Repúdio
1. ato ou efeito de repudiar.
2. ato de repelir; não aceitação, rejeição.
Houve uma época onde notas de repúdio costumavam gerar alguma repercussão. Afinal, elas basicamente significam que uma determinada organização não aceita ou rejeita uma determinada atitude, ou decisão, vinda de outra esfera política, econômica ou social.
Porém, os tempos mudaram. Na verdade, chegamos a uma era de anormalidades e notas de repúdio perderam qualquer valor que um dia já tiveram, basicamente tornando-se meras cartas pomposas e formais que nada sinalizam além de um misto de desgosto ou revolta de uma parte da sociedade — tornou-se um mero impacto visual de baixo potencial prático, já que elas não impedem o absurdo de acontecer e muito menos evitam que pessoas cometam atrocidades. Elas não impedem que autoridades, por exemplo, adotem uma postura negacionista perante uma pandemia global.
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É baseado nessa árdua realidade distópica que nasce a revolta satírica representada em Punhos de Repúdio.
Canalizando sua raiva de um jeito criativo
Punhos de Repúdio é um jogo no estilo Beat 'em Up em 2D inspirado nos clássicos jogos de fliperama dos anos 90, onde até quatro jogadores podem se juntar para resolver o problema do negacionismo de uma pandemia fictícia na base da pancadaria, e está disponível na Steam e no Itch.io por R$ 16,90 e com requerimentos relativamente simples: 6 GB de memória RAM, 4GB de espaço em disco e uma GPU dedicada.
Produzido pela Braindead Broccoli, o jogo foi criado através de um financiamento coletivo feito entre abril e maio de 2021, que arrecadou mais de R$ 53.000, garantindo todas as metas estabelecidas pelo projeto, que promete lançar o jogo também nas plataformas PlayStation 4, Mac, Xbox One e Nintendo Switch.
Quatro personagens com jogabilidades distintas
O jogo conta a história de uma cidade assolada por um vírus mortal que levou todos os cidadãos até o isolamento social. Mas, por conta da desinformação de um grupo fanatizado, muitos começaram a ignorar os perigos e até mesmo sabotar as medidas de proteção em prol do lucro e propagando a mentira de uma falsa cura.
Cansadas de lidar com a ignorância cultuada em massa e o desrespeito com a vida alheia, quatro jovens adultas se unem para combater o negacionismo — com seus próprios punhos.
Com Multiplayer local de até quatro jogadores, cada um pode escolher uma dentre quatro personagens disponíveis: Laura, Nina, Olga e Lola — cada uma com habilidades e estilos de jogabilidade distintos que permite ao jogador decidir como prefere aproveitar o jogo e adiciona uma camada extra de reaproveitamento num modo single player.
Laura é a personagem com os atributos mais equilibrados e não se especializa em nenhum deles, tornando-a a opção mais "segura" para novos jogadores, enquanto Nina tem mais alcance com seu companheiro robô, mas seus ataques não causam tanto dano.
Olga é a mais rápida dentre as quatro personagens e cadencia melhor os seus ataques, mas também carece um pouco de dano e de alcance, forçando muitas vezes um combate mais próximo dos inimigos do que você gostaria. Já Lola, como o próprio seu próprio traço físico demonstra, é totalmente voltada para força bruta em troca de velocidade, se tornando a mais lenta da equipe, mas a que causa mais dano dentre as quatro.
Se isso não fosse o suficiente, cada uma das personagens pode, em cada fase, encontrar alguns pedaços de livros que, ao se completarem, ensinam novos movimentos e ataques para elas como voadoras, chute para trás, rasteira, esquiva, rolamento, dentre outros que aprimoram suas habilidades de combate e aumentam as opções para lidar com os mais de 30 inimigos diferentes espalhados entre os quatro estágios do jogo.
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Jogabilidade
Assim que você inicia o jogo, ele pergunta em qual nível de dificuldade você prefere jogar: no normal, você verá mais itens sendo distribuídos ao redor das fases, enquanto o nível mais difícil torna dessa distribuição de itens praticamente escassa.
A jogabilidade de Punhos de Repúdio é bem objetiva: cada fase é composta basicamente da mesma estrutura: ir andando pelas ruas deitando negacionistas no soco e ganhando moedas quando eles são derrotados, esmagar caixas e latas de lixo em busca de álcool em gel (que cura a sua barra de vida), máscaras (que lhe dão vidas extras) ou pedaços de livos e seguir até uma dungeon onde está um propagador da desinformação.
Os botões são fáceis de memorizar após algumas tentativas, já que cada um deles faz uma ação distinta: golpe fraco, golpe forte, pular, defender, arremesso e uma combinação deles realiza outras habilidades que você aprende com os livros. Você também pode pegar itens deixados no chão, como garrafas de vidro para jogar em um inimigo, ou um porrete com pregos para causar mais dano neles, mas cada um desses artefatos tem uma durabilidade limitada e se desfaz após alguns ataques.
Cada uma das personagens também conta com uma barra que aumenta conforme você nocauteia seus inimigos e, quando ela preenche, você pode apertar um dos botões para realizar um ataque especial baseado em alguma medida de isolamento e proteção, causando dano ou até nocauteando todos os adversários na tela, e recomendo seu uso sempre que parecer necessário diante de cada situação ao invés de tentar guardá-lo para o chefão, já que você terá muitas outras oportunidades de preenchê-la novamente.
Punhos de Repúdio também possui algumas camadas de estratégia, já que com mais de 30 inimigos diferentes espalhados ao redor da campanha, há a necessidade de ler os padrões de movimento deles e compreender qual ataque ou momento é mais oportuno na para combatê-lo: alguns são mais fáceis e podem ser jogados no chão por literalmente qualquer soco ou chute, enquanto outros bloqueiam seus ataques e precisam ser arremessados ao chão, e ainda há os que são pesados demais para arremessar, os que possuem ataques que não podem ser bloqueados, os que atacam à longa distância, etc.
Porém, um dos problemas cruciais que encontrei durante a minha experiência do jogo é que a execução dos comandos e o timing dos ataques é notoriamente menos responsivo com alguns personagens e abrem muitas brechas para te atacarem e anularem o seu movimento, o que pode ser considerado como desafiador, mas também como frustrante para alguns jogadores.
Ao final de cada fase, você passa por um estágio bônus onde você precisa apertar freneticamente o botão de ataque para quebrar alguma coisa antes dos outros quatro jogadores ou da CPU, e os dois primeiros que terminarem recebem um bônus em moedas, ou até um novo livro para aprender outra habilidade.
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As moedas servem para comprar itens com vendedoras de rua existentes no mapa entre uma fase e outra — mais necessariamente comida e bebida — que podem ser consumidos para aumentar algum status específico, como acelerar a barra de preenchimento do especial, ou aumentar o dano que você causa em troca de também tomar mais dano, etc. Elas ficam mais caras conforme você avança no jogo, mas não são elementos obrigatórios para o seu progresso, pelo menos no nível normal.
Outro problema que encontrei durante a minha jogatina foi em relação ao menu de pausa enquanto estava no mapa: ele só funcionava depois de algum tempo estático lá, e demonstrou ser um problemão, considerando que é através desse menu que você tem acesso à possibilidade de trocar de personagens, entre outros recursos.
Por fim, outro ponto importante é que a campanha do jogo é curta e você terminará o jogo numa primeira run com por volta de uma hora e meia. Mas como cada personagem possui seu próprio skillset a ser aprendido e cada uma oferece uma experiência diferente, há muito o que se reaproveitar quando você encerra o jogo pela primeira vez, sendo ainda mais reforçado pelos desafios que podem ser cumpridos em cada fase, como total de combos realizados, meta de tempo para chegar ao final do estágio, vezes em que seu personagem foi abatido, dentre outros detalhes que garantem conquistas e troféus e expandem significativamente o tempo útil do jogo.
Cenário à Brasileira
Tanto as protagonistas quanto os inimigos são bem desenhados, seus movimentos são fluídos e parecem completamente naturais, e apesar de alguns deles ficarem caricatos demais quando executam um ataque, isso se correlaciona bem com a proposta que o jogo possui de trazer uma distopia satírica do jeito mais brasileiro o possível.
Esse elemento também se constata no design de cada uma das fases, ricos em detalhes e easter eggs à brasileira, indo das famosas pichações que existem nas grandes cidades de um ano profético em que Jesus voltará, até outros memes famosos como o do Michael Douglas, e até algo tão simples como um cartaz na parede faz alusão à alguma parte da linguagem brasileira da Internet.
A trilha sonora também carrega fortes raízes da cultura brasileira contemporânea ao trazer algumas das batidas e ritmos mais conhecidos hoje numa versão 8-Bit. Ela não é a coisa mais bem-elaborada do mundo, mas é divertida e atende bem ao seu propósito na atmosfera do jogo.
Um jogo sobre responsabilidade, política e raiva
A verdade é que se torna simplesmente impossível fazer uma análise de Punhos de Repúdio sem considerar o seu papel político. Afinal, todo jogo com um mínimo de enredo carrega consigo uma história a se interpretar e uma mensagem que cabe ao jogador decodificar, e a Braindead Broccoli não faz a menor questão de deixar nas entrelinhas qual é a mensagem desse título: um literal soco de revolta contra um posicionamento fanatizado que desinforma sobre assuntos sérios e promove o negacionismo.
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Sua história retrata a sátira de uma cidade distópica onde a religião e a política ignoraram uma doença letal e promovem uma falsa cura que leva as pessoas à morte enquanto sabotam qualquer esforço de contenção do virus — não muito diferente da realidade cruel da pandemia que assolou nosso país durante 2020 e 2021 — e em momento algum seus criadores tentam qualquer outra abordagem que não seja baseado nos escândalos que vivemos.
Durante o isolamento, lembro de ter lido uma matéria de algum jornal estrangeiro que mencionava como as nossas relações com o próximo nunca mais seriam as mesmas quando o pior passasse, que as divisões geradas pelo isolamento, o negacionismo e os posicionamentos políticos que apoiam ou deixam de apoiar determinadas medidas de proteção nos fariam enxergar uns aos outros de uma forma completamente diferente. No final, passaríamos a sentir raiva e desprezo por alguns, enquanto teríamos mais respeito ou admiração por outros baseados na nossa conduta e na conduta delas em relação a uma crise global conforme a nossa própria percepção de cuidado individual e sendo de responsabilidade coletiva — o conflito do "eu quero" contra o "nós precisamos" nunca ficou tão escancarado durante esses anos.
E a verdade é que nossas relações com os outros, de fato, nunca mais foram as mesmas, e Punhos de Repúdio foi fundado justamente dessa raiva ou desprezo que passamos a cultivar em relação aos que tomaram decisões com uma total ausência de apreço pelo próximo — e ele entrega justamente o que prometeu: a raiva e a frustração vivida durante esses tempos e o desejo de agir ativamente contra a estupidez humana canalizadas na forma de entretenimento.
Com vários cartazes e outras mensagens espalhadas ao redor de cada detalhe e através de uma linguagem verbal agressiva, o título se comunica incrivelmente bem com o seu público-alvo e acertou em cheio para transmitir sua mensagem e contra o que seus autores se opõem, chegando ao ponto onde ele nem sequer precisa se importar se suas palavras parecem ofensivas ou não para determinados grupos porque, caso você se identifique com qualquer adversário do jogo e considere a mensagem transmitida como ruim, eles querem que você se sinta ofendido.
Apesar disso poder afastar um público com pouco interesse em ver a política local representada nos jogos, o estúdio parece deixar claro também que não se importa em atender aos anseios desses jogadores e, sinceramente, nem parece precisar, já que se comunica tão bem com o seu público e ainda capta a atenção de muitas pessoas que apenas querem um jogo divertido e descontraído por um preço baixo.
O único ponto que me incomoda parcialmente em Punhos de Repúdio é o quanto ele frequentemente parece um álbum de New Metal dos anos 2000: ele é sobre revolta e só fala de revolta. Toda a linguagem no jogo é composta por termos agressivos e pejorativos de um jeito simplista, trazendo pouca ou nenhuma racionalidade para o "por que estamos batendo nesses caras" além da óbvia resposta "eles estão colocando pessoas em risco e são desprezíveis" — o jogo carece de reflexão e de uma comunicação que de fato consiga mexer com o jogador e trazer um pouco mais de sustância para a trama.
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A exceção fica por conta da cutscene ao fim da jornada, onde os autores refletem que tempos anormais não se esvaem magicamente. Mesmo quando o problema maior é derrotado, o sentimento de terra arrasada permanece e ainda é necessário lidar com diversos resquícios e perdas irreparáveis dos tempos sombrios. Mas, talvez com uma reconstrução gradual, torne-se possível que um dia vejamos o sol nascer diante de um horizonte daquilo que costumávamos conhecer e denominar como "normal" em nossas vidas — uma mensagem simples e muito clara diante de tempos de incerteza.
Onde fazer o download do jogo
Você pode fazer o download do jogo a partir deste link aqui. Ele se está disponível na Steam e no Itch.io por R$ 16,90 no dia 16 de agosto de 2022.
Há também a versão Demo gratuita do jogo, que pode ser encontrada aqui.
Gameplay trailer
Conclusão
Prós
> Jogabilidade facilmente memorizável e fluída.
> Ambientação em 2D muito bem desenhada e com movimentos que soam muito naturais.
> Título fácil de se reaproveitar, com quatro personagens distintos para se jogar e vários desafios para cumprir.
> Um jogo com um ótimo trabalho de marketing que sabe muito bem como atender aos anseios do seu público-alvo, lhes dando exatamente o que prometeram - um meio de canalizar sua raiva com uma situação social e política através do entretenimento.
Contras
> Timing dos ataques oscila muito de um personagem para outro.
> Pequenos bugs no menu de pausa do mapa dificultam a transição entre personagens no modo single-player.
> A trama parece um album de New Metal dos anos 2000 ao preencher o sentimento coletivo dos jogadores em relação aos vilões, mas carece de alguma sustância que vá além da raiva.
Punhos de Repúdio é um jogo 100% brasileiro com uma boa jogabilidade e uma mensagem política e social relevante que expressa uma revolta coletiva dos tempos de pandemia. Ele consegue trazer o melhor dos clássicos Beat 'em Up para a nossa realidade e oferece uma experiência divertida para se jogar sozinho ou com outras pessoas.
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