Desde os primórdios dos jogos 3D, designers de níveis enfrentaram o desafio de como comunicar ao jogador onde ele pode, deve ou não deve ir em um ambiente tridimensional. Nos jogos 2D mais antigos, por mais que houvessem rotas ou no metroidvania mais complexo, os jogadores iam para esquerda ou direita. Claro, ainda havia os que iam para cima ou para baixo, mas mesmo nesses, as bordas dos cenários ou elementos interativos geralmente eram óbvios devido à limitação do espaço bidimensional.

Mas, com a transição para mundos tridimensionais, surgiu a necessidade de guiar o jogador de maneira mais sutil e intuitiva. Quer dizer, você conhece alguns desses guias, não é? Por exemplo, se você vê um barril ou qualquer tipo de contêiner pintado de vermelho, você sabe oque tem que fazer, não é?
E se você vê uma beirada pintada de amarelo? Você sabe que ali você consegue escalar! Mas, por que o amarelo? E por que tem jogadores que não gostam dele? É sobre essa tinta amarela em jogos que vamos falar e, se você tiver dúvidas, deixe um comentário.
Qual a Origem do Amarelo em Jogos?
Embora a tinta amarela possa parecer uma inovação recente, suas raízes remontam a convenções de jogos anteriores. Jogos como Tomb Raider (1996) e Prince of Persia: The Sands of Time (2003) possuíam elementos escaláveis, mas muitas vezes os jogadores precisavam aprender por tentativa e erro, pois os desenvolvedores ainda não utilizavam marcações visuais consistentes. Algumas bordas eram mais texturizadas ou tinham detalhes para sugerir escalabilidade, mas nem sempre eram fáceis de perceber.
Foi a partir da popularização dos jogos de plataforma e ação em terceira pessoa, especialmente aqueles com parkour e exploração vertical, que os desenvolvedores começaram a adotar cores chamativas para guiar os jogadores. Títulos clássicos como o Final Fantasy VII original empregavam auxílios de navegação semelhantes, embora em formas diferentes, como triângulos coloridos.
O amarelo acabou se tornando uma escolha natural para isso. Uma cor vibrante, chamativa, que contrasta bem contra diversos fundos, especialmente os tons mais usados para cenários urbanos, florestas ou industriais, como cinza, azul e verde. Quer dizer, imagina tentar ver uma mancha de tinta azul em um cenário espacial?
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Além disso, o amarelo tem um significado psicológico associado à atenção e ao alerta, como placas de trânsito, o que era ideal para indicar que o jogador poderia interagir ali sem precisar de explicações ou tutoriais.

Quando a DICE lançou Mirror’s Edge (2008), o conceito de guiar o jogador por meio de cores atingiu um novo nível. O jogo apresentava um sistema chamado Runner’s Vision, que destacava em vermelho os objetos com os quais a protagonista Faith podia interagir diretamente (como canos para se pendurar ou portas para atravessar). No entanto, o amarelo foi usado de forma passiva para indicar caminhos por onde ela poderia escalar, pontos de apoio e locais onde você devia saltar.
O sucesso de Mirror’s Edge influenciou muitos outros jogos, estabelecendo um padrão de design que hoje é utilizado por praticamente toda a indústria. E essa continuidade destaca os esforços contínuos da indústria para simplificar as experiências dos jogadores e garantir uma progressão suave nas narrativas dos jogos, ressaltando a natureza evolutiva do design de jogos.
A Consolidação do Amarelo em Jogos de Ação e Aventura
Embora seja difícil apontar exatamente qual foi o primeiro jogo a utilizar o amarelo para indicar pontos de escalada, títulos como "Mirror's Edge" e "Uncharted" foram fundamentais na popularização dessa técnica de design. Eles estabeleceram um padrão visual que influenciou muitos jogos subsequentes, aprimorando a experiência do jogador por meio de orientações visuais intuitivas. Após Mirror’s Edge, diversos jogos começaram a utilizar o amarelo para guiar os jogadores de forma sutil. Alguns exemplos incluem:
• Uncharted 2: Among Thieves (2009) e os outros jogos da série Uncharted implementaram bordas amarelas e superfícies desgastadas para indicar áreas escaláveis. Ao controlar o protagonista, Nathan Drake, nos sempre interagimos com saliências e vigas pintadas de amarelo, facilitando a navegação sem precisar de tutoriais.
• O reboot de Tomb Raider (2013) e suas sequências usaram o mesmo princípio, marcando plataformas e superfícies escaláveis com amarelo. Além disso, a franquia utilizou um sistema parecido com a Runner’s Vision de Mirror’s Edge, onde o jogador pode ativar um instinto de sobrevivência que destaca áreas importantes.
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• Dying Light (2015), um jogo de parkour e zumbis, usa o amarelo para indicar caminhos viáveis no ambiente, ajudando o jogador a encontrar rotas de fuga rapidamente.
• A série Horizon Zero (2017) também destaca locais escaláveis com tinta amarela, bem como portas e caminhos do mundo tecnológico e selvagem da protagonista Alloy com luzes verdes para destacar caminhos ou portas que devem ser seguidas.
• The Last of Us (2013) também usa muitas marcações em amarelo para indicar o caminho, objetos interativos, escadas ou caminhos por onde o jogador deve ir.
Nos jogos modernos, essa técnica é cada vez mais refinada. Em Cyberpunk 2077 (2020), por exemplo, portas destraváveis e elementos interativos muitas vezes têm detalhes amarelos. Em God of War: Ragnarok (2022), o jogo segue o padrão de Uncharted, marcando pontos escaláveis com arranhões e tinta amarela, ajudando o jogador a entender intuitivamente o que pode ser usado na travessia.
O Problema da Tinta Amarela
Não dá para saber exatamente quando o debate sobre a tinta amarela em jogos começou, mas podemos apontar 11 de março de 2023, quando o usuário do Twitter FPSthetics começou um pequeno debate depois que tuitou quatro imagens do remake de Resident Evil 4 com a legenda “isso precisa acabar”, recebendo mais de 16,6 milhões de visualizações, 15.000 curtidas e 2.000 respostas em sete meses. Apesar desse burburinho, o debate não foi muito a frente do que isso.

A conversa ressurgiu na web em 2 de outubro de 2023, o usuário feydemon postou uma fotografia de uma escada salpicada de tinta amarela no mesmo game de 2023. O usuário escreveu: “a tinta amarela é tão desnecessária, obviamente uma escada é escalável, obviamente uma caixa é quebrável, por que eles fizeram isso?”, questionando a necessidade de destacar objetos interativos óbvios em games. A postagem recebeu mais de 2.900 repostagens e citações e 3.700 curtidas em quatro dias.
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À primeira vista, o objetivo da tinta amarela parece simples: guiar os jogadores pelos ambientes do jogo, destacando elementos interativos, como saliências escaláveis e caminhos de travessia. No entanto, sua presença aberta gerou debates sobre seu impacto na imersão do jogador e na dinâmica do jogo. Enquanto alguns argumentam que simplifica a navegação e melhora a acessibilidade, outros afirmam que prejudica as qualidades imersivas dos mundos virtuais, interrompendo a integração perfeita de jogabilidade e narrativa.
Mas, antes de se aprofundar no debate, é importante falar sobre algumas ideias erradas comuns em torno da tinta amarela. Ao contrário do que o “pro gamer hardcore ‘euodeiocasuais’” acha esse recurso não é apenas a preguiça dos Devs ou do design de jogos. Em vez disso, serve a um propósito importante para promover a inclusão de jogadores com diversos níveis de habilidades (algo que eles detestam, afinal, acham que games deveriam ser restritos a uma “elite de gamers” da qual eles supostamente fazem parte e estão no topo).
Em uma era em que a inclusão é cada vez mais priorizada, esse recurso serve como uma ferramenta valiosa para indivíduos com deficiência visual (como o daltonismo) ou cognitiva. Ao dar dicas de navegação clara, a tinta amarela reduz a frustração e aprimora a experiência geral de jogo para jogadores de todas as habilidades (e por consequência, vendem mais).
Contudo, para realmente entender o real significado da tinta amarela, devemos encarar a realidade preocupante do comportamento do jogador e do público: A falta de atenção! Fala sério: você consegue ver um filme completo de duas horas sem pegar no celular nem uma vez?
Com as taxas de diminuição a ponto de empresas, como a Netflix, começarem a fazer filmes para serem vistos como ‘segunda tela, os desenvolvedores têm que fazer o possível para manter os jogadores interessados nos seus jogos. Nesse contexto, a tinta amarela surge como uma ferramenta estratégica para manter o interesse do jogador e diminuir o abandono precoce, o que faz com que seja necessária uma adaptação às preferências e comportamentos dos jogadores casuais.
Existem também aqueles que argumentam que a tinta amarela atrapalha na imersão e na estética dos jogos. Para jogadores que apreciam a exploração e a descoberta por conta própria, indicações explícitas de onde ir ou o que fazer podem tornar a experiência menos recompensadora. Eles argumentam que parte da diversão está em explorar o ambiente e descobrir caminhos ou soluções sem “serem levados pela mãozinha”.
Há também a preocupação de que o uso constante de marcações visuais possa levar a uma dependência excessiva desses indicadores. Isso pode resultar em jogadores prestando menos atenção a outros elementos do design do jogo, como pistas ambientais sutis ou narrativas visuais, que poderiam fornecer informações valiosas sem a necessidade de marcações explícitas.
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Inclusão vs Desafio: Como Equilibrar esses Elementos?
À medida que as discussões em torno da tinta amarela continuam a evoluir, é crucial que desenvolvedores e jogadores busquem um terreno comum. Embora as divergências sejam inevitáveis, promover um diálogo construtivo pode levar a soluções inovadoras que atendam a diversas preferências de jogo.
Muita gente pode achar ruim o fato de todo o cenário ter longas linhas amarelas guiando o jogador para onde ele deve ir, mas é um fato que isso facilita muito as pessoas com diversos tipos de necessidades e dificuldades. Ficar perdido no cenário, sem saber aonde ir, é realmente frustrante para os jogadores. Outro ponto relevante está em torno da inclusão.

Muitos jogadores não querem nem ouvir essa palavra, sob a alegação de “lacração” ou “cultura woke”, e associam automaticamente a inclusão a algo negativo. Querem que os jogos sejam restritos à pequena elite de “hardcores” que não precisam de ninguém ajudando ou guiando por acharem que são “superiores” aos outros.
Esse argumento apenas mostra uma arrogância e uma falta de outros interesses, hobbies ou vida social. Uma pessoa com um emprego real não tem tempo para ficar “se desafiando” a descobrir onde ir sozinho em um caminho escuro e obstruído. Quer apenas jogar para se divertir e relaxar após um dia de trabalho.
Alguns desenvolvedores têm explorado alternativas para guiar os jogadores sem comprometer a imersão ou o desafio. Isso inclui o uso de iluminação estratégica, diferenças sutis na textura ou cor dos materiais, e a disposição cuidadosa dos elementos do ambiente para direcionar a atenção do jogador de forma mais orgânica. Essas técnicas buscam equilibrar a necessidade de orientação com a manutenção de uma experiência envolvente e desafiadora.
Seja por meio de implementação refinada de detalhes sutis ou abordagens de design alternativas, o objetivo permanece o mesmo: criar experiências de jogo enriquecedoras que envolvam os jogadores de todos os tipos, seja o hardcore ou o casual. No fim, o debate em torno da tinta amarela em jogos mostra a complexa interação entre acessibilidade, design e envolvimento do jogador.
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As opiniões podem variar, mas é importante reconhecer a relevância dessa questão e as diversas perspectivas dela. Ao abraçar a inclusão e se adaptar às crescentes necessidades dos jogadores, a indústria de jogos pode continuar a ultrapassar limites e oferecer experiências que envolvam o público de todo o mundo.
E você, o que acha da tinta amarela nos jogos? Mais atrapalha do que ajuda? Fale conosco nos comentários e vamos falar sobre o assunto!
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