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Review: Final Fantasy IX - Uma jornada sobre o propósito da vida

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Mesmo mais de vinte anos após seu lançamento, Final Fantasy IX ainda traz uma das mensagens mais importantes da história dos videogames ao tentar ressignificar a importância de estar vivo.

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revu par Eduardo Silveira

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Quando falamos sobre JRPGs e jogos eletrônicos, é simplesmente impossível o nome Final Fantasy não ser mencionado. Com um longo histórico de 35 anos desde o lançamento do seu primeiro título e com uma dezena de jogos lançados nas mais variadas plataformas, a franquia já apresentou aos seus fãs e novos jogadores alguns dos enredos mais fascinantes e mundos mais bem-elaborados da história dos videogames.

Quando adentramos nesse universo, é quase inevitável não ficarmos fascinados pelos mais variados personagens e sua jornada no decorrer da trama e frequentemente aprender algo com eles.

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Veja bem, nos últimos anos — talvez por conta do excesso de informação que recebemos de todo canto, ou porque crescemos e passamos a ter uma percepção mais ampla do mundo ao nosso redor — não estamos vivendo os melhores momentos da história recente. Estamos em uma realidade de incertezas, somos bombardeados por notícias ruins o tempo todo, muitas vezes nos levando a questionar — diante de um mundo de conflitos alheios a nossa existência — se há algum propósito para estarmos aqui, ou se somos apenas vítimas do acaso, impotentes sobre o nosso destino e perpetuamente presos numa sequência de pequenos infortúnios.

Com tanta coisa acontecendo todos os dias, existem momentos onde nos sentimos sobrecarregados com a realidade ao nosso redor e, às vezes, precisamos apenas parar, tirar um tempo para nós mesmos e aproveitar algumas horas ausentes do resto do mundo, até mesmo viajando para outro em obras de ficção como livros, filmes, uma série de televisão e claro, videogames.

Por isso, gostaria de convidá-los a conhecer um pouco mais sobre aquele que, apesar de não ser especificamente o meu favorito, é considerado por muitos (inclusive, por mim) como o melhor título da franquia — Final Fantasy IX.

Uma jornada sobre o propósito da vida

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Para os que não conhecem, Final Fantasy IX foi lançado pela Squaresoft (Square Enix atualmente) em julho de 2000 para o PlayStation 1 e, desde então, foi relançado em diversas plataformas e se encontra disponível atualmente para PC, iOS, Android, Nintendo Switch, PlayStation 4 e Xbox One e o recomendo muito para quem nunca teve um contato direto com a franquia antes, já que ele é o título que traz — segundo o próprio criador da série — o verdadeiro significado do que é Final Fantasy.

Seu enredo gira em torno da guerra de Alexandria contra as outras três grandes nações do gigantesco Continente da Neblina, aos olhos de um pequeno grupo de oito personagens das mais diversas regiões do mundo liderados pelo carismático Zidane Tribal, o membro de um grupo de bandidos conhecidos como Tantalus, contratados pelo Regente Cid de Lindblum para sequestrar a Princesa Garnet Til Alexandros, que convenientemente quer fugir de Alexandria.

Após o sequestro dar parcialmente errado, Zidane se separa temporariamente da Tantalus e, acompanhado do teimoso capitão Adalbert Steiner e o introspectivo e gentil mago Vivi Ornitier, segue pelas profundezas da Evil Forest, onde resgatam Garnet e começam sua jornada até Lindblum, enquanto Brahne envia seus asseclas para a capturar, e seu enredo se expande quando Alexandria ataca o reino de Burmecia, e o grupo descobre a existência de um misterioso mago belicista por trás das ações da rainha, Kuja.

Acredito que muitas pessoas á essa altura devem se questionar "por que eu deveria gastar meu tempo com um jogo lançado tem mais de 20 anos e com mecânicas datadas?"

Porque se importar com coisas tão pequenas se o mundo é um lugar tão simples?
Porque se importar com coisas tão pequenas se o mundo é um lugar tão simples?

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Existem vários motivos, mas vamos começar pelo mais importante:

A primeira coisa que recomendo se questionar é se você gosta de uma boa história, e se você costuma refletir perante as situações, escolhas e dilemas dos personagens que lhe são apresentados conforme você assiste e interage com o desenrolar da trama. Se sim, realmente acredito que Final Fantasy IX é exatamente o que você procura.

Não é que o jogo não seja divertido, ele é — e muito, se você gosta de RPGs e estratégia — mas o que torna desse título tão importante é o quanto ele reflete sobre a nossa mortalidade, ter um propósito na vida, ou o que significa estar vivo. Ele traz uma narrativa poderosa, mas simples de se compreender, sobre estar em paz com o nosso tempo efêmero nesse mundo e o que podemos fazer enquanto estamos aqui.

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Em uma época onde somos constantemente pressionados pelo peso da realidade e sob um estresse já habitual de estarmos lidando frequentemente com o pior do que a humanidade tem a oferecer, é natural nos questionarmos se existe algum propósito para as nossas vidas, ou se estamos apenas vagando num mar infindável de caos e sofrimento — e Final Fantasy IX procura cultivar no jogador uma resposta à sua própria maneira:

Não que importa se a sua vida tem um propósito. A vida não se trata de quem você deveria ser, e sim do que você faz e dos momentos que você compartilha com os outros, das comidas que você experimenta, dos sentimentos que você cultiva, dos lugares que você visita, das experiências que você tem, e de como você e todos ao seu redor possuem a capacidade de fazer coisas grandiosas pelo futuro.

Mesmo num mundo envolto de tragédias coletivas e, muitas vezes, pré-determinado pelas nossas circunstâncias, somos também criaturas individuais e ninguém conseguirá enxergar, sentir, rir, compartilhar experiências, amar e aprender como nós. E é através das nossas experiências que podemos ensinar às próximas gerações no espaço efêmero de tempo da nossa existência, que podemos superar os nossos medos e conflitos, deixando o nosso legado nesse planeta.

Da primeira hora de jogo até a sequência do chefe final — da qual particularmente interpreto como um confronto metafórico contra a depressão e pavor existencial que habita em todos nós — os personagens da trama são confrontados de encontrar o seu lugar no mundo e, através das suas jornadas de autoconhecimento, descobrem sua própria visão de propósito.

Final Fantasy IX, no final das contas, é uma história sobre chegar a um acordo com a sua própria mortalidade e através do auto-aperfeiçoamento, encontrar o seu lugar no mundo ou, como a primeira canção que você escuta ao iniciar o jogo indica, Um lugar para chamar de lar. Em momento algum ele diz ao jogador "esse é o jeito certo de viver", trocando isso por "eventualmente você encontrará a sua maneira de apreciar os bons momentos que só podem existir se você estiver vivo" — uma mensagem notoriamente poderosa numa época em que tantas pessoas estão lidando com questões sérias relacionadas à saúde mental.

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Com uma história que busca expor e demonstrar que as experiências que vivenciamos e as circunstâncias das nossas realidades definem ajudam a pré-determinar como nos desenvolvemos enquanto indivíduos, o título abrange o nosso dever de encontrar a nossa maneira de viver enquanto estamos aqui, construir as memórias e ensinamentos que serão passados adiante nas próximas gerações e, com alguma esperança, criar um mundo melhor para nós e para os que nos acercam com os nossos aprendizados, deixando, assim, o nosso legado na História.

O que há em Final Fantasy IX?

Em termos técnicos, Final Fantasy IX não traz absolutamente nada de novo para a franquia em comparação com seus predecessores: é um clássico título que usa o sistema de ATB baseado em turnos para desenrolar suas batalhas, onde você seleciona um comando para os personagens e eles executam. Nesse sentido, ele é totalmente distinto de um título mais recente da franquia como Final Fantasy XV e mais próximo de outros jogos, como Persona 5 ou Yakuza: Like a Dragon.

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A ausência de ação em tempo real torna dele muito mais baseado em estratégia do que especificamente em combate. É claro, a maioria dos inimigos comuns (que você encontra em batalhas aleatórias enquanto caminha por uma dungeon ou no mapa do mundo) são fáceis de derrotar com alguns ataques, ou usando uma magia de nível mais alto, mas a batalha contra os chefes costumam demandar uma atenção redobrada sobre os padrões de ataques dele e como evitar que seus personagens sejam alvos fáceis, já que não existe um meio convencional de ficar superpoderoso nesse título até os estágios muito avançados da trama.

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Para isso, o jogo conta com um clássico sistema de equipamentos que conta com armas, chapéus, armaduras, luvas e acessórios — todos oferecendo algum bônus aos status do personagem, mas também a capacidade de aprender novas habilidades, que vão de novas mágicas e Summons até habilidades passivais que lhe protegem de efeitos negativos, ou aumentam seu HP, lhe dão alguns buffs automáticos no começo da batalha, etc.

Além disso, as próprias armaduras também podem possuir propriedades que aumentam o dano de um tipo de elemento, ou reduzem outro, etc. — cada um desses pontos agregam uma camada extra de planejamento e análise para equipar os itens certos e ganhar as habilidades necessárias para aquela dungeon, ou para mitigar o dano causado por um chefe.

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O mundo de Final Fantasy IX recompensa demais a exploração: os diálogos com os personagens lhe ensinam muita coisa sobre o mundo que você está visitando, cada canto de um cenário possui algum tesouro para você descobrir, e existe uma infinidade de conteúdos extras para fazer: Chocobos, caça ao tesouro, um card game com um terrível senso de imprevisibilidade, chefes secretos para se derrotar, monstros amigáveis, captura de sapos, dentre outros que tornam da experiência muito proveitosa quando você chega nos estágios mais avançados, além de lhe recompensar com equipamentos incríveis e — dependendo da quest — algumas das melhores armas do jogo.

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Como você pode ver, mecanicamente falando, FFIX não traz nada novo que seus predecessores e alguns de seus sucessores não tenham feito, mas ele une inúmeros elementos distintos da forma mais eficiente possível, tornando-se uma experiência robusta, agradável e que em nenhum momento faz você se sentir incomodado ou irritado com algo com o sentimento de "poderia ser melhor".

Sobre o Jogo

Um mundo incrivelmente belo, envolto de sofrimento

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Se era muito fácil confundir Final Fantasy IX com um jogo infantilizado nos anos 2000, é ainda mais fácil hoje: o mundo de Gaia é envolto de magia e colorido com paletas vívidas. Nele, existem todos os tipos de criaturas humanoides, e muitos deles têm proporções completamente irreais, como cabeças grandes e corpos pequenos, ou NPCs com narizes gigantes, ou magos vermelhos que mais parecem cowboys, cutscenes com expressões faciais exageradas, etc.

E o jogo não parece colaborar e muito menos querer desconstruir essa imagem: a primeira hora da sua jornada facilmente confirma que o universo desse título é totalmente diferente dos seus predecessores, e até o comportamento dos personagens chegam a ser estereotipados e previsíveis nesses momentos: um ladrão heroico que decide salvar a princesa de um monstro na floresta, o cavaleiro obstinado que deseja retornar com ela para o castelo, um mago jovem e tímido que carece de autoconfiança, uma rainha má que deseja retomar a princesa á qualquer custo... É quase um conto clássico da Disney.

Porém, é quando você está prestes a chegar em Lindblum, aproximadamente na segunda ou terceira hora da jornada, onde Vivi vê outros magos serem exterminados pelo último dos Black Waltz, que você percebe que essa história não é uma mera fantasia infantil, e sim uma jornada em um mundo envolto da incerteza existente na guerra — e somos relembrados disso poucos minutos depois, quando as festividades do Festival da Caça são interrompidas pela chegada de um soldado de Burmecia até Lindblum, para avisar do ataque de Alexandria contra o seu reino, morrendo logo em seguida.

Daquele momento em diante, Final Fantasy IX deixa de trazer apenas um mundo de fantasia, e passa a adicionar uma camada de tragédia a cada hora, afetando direta ou indiretamente os personagens que nos guiam durante a trama e lembrando-nos que viver é, inevitavelmente, sofrer.

Se olharmos no macro da situação, todas as quatro grandes nações do Continente da Neblina enfrentam consequências gravíssimas no decorrer da história. Basta você pensar o quanto o povo de cada um desses reinos sofreu em relação às perdas, o quanto eles temem a continuidade da guerra e como eles lidaram violentamente uns com os outros nos momentos de crise.

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Você pode perceber isso com frequência ao conversar com NPCs, ou através das cartas da Mognet, mas uma cena que fica presa na minha cabeça é quando Zidane e Garnet chegam na Lindblum recém-destruída, e no Distrito Comercial, três trabalhadores encurralam um Black Mage caído e debatem sobre matá-lo esmagando a cabeça ou o peito dele, e Zidane intervém lembrando-os que, apesar de tudo, aquela criatura é um ser vivo, a qual os trabalhadores desconsideram dizendo que eles apenas parecem humanos, mas que mataram pessoas sem hesitar.

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No lugar deles, nós não poderíamos culpá-los por criar uma desumanização diante das perdas irreparáveis de familiares e amigos — toda a cutscene do ataque de Alexandria contra Lindblum é de partir o coração quando Átomos é invocado e vemos vidas de ambos os lados serem dizimadas sem nenhuma consideração ou compaixão vinda da Rainha Brahne que, a essa altura, já estava totalmente corrompida pela sua ganância.

O detalhamento fascinante sobre como as pessoas estão vivendo e se comportando em Final Fantasy IX é um dos elementos mais fascinantes do jogo porque ajudam a criar uma experiência ainda mais imersiva, dando ao jogador a compreensão do mundo que eles estão explorando, das pessoas que eles estão conhecendo, e esse é um elemento que a Square, infelizmente, acaba deixando a desejar em vários dos seus títulos.

Em meio ao caos, a Empatia

No entanto, em meio ao caos, o jogo também apresenta outras características únicas do senso coletivo nos tempos de crise: a resiliência de não desistir mesmo quando o seu lar está em perigo, ou o mundo á beira da destruição, unindo-se para reconstruir seus lares.

São frequentes os momentos onde vemos os personagens secundários realmente se importarem uns com os outros, ou com os protagonistas da trama com diálogos que podem passar despercebido quando você apenas quer mais ação, mas ajudam a demonstrar a construção das relações e mostrar que existe uma convivência genuína ali. Se um personagem ajuda outro, é normalmente porque eles se importam — e mesmo que muitas vezes isso exista apenas para mover o plot, são poucos os momentos onde a narrativa falha em fazer isso parecer natural.

Para aprofundar ainda mais a imersão e demonstrar que cada personagem tem seu próprio dilema e assuntos para resolver, Final Fantasy IX apresenta o Active Time Event, ou ATE — uma sequência de cenas opcionais que você pode assistir apertando um único botão quando eles aparecem, normalmente sinalizados por um som e uma mensagem na tela, onde o jogador pode presenciar eventos ocorrendo em paralelo às suas ações. Por exemplo, se você está estocando suas Potions e comprando novas armaduras e armas, algum outro personagem pode estar dando uma volta na cidade, dialogando com os moradores, ou comendo algo sem pagar, ou o clássico:

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Assistir a essas cenas faz com que os protagonistas e os NPCs pareçam mais vívidos e relevantes para a trama.

Falando nisso, Final Fantasy IX tem...

Os melhores personagens da franquia

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Eu sei, esse é um título aberto para muito debate, mas nenhum jogo da franquia até hoje conseguiu desenvolver e aprofundar seus personagens tão bem quanto Final Fantasy IX fez.

Muitas pessoas, quando falamos de desenvolvimento e história, mencionam Final Fantasy VI como o exemplo perfeito por conta do grupo diversificado de personagens onde não existia obrigatoriamente um protagonista para mover a história, mas sim um grupo de pessoas onde cada um tinha seus próprios motivos para embarcar na batalha contra o Império.

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Mas, justamente por ser um grupo grande de personagens com motivos pessoais, em sua maioria, eles não se desenvolvem tanto no decorrer da trama de forma integral para a história: a maioria dos eventos que existem para explicar o passado ou demonstrar o amadurecimento deles acontece na forma de quests opcionais — e é nesse ponto que acredito que Final Fantasy IX triunfa, já que o desenvolvimento e amadurecimento dos personagens está diretamente atrelado aos eventos da história principal.

É claro que temos algumas exceções que deixam a desejar: Amarant não possui relevância nenhuma pro plot e seus únicos momentos são basicamente aqueles onde ele está reclamando e decide fazer algo por conta própria. O único propósito de Quina na jornada é ser o alívio cômico, Eiko gira em torno do seu dilema sobre a solidão e seu apego emocional não-correspondido por Zidane, e Freya começa como uma personagem extremamente promissora quando você a conhece e têm uma das histórias mais interessantes dentre os protagonistas, mas seu arco acaba basicamente em poucas horas, e todo o seu luto ou decepção por ver o reino que ela jurou proteger dizimado são jogados para debaixo do tapete enquanto Zidane fica gritando "hey, precisamos salvar Garnet!", sem dar o mínimo de espaço para ela refletir sobre sua perda.

Garnet
Garnet

Falando em Garnet, apesar de Zidane o tempo todo se prontificar a salvá-la, ela desvia bastante desse estereótipo conforme ela se adapta lentamente a um mundo que não conhecia fora da realeza, e aceita que a realidade não é tão simples como gostaria que fosse enquanto acreditava que poderia impedir sua mãe conversando com ela.

Durante a trama, vemos Garnet amadurecer, evoluir, aprender a tomar suas próprias decisões e assumir o seu papel como parte da realeza de Alexandria, só para em seguida sofrer perdas irreparáveis e lidar com um trauma que ela, eventualmente, precisa superar e a narrativa torna a dor dela real para o jogador.

Steiner in-game
Steiner in-game

A história de Garnet se entrelaça frequentemente com a de Steiner, que possui como principal tema a lealdade. Ele, em muitos momentos, age ativamente contra Zidane e os outros por conta da sua confiança em sua rainha e o seu pouco conhecimento do que acontece fora de Alexandria, ao ponto de acreditar que toda e qualquer pessoa que fale algo sobre as atrocidades que o reino está cometendo é, naturalmente, um mentiroso.

Quando finalmente confrontado com a verdade, Steiner precisa decidir onde ou a quem sua lealdade pertence, e desse ponto adiante passa a enxergar o valor dos seus demais companheiros e o que o seu dever de proteger Garnet realmente significa.

Quem você deveria ser contra quem você se tornou

Final Fantasy IX tem como alguns dos seus principais temas a autodescoberta e o determinismo. Ou seja, a ideia de que tudo o que você é, pensa, sente, ou faz é preordenado pelas suas características genéticas, vivência pessoal, ensinamentos passados de geração em geração, dentre outras influências que vão além do "você" e além do "o que você faria".

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Por exemplo, todos nós somos ensinados uma dúzia de coisas conforme crescemos, como escrever, ler, cozinhar, fazer contas de matemática, etc. — esses traços não são naturalmente nossos, eles foram ensinados pelos nossos parentes, ensinados pelos parentes deles, e assim por diante.

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Acredito que o personagem que melhor representa esse aspecto é o Vivi. Ele é um Black Mage, e sem a menor noção de quem ele é e com uma aparência peculiar e única em Gaia, seu primeiro contato com a sua origem é através da experiência chocante de descobrir que, apesar de existirem muitos Black Mages como ele, eles não passam de bonecos criados através do processamento da Neblina para serem usados como arma de guerra por Alexandria, levando-o a questionar por diversos momentos o propósito da sua existência: se ele foi projetado para ser um instrumento de guerra, e ele definitivamente não quer ser uma arma, o que ele deveria ser? Qual é o propósito da sua existência, então?

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O outro personagem que encara um dilema relacionado a determinismo é Zidane, que se torna o completo oposto do que ele deveria ser, tornando-o um dos melhores protagonistas da série.

Zidane é carismático e virtuoso, vive sob o lema de que as pessoas não precisam de um motivo para ajudar umas às outras, e demonstra um grau de maturidade e talvez até um certo nível de estoicismo que não encontramos com facilidade no mundo real que o torna admirável. Ele simplifica temas e questões complicadas, têm uma confiança absurda em seus companheiros e em momento algum realmente toma o papel de "líder" ao ponto de remover a individualidade ou livre arbítrio de qualquer outro membro da equipe.

Isso não significa que ele seja completamente bom, porque ele tem alguma malícia e toma algumas decisões ou faz coisas que podem ser vistas como moralmente questionáveis, mas que no final também agregam à sua personalidade de bon vivant, e vários dos momentos mais impactantes são justamente os em que ele deixa de lado esse tom otimista para lidar com seus próprios conflitos.

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Kuja, o antagonista, também é outro personagem na trama que vive sob o dilema determinista dentro dos seus próprios termos. Apesar dele não ter a profundidade e história trágica que vemos atualmente com Caius Ballad ou Ardyn Izunia, Kuja é muito bem elaborado enquanto vilão, funcionando basicamente como uma antítese à Zidane: ele é narcisista, não possui apreço pela vida alheia e vive, planeja e opera seus planos sozinho, enquanto o resto é meramente um meio para seu fim, e com um gosto muito refinado para arte que exemplifica visualmente o seu ego distorcido.

No entanto, Kuja também é vítima do determinismo e criado para viver e agir dessa maneira, sem a menor oportunidade de seguir um caminho distinto dada a sua falta de emoções embutida. O próprio Zidane, em um determinado momento da história, comenta que teria provavelmente feito as mesmas coisas e agido da mesma maneira no lugar dele.

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Isso torna dele um grande vilão? Não, mas ele fica acima de outros antagonistas da franquia que são maus meramente "porque sim", ou onde sua história particular e motivos não são bem elaborados.

Uma trilha sonora sublime

Em uma época onde ainda não existia o voice acting nos videogames, a trilha sonora funciona para ditar a ambientação e o humor de cada sequência, e a última trilha sonora produzida integralmente por Nobuo Uematsu faz isso com maestria.

Apenas na primeira sequência do jogo, a música muda tantas vezes para entregar ao jogador o sentimento apropriado para aquela cena em particular que demonstra uma direção artística quase impecável. O tema da Evil Forest definitivamente se encaixa no sentido de se adentrar às profundezas do desconhecido, enquanto o tema do mapa-múndi retrata o conceito da expansão da sua jornada.

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Porém, o verdadeiro destaque no começo de jogo fica quando você adentra ao vilarejo de Dali, porque depois de mais de uma hora de ação frenética, é a primeira vez que o jogo te apresenta um ambiente onde os personagens podem descansar, e a música-tema desse lugar representa bem a tranquilidade e calma de finalmente ter um momento para respirar.

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No entanto, quando Zidane e Garnet percebem que Dali não é apenas um vilarejo e seguem até a fábrica de Black Mages no subsolo, o jogo demonstra com maestria como alterar a ambientação ao substituir a tranquilidade do vilarejo por uma trilha que não está apenas envolta de mistério, mas também passa o sentimento de estar mergulhando cada vez mais fundo em um segredo obscuro.

Final Fantasy IX tem inúmeros momentos como esse, a execução da música é simplesmente impecável e em momento algum falha em transferir ao jogador o sentimento de uma sequência, e atesta como um ponto forte no legado de Nobuo Uematsu para a franquia e para o universo da música como um todo.

Conclusão

Isso é tudo por hoje.

Final Fantasy IX é definitivamente um título que sobrevive muito bem ao teste do tempo, e traz reflexões importantes para o mundo contemporâneo enquanto apresenta um grupo diversificado e cativante de personagens em um mundo incrivelmente detalhado através da ambientação visual e sonora que levam o jogador para o nível mais profundo de imersão que os jogos da sua época conseguiam proporcionar.

Mas o que o torna tão importante e ainda tão necessário no mundo contemporâneo é a sua história e a maneira como ele aborda assuntos existenciais, como o que significa ter um lar, a importância de compartilhar momentos uns com os outros e, principalmente, o que fazer com a dádiva — ou a maldição — da vida.

Se você não conhecia a franquia antes, eu não teria como te recomendar outro título que não fosse esse porque ele captura absolutamente tudo o que define o universo de Final Fantasy enquanto possui todos os elementos necessários para ser uma experiência divertida e descontraída mesmo vinte anos após o seu lançamento.

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Existem inúmeros boatos da chegada de uma série animada desse jogo, ou até mesmo da possibilidade de um remake no futuro próximo. Particularmente, adoraria que qualquer um desses viesse a acontecer porque o título não teve o devido reconhecimento por conta da janela estranha de lançamentos onde foi inicialmente colocado, e muitas pessoas ainda precisam conhecer seu universo enquanto exploram Gaia com Zidane e os outros!

Obrigado pela leitura!