Toda vez que levantamos o nome Final Fantasy numa conversa sobre jogos, é provável que alguém faça alguma referência ao sétimo título principal da franquia: eles mencionarão algo sobre Cloud e a sua espada gigantesca, ou como acham que Sephiroth é um dos melhores vilões de todos os tempos, ou vão falar sobre como Final Fantasy VII é o melhor jogo da franquia.
Logo, quando comecei o projeto de escrever sobre jogos e RPGs eletrônicos na Cards Realm, o primeiro título que me veio em mente foi Final Fantasy VII, já que o Remake e as suas sequências permitem uma variedade de teorias e outros conteúdos referentes ao que nos aguarda na segunda parte. Ao invés, optei por começar pelo Final Fantasy IX e sua mensagem sobre o que significa estar vivo, já que foi o título que deu início à minha jornada nesse universo.
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Mas sendo ainda o principal e mais famoso título da série, hoje lhes convido para uma jornada sobre como Final Fantasy VII mudou a indústria dos videogames e trouxe o gênero RPG para os holofotes do mundo, além da mensagem que a sua narrativa nos apresenta. Porém, por conta do seu sucesso, o universo do título se expandiu, com um filme, diversos spin-offs, livros e até um Remake. Portanto, nesse artigo estarei cobrindo apenas o universo de Final Fantasy VII conforme ele se apresenta no jogo-base de PlayStation 1.
O RPG que mudou a indústria dos videogames
Caso você não conheça, Final Fantasy VII foi um RPG eletrônico lançado pela Squaresoft (hoje, Square Enix) em 31 de janeiro de 1997 para PlayStation 1, marcando o fim da era Nintendo e iniciando a jornada da franquia com a Sony — essa é uma história longa e provavelmente tentarei cobri-la em detalhes num artigo separado, mas em um breve resumo, o projeto da Square para esse título era ambicioso demais para o espaço limitado dos cartuchos da Nintendo, levando a empresa a para o novo console da Sony, que usava discos de CD.
Esse é o jogo mais vendido da franquia com mais de 13 milhões de cópias no mundo, e está disponível para PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch, iOS, Android e PC.
Seu enredo conta a história de Cloud Strife, Ex-Soldado da Shinra, uma megacorporação que controla o mundo pelo seu monopólio na entrega de energia elétrica através do processamento de Mako, uma fonte extraída diretamente do centro do Planeta por meio de reatores, tornando da empresa uma espécie de governo predominante e distópico situado na grande metrópole de Midgar.
Contratado como um mercenário pela insurgência eco-terrorista que deseja salvar o planeta Avalanche, Cloud se une ao durão e boca-suja Barret Wallace e a sua amiga de infância, Tifa Lockhart, para bombardear os reatores de Midgar. Mas o plano acaba dando errado e Cloud, ao cair de um dos reatores para dentro de uma igreja, conhece Aerith Gainsborough, uma florista das favelas da qual a Shinra têm um interesse em especial por ser a última sobrevivente de uma raça conhecida como os Anciões, que supostamente poderiam guiar a corporação até a Terra Prometida, uma região abundante de Mako onde pretendem construir sua nova capital.
Momentos depois, Cloud se reúne com a Avalanche, enquanto Aerith é sequestrada por espiões da Shinra conhecidos como os Turks. Os heróis vão até o prédio central da corporação para salvá-la, mas a sua fuga toma um rumo inesperado quando encontram o corpo do Presidente Shinra, empalado com uma katana gigantesca que só poderia ser usada por um herói de guerra dado como morto anos antes do início da trama, Sephiroth — levando Cloud numa jornada pelo mundo perseguindo-o, para acertar as contas do seu passado.
Com gráficos sem precedentes na sua época, uma história envolvente de aproximadamente 40 horas e um investimento pesado em marketing com comerciais de TV e pôsteres em revistas, Final Fantasy VII deixou sua marca na história ao estabelecer-se como uma obra-prima e um exemplo a ser seguido que alavancaria seu nicho de mercado e tornaria do PlayStation a "casa" de alguns dos melhores RPGs de todos os tempos, com um impacto na construção de narrativas e durabilidade de histórias reverberado até nos títulos mais modernos. Ele foi uma aposta ousada da Squaresoft no momento certo e no lugar certo, e a fanbase da franquia provavelmente não seria a mesma se não fosse pela existência desse título.
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O que há em Final Fantasy VII?
Em 2022, podemos facilmente argumentar que Final Fantasy VII é o menos visualmente desenvolvido dos títulos em 3D da franquia, mas sejamos honestos: ele foi o pioneiro da geração PlayStation, estando anos-luz à frente de seus predecessores — mesmo com esses gráficos de "blocos de Lego" nos ambientes fora da tela de combate.
A primeira novidade de Final Fantasy VII, logo quando você aperta o botão de New Game, é a transição entre cutscene e gameplay sem recorrer à tela de loading, apresentando-lhe a ambientação do jogo, dando-lhe uma dica do mundo onde você está, para em seguida lhe passar o controle do protagonista.
Poucos segundos depois, ele te direciona à primeira batalha, demonstrando que os "gráficos de blocos" são apenas um elemento proporcional de navegação. Durante o combate, os personagens ganham visuais melhorados e com proporções mais realistas. Cloud empunha uma espada gigante contra dois militares da Shinra, e pela primeira vez, Final Fantasy tem vários padrões de ângulos de câmera e movimentos dos personagens e monstros.
Para atacar, Cloud corre em direção do inimigo ao invés de apenas andar pra frente e balançar sua arma duas vezes como nos títulos da geração Nintendo, tal como os inimigos correm até ele durante o ataque, diferente da "piscadela" dos jogos anteriores. Cada membro da equipe agora tem uma pose de vitória distinta que o tornava visualmente único, e as novidades não acabaram por aí: a câmera move-se para mostrar o entorno antes do início do combate e dão ênfase a um inimigo quando ele usa um ataque especial, e o impacto visual das mágicas era de tirar o fôlego e fazia cada combate, apesar de demorado, parecer dinâmico e épico, demonstrando que Final Fantasy havia chegado com tudo à geração dos jogos em 3D.
Apesar de todo esse dinamismo visual, aquilo ainda era um RPG, então toda essa ação contava com um grau de estratégia que perpassava principalmente pela seção de equipamentos.
Por um lado, Final Fantasy VII simplifica esse elemento ao reduzir os slots a apenas três: Armas, que aumentam o poder de ataque do personagem e ocasionalmente agregam outros valores, como aumentar o dano caso você tenha um aliado caído. Braceletes são as "armaduras" desse título, aumentando status como defesa física e mágica, evasão e também podem proporcionar outras vantagens, como reduzir o dano de um elemento específico, e um Acessório, usado como um suporte extra para qualquer necessidade — seja com um aumento da sua força com Power Wrist, ou garantindo proteção contra um efeito problemático, como White Cape.
No entanto, onde a camada de complexidade do setup de FFVII realmente se expande começa pelos Slots presentes em suas armas e braceletes. São neles que você equipará as Materias, cristais de Mako que garantem basicamente todas as habilidades de seus personagens — Mágicas, Summons, comandos como Steal ou Throw, e até efeitos adicionais como ampliar o escopo das suas mágicas para todos os aliados/inimigos, aumentar a base do seu HP, ou usar mais de um item por turno estão atrelados diretamente ao sistema de Materia.
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Ele funciona assim: cada arma e bracelete tem Slots, e você equipa Materias nesse slot para ter acesso a mágicas e outras habilidades. Porém, eles tem uma distribuição distinta desses slots, com um número maior ou menor deles, conectando-as entre si, ou separando-as e até mesmo a taxa de crescimento das Materias diferem de um item para o outro. Ou seja, para obter uma progressão eficiente, é necessário considerar não só quais são os melhores equipamentos disponíveis a cada momento, mas também como eles influenciam o setup das suas Materias, já que a maioria das batalhas será resolvida através delas.
O Menu de Materias é bem simples: você tem cinco tipos diferentes representados por cores — Mágica (verde), Summon (vermelho), Comando (Amarelo), Suporte (Azul), Independente (roxo) — e você as distribui entre os slots da maneira que você preferir. Mas o posicionamento delas é de extrema importância por conta das Materias de Suporte, que agrega algum efeito extra com base na mágica ou comando da qual ela está conectada.
Por exemplo, uma All Materia, quando conectada a uma Materia de magia como Restore ou Lightning, lhe permite conjurar Bolt dando alvo em todos os inimigos na tela, ou Cure para restaurar o HP de todos os seus aliados, e há uma infinidade de variantes onde esses efeitos complementares fazem a diferença, principalmente com buffs como Haste ou Barrier.
Porém, a complexidade desse sistema não termina por aqui. Cada Materia altera os status do personagem equipado com ela — por exemplo, Steal aumenta a velocidade, enquanto um Summon mais forte como Bahamut diminui o HP e a força do personagem equipado, mas aumenta seu MP e magia — e para equilibrar as coisas e evitar transformar sua equipe em um repertório de magos, as Materias tem seu próprio sistema de nivelamento baseados na quantia de AP que você recebe em cada batalha, e quando ela ganha um nível, ela se torna mais forte: O level 2 da Lightning Materia permite conjurar Bolt 2, a HP Plus incrementa seu HP total em mais 10% para cada nível ganho, e um Summon só pode ser usado durante uma batalha num número de vezes correspondente ao seu nível atual.
Então, como você pode constatar, há muito planejamento para o combate em Final Fantasy VII, e esse é um dos aspectos mais divertidos do jogo, já que você consegue, durante uma batalha, visualizar o sucesso ou fracasso de cada decisão que você tomou no seu setup!
O combate em FFVII segue o mesmo padrão dos seus antecessores desde Final Fantasy IV e de alguns de seus sucessores com o Active Time Battle — uma proposta mais dinâmica do sistema de turnos onde você acompanha o crescimento de uma barra até poder executar um comando com aquele personagem. Por fins de agilidade, você normalmente gasta esses turnos com mágicas contra os inimigos normais para economizar tempo, já que eles não aparecem na tela de exploração, e a maioria das batalhas surge de forma randomizada enquanto você anda pelas dungeons ou no mapa-múndi, elemento ocasionalmente cansativo considerando as gerações de RPG modernas onde os monstros aparecem nos salões e mapas e você pode decidir se quer enfrentá-los ou não.
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Existe uma faca de dois gumes no fato de cada personagem poder exercer qualquer função na sua Party: por um lado, isso faz com que nenhum deles seja mecanicamente único fora dos seus Limit Breaks — uma espécie de ataque especial disponível quando você toma dano o suficiente para preencher sua barra. Por outro, a ideia de projetar sua equipe do jeito que preferir de maneira a torná-los igualmente eficientes ao invés de cada um exercer uma função específica, como "Cloud ataca, Aerith cura e Barret dá suporte" é muito atrativa.
Ter essa flexibilidade com o sistema de Materia permite construir seus personagens da maneira que você quiser, sem ficar preso a um deles meramente porque um exerce melhor determinada função do que outros personagens. Isso te permite escolher aqueles com quem você melhor se identifica ou gosta do estilo de jogo e Limit Breaks — é o oposto de, por exemplo, precisar revezar constantemente a sua Party como em Final Fantasy X porque cada um deles é melhor contra uma categoria diferente de inimigos, tendo suas vantagens, como fazer com que todos importem em combate, mas também obriga qualquer batalha a levar mais tempo do que deveria.
Mas FFVII não é um título perfeito e sua primeira falha é que o plot principal é pouco desafiador, bastando ter um entendimento básico dos mecanismos do jogo e evitar fugir das batalhas aleatórias para suceder na campanha. Ele não foi projetado para te fazer pensar muito: costuma ser recompensador apenas trocar seu equipamento mais fraco pelo mais forte, e substituir as Materias — especialmente os Summons — mais fracos por mágicas mais eficientes. Não há um drawback ou consequência por seguir essa rota, enquanto tentar sair dessa ideia convencional não traz nenhum benefício.
Isso não é necessariamente ruim: um jogo fazer com que você se sinta recompensado por "jogar naturalmente" é um ótimo jeito de manter uma pessoa engajada na trama do começo ao fim sem a necessidade de escolhas complexas ou confusas demais, e ele também não carece inteiramente de desafios — as Weapons, chefes secretos encontrados nos últimos estágios do jogo, são onde você realmente precisa pensar e esquematizar bem o seu setup e personagens antes de tentar um embate.
No entanto, a pior parte de FFVII é o quão bobo alguns dos seus dispositivos de enredo são porque muitos deles não fazem o menor sentido e foram claramente adicionados apenas para prolongar e mover a história. Coisas como precisar fazer uma competição de agachamentos, participar de uma corrida de Chocobos para sair da prisão, ou a pior de todas: a vez em que um garoto convenientemente lhe dá um snowboard sem motivo algum porque ele se machucou e você pegou um mapa na parede de um bar. É isso, o garoto resolveu dar o Snowboard dele pra um desconhecido porque sim.
Na verdade, acho que o pior momento bobo é quando você precisa escalar uma torre elétrica... saltando de um golfinho. Enfim, o ponto é que apesar de retratar uma trama incrivelmente bem-escrita, o jogo tem vários momentos que lhe colocam em situações sem sentido para mover a história que te desafiam a levar seu enredo a sério.
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Apesar desses pontos e do desenvolvimento fraco de alguns personagens, FFVII é uma experiência sólida que sobrevive bem ao teste do tempo com uma trama envolvendo assuntos tangíveis para a nossa realidade.
Sobre o Jogo
Uma forte narrativa sobre Ambientalismo e o poder de Megacorporações
É comum que jogos abordem temas importantes reais com base em narrativas metafóricas, ou soluções simplificadas para aquele assunto baseadas em tramas hollywoodianas, como "existe um problema, um cara mau está o causando, vamos derrotá-lo e tudo estará resolvido, fim". Esse tipo de história permite apresentar um ponto do nosso mundo real e buscar demonstrar as consequências dele, enquanto aposta numa saída fácil para o seu desfecho, evitando aprofundar-se demais nas causas sistêmicas daquele problema na nossa realidade tangível.
Como exemplo, vamos falar de outro jogo que inicialmente aborda o mesmo tema de FFVII, mas de um jeito sutil e menos expositivo, Final Fantasy V: a sua narrativa recorre a famosa busca pelos cristais para demonstrar um mundo onde eles — fontes de energia atreladas às forças da natureza — são usados por tanto tempo pelas pessoas para tornar de suas vidas mais confortáveis ao ponto de que se despedaçam e libertam um mal poderoso enquanto o mundo sofre gradualmente em sua ausência — é uma metáfora onde o planeta está sofrendo e corre perigo pelas ações humanas.
Final Fantasy VII tem vários temas — ambientalismo, governos distópicos, o sentido da vida, luto e identidade são seus principais. E no que concerne ao meio-ambiente, sua mensagem é transmitida de forma clara através de um mundo construído exclusivamente para abordar e conectar todos os pontos focais da trama.
Nele, o Planeta é uma entidade viva. Todos os seres vivos nascem a partir dele e retornam para ele quando morrem, levam consigo todo o conhecimento e experiências que adquiriram durante sua vida para fazer parte da Lifestream, um aglomerado de energia espiritual que continuará a dar vida para outros seres vivos num eterno ciclo. Ou seja, apesar do corpo perecer e deixar de existir, o espírito retorna a esse fluxo de energia para fazer parte da manifestação que dá origem a outras formas de vida.
A Lifestream é uma interpretação metafórica para conceitos da espiritualidade para perguntas como "Para onde vamos depois que morremos?". Mas, quando o produto que os reatores de Mako condensa e então descarta para produzir a fonte de eletricidade com a qual o mundo inteiro se sustenta e necessita é justamente essa energia espiritual que carrega as almas dos que partiram e dá origem á vida, Final Fantasy VII está dizendo diretamente que ao usarmos os recursos de um planeta indiscriminadamente para o nosso conforto ou lucro, nós estamos matando-o e negando a gerações futuras a dádiva de uma boa vida — Uma mensagem poderosa e contemporânea sobre ambientalismo e os riscos do uso de recursos naturais para a nossa comodidade, lançada em 1997.
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É claro que o contexto da época é bem diferente do nosso: a metáfora apresentada no jogo em relação aos reatores, energia e uma megacorporação armamentista literalmente matando o Planeta em prol do lucro referem-se muito mais ao anseio histórico do Japão sobre a energia nuclear, ao invés de conceitos que conhecemos hoje, como a emissão de gases e o aquecimento global.
Outra maneira como o jogo retrata a questão do desenvolvimento nuclear é ao apresentar como um progresso armamentista fora do controle eventualmente leva à tirania: A Shinra Electric Power Company é uma megacorporação com influência no mundo inteiro baseado no monopólio da principal fonte de energia com a qual ninguém consegue viver sem. Portanto, possui controle irremediado sobre a estrutura social e política do mundo através de propaganda e manipulação da mídia, e conta com uma estrutura bélica avançada para resolver insurgências na base do massacre ou genocídio.
Ou seja, a existência da Shinra em Final Fantasy VII é a materialização de um mundo distópico onde megacorporações se expandem ao ponto de se sobreporem a governos e tomarem o controle do mundo para si, permitindo-se a tomar qualquer decisão em prol de manter a hierarquia social acima do bem-estar coletivo ou da vida dos menos favorecidos, como demonstrado durante a destruição do Setor 7.
Curiosamente, apesar da forma como é retratada e ser diretamente responsável pelos males do mundo, como o aumento de monstros e até a origem de Sephiroth, o jogo não tenta retratar os personagens da sua maior escala hierárquica como os "grandes vilões". Na verdade, a maioria deles são caricaturas estereotipadas de personagens gananciosos de filmes de super-heróis da época.
A trama apresenta Shinra como o maior causador do sofrimento coletivo em seu universo, mas foge da ideia de tentar apresentá-los como o mal que pode ser combatido, apesar dela ser a saída fácil que a história poderia ter: o momento em que Cloud encontra o Presidente Shinra morto poderia ser o desfecho do arco da corporação, já que o foco do protagonista passa a ser Sephiroth.
Mas ao invés disso, com o enredo agora sendo direcionado pela busca pelo vilão quando a party deixa Midgar, Final Fantasy VII passa a mostrar através da expansão do mundo e da viagem de cidade em cidade como a relação das pessoas comuns com a Shinra é uma questão sistêmica cuja solução está além das mãos de um pequeno grupo de heróis — e ao fazer com que os problemas do seu mundo não pareçam simples, o jogo nos ajuda a refletir sobre os problemas da nossa realidade sem apresentar uma saída heroica para eles.
Personagens visualmente icônicos e bem desenvolvidos
Ressalto novamente que o universo desse título foi expandido nos últimos 25 anos com um filme, diversos spin-offs e um Remake, todos colaborando para aprofundar o desenvolvimento de seus personagens. No entanto, estamos avaliando aqui o jogo Final Fantasy VII, e não seu compilado de obras — Logo, alguns dos personagens menos adereçados nessa parte foram possivelmente retrabalhados em algum título posterior.
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O primeiro destaque quando falamos de personagens é o aspecto visual deles em suas artes conceituais, já que não se parecem muito com o que vimos em jogos anteriores da franquia e encaixam-se bem no mundo para onde foram designados: FFVII aposta em fazer os personagens parecerem maneiros para encaixarem-se nessa transição para o mundo 3D, com um cara de cabelo espetado e uma espada gigante, mulheres exercendo funções que vão além da realeza ou do estereótipo de mago e colocando-as no papel de uma lutadora e uma ninja, além de ser o primeiro Final Fantasy a ter na sua party um personagem negro, um "robô" e um animal quadrupede.
Apesar do aspecto visual alavancar suas personalidades, o desenvolvimento de alguns deles é o que os tornam verdadeiramente interessantes, e Cloud é o exemplo primário disso. Quando você é apresentado a ele, vemos um Ex-Soldado portando uma espada gigante que se tornou um mercenário, mas conforme a trama se desenrola, mais você aprende sobre ele: Cloud esteve ao lado de Sephiroth anos antes do começo do jogo quando retornou para sua cidade natal em Nibelheim. Mas após o vilão descobrir a sua origem, de que ele foi geneticamente modificado com as células de uma suposta Anciã chamada Jenova, Sephiroth entra em um estado de megalomania, incendiando a cidade natal de Cloud e matando seus moradores, dado como morto após esse dia.
Com seu reaparecimento, o vilão se torna o alvo primário para Cloud e sua jornada baseia-se em encontrá-lo, e quanto mais próximo ficamos do confronto entre os dois, mais algo parece errado com o protagonista, suas histórias ficam menos coerentes e sua obsessão parece menos natural conforme fica mais claro que há algo oculto na relação entre eles.
A série de eventos que sucedem a partir da busca pelo antagonista levam o jogador a se questionar sobre quem Cloud realmente é quando nem o próprio sabe como responder essa pergunta. Com todas as verdades que nos são contadas sobre ele se tornando questionáveis, deixando-nos no escuro e nos colocando no papel de um narrador não-confiável onde não temos controle absoluto de suas ações, foi uma das ideias mais engenhosas de Final Fantasy VII — e acoplado com um excelente desenvolvimento de personagem, tornam de Cloud um dos melhores protagonistas da franquia.
E a parte mais interessante é que, apesar de ser a parte mais ativa da história. Cloud não é uma das forças que a move e muito menos o melhor personagem do jogo.
A melhor personagem do jogo e a principal força que move seu enredo é a Aerith. Tudo acaba por girar em torno dela e de Sephiroth, mesmo quando é Cloud quem você controla e diz ao grupo para onde ir. E para representar sua importância, ela é a primeira imagem que você vê no jogo, e a última antes dos créditos finais — Aerith é o principal meio que liga o começo, o fim e tudo o que há no meio de Final Fantasy VII.
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Diferente de como Cloud nos leva a questionar sua identidade, Aerith nos mostra desde o seu primeiro diálogo quem ela é: apesar do seu papel de "healer" da equipe, ela foge desse famoso estereótipo ao, apesar de ser gentil, ter uma personalidade objetiva, honesta e onde frequentemente fala as coisas como ela as enxerga sem nenhum receio de como os outros vão reagir, e esse jeito sincero, mas cuidadoso, faz com que ela se conecte com os demais personagens e desenvolva vínculos com eles.
A forma como ela foi propositalmente desenhada e desenvolvida faz com que não apenas seus demais companheiros de equipe, mas também o próprio jogador se conecte e se importe com a existência dela — tornando da sua ausência ainda mais impactante para os temas principais abordados pelo jogo, como discutiremos mais abaixo.
Tifa é quem acaba pegando o papel de personagem emocionalmente apegada do protagonista, mas não ao ponto de que esse é seu único traço de personalidade ou como se a sua existência na trama dependesse exclusivamente de Cloud. Tal como seu papel de "lutadora" no grupo indica, Tifa é uma personagem forte e consegue lidar com uma variedade de situações por conta própria.
No entanto, a relação entre ela e Cloud não se trata de uma conexão romântica padrão dos anos 90 — na verdade, pelo menos on-screen, eles nunca se tornam romanticamente íntimos — e há uma lógica racional em seu apego: Tifa também nasceu e viveu em Nibelheim, estava presente durante a tragédia ocasionada por Sephiroth, perdeu o resto da sua família e, até onde o jogo nos conta, ela nunca estabeleceu novos vínculos.
Portanto, ela enxerga em seu conhecido de infância um resquício do que ela perdeu em Nibelheim — Cloud é, para Tifa, o vestígio do único lar que ela já teve, e seu desenvolvimento gira em torno do seu medo de perder esse pequeno resquício das suas boas memórias, enquanto busca indicar que há algo de errado com ele e com as histórias que ele conta, tornando-a um recurso importante do jogador na busca pela identidade do protagonista.
Barret, o primeiro personagem negro de Final Fantasy, acaba caindo em um papel misto e conflitoso: por um lado, ele é estereotipado demais como um homem agressivo, boca-suja e com ideais radicais. Afinal, ele é o líder de um grupo ecoterrorista que decidiu explodir um reator para desativá-lo logo no começo do jogo. Ele é também um homem afetuoso que se importa verdadeiramente com seus companheiros de equipe e principalmente com sua filha, Marlene.
Ou seja, Barret é o típico caso do "cara durão com um coração mole" — mas ele também retrata uma pessoa tentando lidar e superar o trauma de perder seu lar pela tirania de uma megacorporação e recorrer a medidas radicais para isso que, no final das contas, terminam por ocasionar na morte de seus companheiros da Avalanche e a destruição do Setor 7 — aumentando mais o peso da sua culpa e o desafio de superar o luto.
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Quanto aos demais, a verdade é que a execução de suas questões pessoais são péssimas: O dilema de Yuffie, por exemplo, aborda temas importantes como colonialismo, mas a maneira como o jogo trabalha isso é tão ruim que a única impressão que fica sobre ela é de ser uma ladra de Materias que está no grupo meramente por interesse.
Vincent fala sobre conviver com a culpa de um erro que foi incapaz de evitar ao ponto de viver em penitência constante, mas carece de profundidade. Cait Sith deveria retratar dilemas como traição e reavaliação de valores, mas acaba sendo só um boneco irritante, e o arco de Red XIII dura tão pouco tempo que não abre espaço algum para que ele cresça na história.
Mas Cid é, de longe, a pior execução de um personagem na era PlayStation de Final Fantasy: ele deveria retratar um homem rabugento que teve seus sonhos destruídos pela Shinra porque seus projetos não eram lucrativos o suficiente, e passa o resto da vida remoendo essa decisão ao revisitar o foguete que o levaria para o espaço diariamente. Ao invés disso, Cid canaliza sua frustração em sua "companheira", Shera, e tudo o que enxergamos a partir disso é uma relação abusiva que, apesar de não ser alvo de debates em 1997, definitivamente não é aceitável nos padrões sociais de 2022.
Não é que Cid careça de desenvolvimento: ele demonstra qualidades exemplares como líder no comando da Highwind, mas qualquer ponto positivo existente no personagem é ofuscado pelo jeito abusivo que ele age com Shera quando somos apresentados a ele.
Sephiroth — O vilão mais icônico de toda a franquia
Se você perguntar a alguém o nome de um vilão de Final Fantasy, provavelmente o primeiro que passará pela cabeça dessa pessoa é o de Sephiroth.
O antagonista difere de seus antecessores e abriu um novo patamar de como o vilão de um videogame e de outras mídias poderia se parecer e agir. Sua influência esteve presente por décadas e permanece até hoje no imaginário popular.
Um padrão recorrente na primeira geração de Final Fantasy eram que seus vilões pareciam maus — eles usavam armaduras pesadas, comumente tinham apenas uma forma humanoide sem serem humanos e/ou tinham traços de personalidade que gritavam "ei, esse é o cara mau", como a risada maníaca de Kefka Pallazo em FFVI.
Sephiroth foge dessa recorrência na série: seu visual remete à sua fama anterior de um herói de guerra — cabelos prateados e longos, vestindo trajes pretos com acessórios prateados, brandando uma katana que apenas ele sabe como manusear — e o fato do jogador passar a história perseguindo-o ao invés dele apenas cometer maldades enquanto se esconde em seu castelo impenetrável, ou enquanto marcha em busca de dominação mundial com seu exército, acabam tornando-o muito mais ameaçador em suas aparições.
A sequência do flashback é um ótimo dispositivo para lhe dar uma ideia do quão poderoso ele é em comparação à sua equipe naquele momento: essa é a primeira vez em que o jogador vê Sephiroth e como ele se parece, e não há jeito melhor de entender sua imponência do que o colocando ativamente na sua party, controlada pela IA, usando magias do nível mais alto para eliminar em um único turno inimigos do qual Cloud não consegue nem sequer sobreviver a um ataque é uma aplicação perfeita de demonstração visual.
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A famosa cutscene em que ele se vira de costas e desaparece entre as chamas de uma Nibelheim incendiada é uma imagem que fica gravada na mente do jogador e, somada à baixa frequência de diálogos diretos com Sephiroth durante a trama — evitando assim a superexposição que o tornaria psicologicamente menos perigoso para cada vez que ele aparecesse na tela sem que nada importante acontecesse — e sempre acompanhada de sua temerosa música-tema formam uma imagem mental imponente do antagonista para o jogador.
Outro ponto marcante do vilão é como ele é cercado por mistérios: Como ele sobreviveu? O que ele planeja? Para onde ele está indo? Qual é a verdadeira relação entre ele e Cloud? A sua mera existência levanta muitas dúvidas ao jogador e aos demais personagens, e suas intenções não são claras até um ponto mais avançado do jogo porque ele não está ativamente fazendo atrocidades, e sim seguindo sua própria agenda silenciosamente.
Tudo isso, acoplado ao fato dele protagonizar uma das cenas mais marcantes da história dos videogames, tornam de Sephiroth uma figura comum no imaginário popular e um vilão memorável da franquia.
Aerith e os Cinco Estágios do Luto
O objetivo na escrita de artigos como esse são de trazer um conteúdo interessante tanto para os fãs da franquia e do jogo quanto para quem nunca ouviu falar dele ou nunca de fato o jogou. Por isso, há um cuidado em não revelar detalhes demais sobre o plot e abordar os principais temas numa perspectiva voltada para o que a obra quer transmitir ao jogador.
Uma das mensagens que Final Fantasy VII busca transmitir se refere à vida e o que acontece nela enquanto existimos e quando partimos. Sua história e mundo são designados para construir uma mensagem sobre a vida num conceito lógico, abstrato e coletivo, buscando dar uma resposta confortante sobre o que há além da existência material com a sua própria interpretação de tópicos do âmbito espiritual, como alma ou reencarnação — É impossível não abordar essa questão no artigo, e não há uma maneira de explicar a profundidade dele sem mencionar a parte mais importante de Final Fantasy VII, então me vejo no dever de avisar que o texto a partir deste momento entra no que pode ser considerado a zona de spoilers.
Zona de Spoilers
Como sabemos, a morte é uma parte natural daquilo que chamamos de vida. A única certeza que temos é a de que nascemos, existimos e eventualmente deixaremos este mundo — e trabalhar dar significância à morte é um elemento comum nos fins artísticos desde os primórdios do teatro, passando pelo cinema e, é claro, pelo mundo dos videogames.
No entanto, num universo como os RPGs dos anos 90, onde as histórias se baseavam em jornadas do herói, narrativas que se distinguiam dessas ainda estavam sendo exploradas, falar sobre a morte de uma forma não-convencional era complicado, para dizer o mínimo. E até mesmo em muitos jogos da atualidade, retratar o momento onde um personagem importante deixa de existir é uma tarefa árdua e frequentemente cai em clichês, ou carecem de impacto emocional o suficiente para você se importar — até alguns títulos mais recentes de franquia sofrem em retratar a perda de um ente querido, vide a reação de Noctis à morte de seu pai, Regis, no começo de Final Fantasy XV
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Normalmente, o falecimento de um personagem se devia ao sacrifício para salvar seus amigos, ou era muito telegrafado antes de realmente acontecer através de um diálogo, e tinha consequências mínimas na experiência do jogo, sendo até irrelevante quando ocorria com um personagem de equipe temporário — jogos anteriores como Final Fantasy IV e Final Fantasy V faziam o personagem voltar depois, ou tornavam da sua partida pouco relevante tanto em termos técnicos quanto em narrativos ao imediatamente substituí-lo por outro com as mesmas características e habilidades. Até Chrono Trigger, aclamado como o melhor RPG de todos os tempos e que teve a ousadia de matar o protagonista da trama, reduz as consequências disso ao lhe dar uma quest opcional que te permite trazê-lo de volta.
FFVII aborda recorrentemente o luto, se não literal, metafórico: Cloud, Tifa, Barret, Vincent e outros têm um passado envolvendo perdas e como elas definiram quem eles se tornaram e quais são os seus objetivos. O jogo trata esse tema como uma questão permanente e marcante na vida dos indivíduos. Por isso, ao tornar da morte um ato irreversível, mecanicamente punitivo e emocionalmente impactante, FFVII expandiu os limites de como um videogame poderia ir ao retratar os estágios do luto.
Como mencionei acima, Aerith é a melhor personagem da história por ser uma das engrenagens que a movem, pela sua personalidade e conexão que ela estabelece com os demais, e foi meticulosamente desenhada para fazer com que você se importe com a existência dela.
As decisões interativas que você toma com Cloud afetam diretamente os outros e muitos desses diálogos acontecem na presença de Aerith. Se você segue o ciclo natural das coisas, é com ela que você tem a cutscene de Gold Saucer, e os Limit Breaks além da sua afinidade com magia a tornam um recurso importante e majoritariamente insubstituível. Por isso, sua morte é o momento mais despedaçador da trama, e sua execução é incrivelmente orquestrada.
A maioria das mortes em RPGs até esse ponto eram anunciadas através de um ato, diálogo ou até uma despedida antes do momento fatídico e lhe davam um sentimento de previsibilidade ou lhe preparavam para aquele momento. Mas FFVII nunca lhe diz intrinsecamente "essa personagem vai morrer", e Aerith nem sequer uma vez dá indícios de que irá dar sua vida por algo. Portanto, quando sua morte apenas acontece, ele consegue retratar o choque e o sofrimento do luto da forma mais realista possível para a época.
Na vida real, quando perdemos alguém, normalmente nós apenas recebemos a notícia de que essa pessoa se foi, e aquilo nos devasta como uma onda de choque que reverbera no nosso corpo por vários dias, meses ou até anos. Nós não costumamos ter tempo para nos despedir, para nos desculparmos por vezes que as magoamos, ou para aproveitar um último momento juntos. Ela se foi, para sempre.
Aqui, a morte é nada mais do que essa coisa sem propósito e normalmente sem aviso que toma de nós as pessoas que amamos, e tudo o que nos resta naquele espaço de tempo em que recebemos a notícia e absorvemos sua informação é um expansivo sentimento de desolação enquanto nossas mentes e corações tentam processar os fatos.
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Final Fantasy VII retrata esse momento não apenas por tomar Aerith do jogador repentinamente, mas pela execução de uma sequência que dura em torno de 10 minutos: enquanto sua música-tema toca agora com um teor mais melancólico, Cloud segura o seu corpo após o golpe fatal de Sephiroth, e suas primeiras palavras são:
“Isso não pode ser real. Aerith se foi. Ela não vai mais falar, não vai mais rir, chorar, ou ficar com raiva. E quanto a nós? O que NÓS devemos fazer? Meus dedos estão formigando, minha boca está seca, meus olhos estão queimando!”
- Cloud Strife
Se já perdeu alguém importante em algum momento, você provavelmente compreende o quão relacionável as palavras de Cloud nesse momento são — elas descrevem o exato momento do choque de saber que aquela pessoa não está mais presente nesse mundo — e assim como no mundo real, onde muitas vezes não temos o tempo necessário de processar tudo e precisamos continuar com nossas vidas, o jogo inicia uma batalha contra um chefe enquanto o tema de Aerith ainda toca, relembrando-nos do que acabou de acontecer enquanto você, talvez refletindo sua raiva e angústia nos ataques de Cloud, ainda tenha a esperança de que, após derrotar Jenova, ela será salva, ou de que aquilo não era real e que no final tudo ficará bem. O jogo, nesse momento, está brincando com a nossa percepção dos três primeiros estágios do luto: negação, raiva e barganha.
Porém, é quando a batalha termina que você — através da sua party — percebe que Aerith realmente se foi para sempre, com cada um deles lamentando à sua maneira: a reação de Cid de olhar para o céu, Red XIII uivando por ela como fez pelo seu pai, Barret olhando para o chão como se sentisse raiva e frustração de perder mais uma pessoa, a reação natural de uma adolescente como Yuffie de explodir em lágrimas e até a dança estranha que Cait Sith faz na tentativa inútil de animar as coisas apenas para perceber não haver um jeito de tornar daquele momento menos pior demonstram a dor deles diante de tamanha calamidade, e adicionam um grande impacto emocional ao momento.
No final, assim como familiares e amigos carregam os caixões de seus entes queridos, cabe a Cloud carregar o corpo de Aerith e levá-la até o lago, onde a vemos afundar e desaparecer nas profundezas — e esse, tal como quando enterramos alguém, é o último contato do jogador com Aerith.
Por retratar um momento de perda e luto de um jeito tão real e detalhado apesar das limitações gráficas e sem tentar atribuir tamanha tragédia como um ato de sacrifício ou heroísmo, a morte de Aerith se tornou uma das cenas mais famosas do universo dos videogames até hoje.
E quando a próxima sequência se inicia, Final Fantasy VII já não é mais o mesmo. Você sente que falta algo, sente que tudo ao redor mudou e está envolto de um sentimento amargo e a trama toma um rumo mais sombrio, levando-nos ao estágio da depressão.
Mas nem tudo é sobre desgraça e melancolia
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Afinal, Final Fantasy VII é projetado para dar significado à morte e para o que acontece após ela e executa esse conceito através da ideia de que tudo volta ao Planeta como um coletivo de almas que sustenta a origem da vida. E toma cuidado para não transformar esse conceito num tipo de "pós-vida" em que o espírito de Aerith se comunica diretamente com Cloud e os outros, porque isso removeria a importância da mensagem que a história tenta transmitir em relação ao luto.
Ao invés disso, o jogo nos guia para o quinto e último estágio — a aceitação — e o faz demonstrando que, apesar dela não estar mais presente, o que ela buscou fazer para salvar o Planeta ainda importa. Aerith continua movendo a história mesmo não fazendo mais parte tangível dela.
Há uma abordagem intrigante desse último estágio aqui: o jogo não tenta simplificar o luto em termos como "os atos daqueles que partiram e as memórias que eles deixaram são o que importam". Pelo contrário, não há praticamente nenhum momento de Flashback com Aerith justamente para evitar que sua mensagem de que a aceitação no luto passa por "deixar partir" fosse má-interpretada.
A última parte de Final Fantasy VII trata-se justamente de terminar o que Aerith começou para, assim, deixá-la descansar em paz. Mesmo que aplicado de forma metafórica e fantástica — afinal é uma obra fictícia de sci-fi — o último passo da jornada retrata, num mundo onde muitos dos que nos são apresentados são assombrados por questões mal-resolvidas em relação aos que já se foram, a necessidade de não se prender às memórias e viver nas sombras da sua perda para alcançar o estágio da aceitação e, assim, conseguir seguir em frente e pavimentar o seu próprio caminho apesar dos que já se foram.
Ao ajudar Aerith a juntar-se à Lifestream, e salvando o planeta no processo, Final Fantasy VII encerra uma longa, detalhada e poderosa narrativa sobre a vida enquanto conceito coletivo, e pavimenta o caminho que permitirá à Cloud, Tifa, Barret, Red XIII e outros encontrarem a paz de espírito com relação às suas perdas, libertando-se das amarras criadas pelas suas memórias e culpas.
A libertação do luto é um tema recorrente nos lançamentos subsequentes do Compilado de Final Fantasy VII: Advent Children e Dirge of Cerberus também trabalham com a ideia de abdicar dos fantasmas do seu passado, e não me surpreenderá se o futuro Final Fantasy VII — Rebirth trazer essas questões como ponto central de seu universo retrabalhado.
Conclusão
Chegamos ao fim desse artigo.
Honestamente, ele levou bem mais tempo e ficou mais longo do que eu inicialmente esperava, mas é impossível falar de Final Fantasy VII e da sua importância narrativa sem abordar tantos temas de um mundo rico em informação e que moldou uma geração inteira de jogos e trouxe para muitos alguns das melhores lembranças de suas infâncias e despertou em tantas pessoas a paixão pelo gênero de RPG.
Recomendo a leitura da matéria da Polygon, Final Fantasy VII: An Oral Story, publicada em 2017 e que serviu como referência para alguns dos tópicos abordados aqui.
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Pretendo me aprofundar no universo retrabalhado de FFVII em um futuro próximo, começando pelo Remake e sua DLC, Intermission. E a partir desse ponto, poderemos abordar teorias e expectativas para o FFVII: Rebirth, planejado para sair no último trimestre de 2023.
Obrigado pela leitura!
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