediato e o Início do Conflito
Após o arcade ser lançado, Donkey Kong foi um sucesso instantâneo nos Estados Unidos. Em 1982, o jogo gerou mais de US$ 180 milhões em receita, representando quase metade do faturamento da Nintendo na época. No entanto, o sucesso do jogo chamou a atenção dos executivos da Universal Studios, que notaram semelhanças entre o gorila do jogo e o icônico personagem King Kong do filme de 1933.

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A Universal havia lançado um remake de King Kong em 1976 (estrelado por Jeff Bridges e Jessica Lange), e a empresa dizia direitos exclusivos sobre o personagem. Em junho de 1982, a Universal enviou uma carta à Nintendo exigindo o pagamento de royalties e a interrupção imediata das vendas de Donkey Kong.
A Carta ameaçava processar não apenas a Nintendo, mas também seus parceiros de distribuição, como a Coleco, que planejava lançar uma versão do jogo para consoles domésticos.

A Universal Studios e a Complexa História com King Kong

A Batalha pelos Direitos de King Kong nos Anos 1970
Para entender este processo movido contra a Nintendo, é preciso voltar à década de 1970. A Universal havia entrado em uma disputa judicial com a RKO Pictures, detentora original dos direitos de King Kong. Na época, a Universal argumentou que o filme de 1933 era de domínio público, pois a RKO não renovou os direitos autorais adequadamente. O caso foi resolvido em 1975, com a Universal ganhando o direito de produzir seu remake.

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E guarde essa informação aqui: A Universal ganhou o processo alegando que King Kong era de domínio público. Essa informação seria crucial para a futuro da Nintendo e consequentemente para a história da cultura pop.

A Estratégia Agressiva da Universal
A Universal não processou apenas a Nintendo. A empresa moveu ações contra mais de 60 companhias que usavam a marca "Kong" em produtos, desde brinquedos até refrigerantes. Muitas empresas optaram por acordos extrajudiciais para evitar custos legais. A Nintendo, porém, recusou-se a ceder e decidiu brigar judicialmente pelo caso.


John J. Kirby Jr. O Advogado que Desafiou uma Gigante
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Trajetória Profissional
John James Kirby Jr. nasceu em 1939 em Chicago. Formado pela Northwestern University School of Law, ele construiu uma carreira e se destacou em direito corporativo e propriedade intelectual. Antes do caso da Nintendo, Kirby já havia representado grandes empresas em disputas complexas, incluindo disputas de marcas registradas.Sua abordagem era meticulosa e ele buscava detalhes históricos além de documentos antigos para encontrar brechas no sistema.

O Julgamento: Uma Batalha de Narrativas

Os Argumentos da Universal
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A Universal baseou suas acusações em duas alegações principais:
- Similaridade Visual: Donkey Kong seria uma cópia direta de King Kong, com um gorila gigante, uma mulher em perigo e um protagonista humano.
- Uso Não Autorizado da Marca "Kong": A Universal alegava que o sufixo "Kong" estava intrinsecamente ligado ao seu personagem "King Kong".

A Descoberta dos Documentos Cruciais
Kirby e sua equipe reviraram arquivos jurídicos e encontraram transcrições do caso de 1975 entre Universal e RKO. Nelas, a Universal afirmava categoricamente que o personagem King Kong não era protegido por direitos autorais, sendo de domínio público. Sendo assim, como ela poderia reivindicar direitos sobre ele? Kirby usou essas declarações contra a Universal, argumentando que a empresa estava agindo de má-fé ao processar a Nintendo.
Além disso, ele contratou especialistas em cinema e literatura para provar que a história de um gorila gigante sequestrando uma mulher era um arquétipo universal, presente em mitos africanos e até na obra The Murders in the Rue Morgue, de Edgar Allan Poe (1841).
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A Defesa de Kirby: Domínio Público e Diferenças Criativas

- Domínio Público: Ele apresentou os documentos de 1975, mostrando que a Universal havia admitido que King Kong não tinha dono.
- Diferenças Criativas: Donkey Kong era um gorila cartunesco, não realista como King Kong. A história do jogo focava em humor e desafios de plataforma, não em drama romântico ou terror.
- A Origem do Nome "Kong": Kirby provou que "Kong" era um termo genérico para gorilas, derivado da palavra africana "kongou" (caçador). A Nintendo não usou o nome "King Kong", apenas "Kong".

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O Testemunho de Shigeru Miyamoto
Shigeru Miyamoto foi aos EUA para depor e explicou que Donkey Kong era uma mistura de referências culturais, incluindo A Bela e a Fera e Popeye . O nome "Donkey" (que significa "teimoso" em japonês) foi escolhido para transmitir a personalidade rebelde do gorila.
A Vitória da Nintendo e suas Consequências

A Decisão do Juiz
Em 1984, o juiz Robert Workman Sweet proferiu a sentença a favor da Nintendo. Ele afirmou que a Universal não tinha direitos sobre King Kong e que, mesmo que tivesse, Donkey Kong era suficientemente diferente para não configurar violação. A Universal foi condenada a pagar US$ 1,8 milhão à Nintendo por litigância (acusação) de má-fé.

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Impacto Imediato no Mercado
Agora com a vitória em mãos, à Nintendo tinha confiança que precisava de que não teria mais problemas judiciais e com isso investiu agressivamente no mercado de games dos EUA. Em 1985, o NES foi lançado com seu carro-chefe Super Mario Bros. (uma evolução direta de Donkey Kong), revivendo a indústria de games e mudando para sempre como jogamos e vivemos. A Nintendo estabeleceu um modelo de controle de qualidade, exigindo que terceiros obtivessem licenças para publicar jogos no NES, esse sistema seria uma salvaguarda de domínio da empresa por anos.
O processo de Donkey Kong estabeleceu um precedente para disputas de direitos autorais na indústria de games. Empresas passaram a investir mais em originalidade e consultoria jurídica preventiva.

O Legado de John Kirby e a Homenagem da Nintendo

A Criação do Personagem Kirby
Em 1992, a Nintendo lançou Kirby's Dream Land para Game Boy. O personagem Kirby, um herói redondo e cor-de-rosa capaz de absorver habilidades de inimigos, foi batizado em homenagem ao advogado. Embora a Nintendo nunca tenha confirmado oficialmente a conexão, Shigeru Miyamoto brincou em entrevistas: "É uma bela coincidência, não?"
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A Vida Pós-Caso de Kirby
John Kirby continuou sua carreira como sócio em escritórios de advocacia de prestígio, ele faleceu em outubro de 2019, aos 79 anos, deixando um legado como um dos maiores defensores da inovação criativa no direito.A história de Kirby e a Nintendo é um símbolo da resistência contra a acusações de diretos predatórias de grandes indústrias. Mostrou que mesmo empresas pequenas (como a Nintendo era na época), podem desafiar gigantes com argumentos sólidos e um bom preparo jurídico.

Reflexões sobre Direitos Autorais e Inovação

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O Equilíbrio entre Proteção e Criatividade
O caso Donkey Kong vs. Universal nos mostra a importância de proteger propriedades intelectuais e permitir a liberdade criativa. Se a Universal tivesse vencido, a Nintendo poderia ter sido forçada a pagar royalties milionários, o que poderia acarretar seu fechamento e abandonar posteriormente o lançamento do NES; que vinha com Mario Bros.; que revolucionou a indústria dos games... isso alteraria o curso da cultura dos pop como conhecemos hoje.

Lições para a Indústria de Games Moderna
Hoje, disputas como Fortnite vs. PUBG entre outros, destacam a importância de definir limites claros entre inspiração e plágio. A vitória de Kirby lembra que a inovação muitas vezes depende de defender ideias contra interesses estabelecidos.

Para Saber Mais
Caso tenha interessa em mais detalhes, como entrevistas e bastidores, recomendo as fontes abaixo, ao qual forma fonte para este artigo.
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- Livro: Game Over de David Sheff (1993), que detalha a história da Nintendo.
- Documentário: High Score (Netflix, 2020), com um episódio dedicado aos anos 1980.

Conclusão: Uma Batalha que Moldou o Futuro dos Games
A história de John Kirby e a Nintendo é mais um capítulo fundamental na cultura dos videogames.
Kirby provou que o direito pode ser uma ferramenta tanto para proteger quanto para libertar a imaginação. Seu legado vive não apenas no personagem rosa que engole inimigos, mas em cada jogo que ousa ser original. Em um mundo onde gigantes corporativos frequentemente intimidam e engolem criadores menores, sua história permanece como um farol de luz e esperança e um lembrete de que, às vezes, até um advogado pode ser um herói que muda a história para sempre.
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