Uma Era de Mistérios e Códigos
Quem cresceu jogando videogame nos anos 80, 90 e início dos 2000 viveu uma época completamente diferente da que temos hoje. Não existia YouTube para procurar tutoriais, não havia wikis detalhando cada segredo, nem fóruns repletos de dicas em tempo real. A diversão vinha acompanhada de descobertas pessoais, trocas de informações nos recreios da escola e, muitas vezes, de horas quebrando a cabeça para entender como passar de fase.
Era comum anotar golpes em cadernos, guardar passwords de jogos em folhas soltas, decorar sequências de botões para liberar vidas infinitas ou desbloquear personagens secretos. Hoje, tudo isso parece quase mítico, mas para quem viveu, foi uma parte essencial da experiência gamer. Este artigo faz uma viagem nostálgica pelas décadas de 80, 90 e 2000, explorando como era jogar videogame nesse período e os elementos que praticamente desapareceram na era moderna dos games.
A Era dos 80: Os Primeiros Segredos Digitais
Nos anos 80, os videogames estavam dando seus primeiros passos fora dos fliperamas e invadindo as casas com consoles como o NES (Nintendinho), o Master System e o Atari 2600. Era um período de simplicidade técnica, mas também de muita imaginação.
Os jogos eram desafiadores e punitivos. Não havia sistema de salvamento na maioria dos títulos, o que significava que o jogador precisava zerar em uma única jogada. Para aliviar essa dificuldade, surgiram os primeiros passwords e códigos secretos. Em jogos como Metroid (1986), por exemplo, o famoso código "JUSTIN BAILEY" permitia começar com a protagonista sem a armadura, algo que virou lenda entre jogadores.
No Mega Man 2 e outros títulos da franquia, grids com pontos coloridos serviam como passwords que precisavam ser copiados à mão para continuar de onde o jogador havia parado. Esses sistemas eram tão complexos que um simples erro de anotação podia significar perder horas de progresso.
Além disso, os códigos eram parte do marketing. Um dos mais famosos da época, que continuou vivo nas décadas seguintes, foi o Konami Code (↑ ↑ ↓ ↓ ← → ← → B A). Ele apareceu pela primeira vez em Gradius (NES, 1986) e dava vantagens como vidas extras. Rapidamente, virou um ícone cultural, presente em inúmeros jogos e até em sites da internet anos depois.

Os 90: Cadernos, Revistas e Segredos Compartilhados
Os anos 90 podem ser considerados a “idade de ouro” dos códigos secretos. Com a popularização dos Super Nintendo (SNES), Mega Drive, PlayStation e Nintendo 64, os jogos ficaram mais complexos, mas ainda não contavam com sistemas de salvamento confiáveis em todos os casos. Os passwords e anotações continuaram firmes.
Era comum ter um caderno exclusivo para games, onde cada jogador anotava combinações de golpes de luta em Mortal Kombat e Street Fighter II. Quem nunca escreveu “FR – F – S” (frente, frente, soco) ou “D – F – P” (baixo, frente, chute) para lembrar os movimentos? Esses cadernos eram verdadeiros grimórios de magia gamer, transmitidos entre amigos e até guardados como relíquias pessoais.
Outro ponto importante eram as revistas especializadas, como a Nintendo Power nos EUA ou Ação Games e Super GamePower no Brasil. Elas eram a principal fonte para descobrir segredos, detonados e truques. Muitas vezes, uma edição vinha recheada de dicas sobre como enfrentar chefes secretos ou desbloquear personagens ocultos.
Os cheats também estavam por toda parte. Quem viveu essa época lembra de colocar códigos em Mortal Kombat para liberar sangue (algo censurado em algumas versões) ou usar códigos em NBA Jam para jogar com políticos e celebridades. Em GTA (na versão para PS1 e depois no icônico GTA III), os códigos se tornaram sinônimo de diversão sem limites, armas infinitas, veículos surgindo do nada e caos espalhado pela cidade.
Essa década também trouxe os memory cards, que finalmente começaram a aposentar os passwords, mas os cadernos de anotações ainda eram fundamentais. Afinal, nem sempre havia espaço suficiente para salvar tudo, e muitos jogos ainda insistiam nos velhos sistemas de códigos.

Revistas de Videogame: A Bíblia dos Jogadores
Se hoje temos o Google e o YouTube para responder qualquer dúvida, nos anos 80, 90 e 2000 quem ditava as regras eram as revistas de videogame. Elas não eram apenas informativas, mas verdadeiros guias de sobrevivência para qualquer gamer.
As seções de detonados eram as mais esperadas. Jogos enormes, como The Legend of Zelda: A Link to the Past ou Final Fantasy VII, tinham páginas inteiras explicando passo a passo como avançar. Essas matérias eram verdadeiros manuais, muitas vezes acompanhadas de mapas desenhados e dicas sobre chefes escondidos.
Outra parte marcante eram as seções de perguntas e respostas. Os leitores enviavam cartas perguntando como passar de fases, encontrar itens secretos ou até sobre rumores de personagens ocultos. Em algumas edições, os redatores até brincavam com os leitores, misturando dicas reais com pegadinhas.
As revistas também traziam prévias de lançamentos, matérias sobre bastidores de desenvolvedores e comparativos de consoles, alimentando discussões acaloradas entre “nintendistas” e “sega maníacos”. Para muitos, esperar o mês seguinte para ler as novidades era quase tão empolgante quanto jogar.
Mais do que informar, essas revistas criaram uma comunidade. Trocar dicas na escola ou emprestar edições antigas para amigos fazia parte da cultura gamer. Hoje, tudo está a um clique de distância, mas nada substitui a sensação de abrir uma revista e descobrir um código secreto que mudava completamente um jogo.
Locadoras de Videogame: O Templo dos Gamers
Outro aspecto inesquecível da vida gamer dos anos 80, 90 e 2000 eram as locadoras de videogame. Para quem não podia comprar todos os lançamentos e, convenhamos, quase ninguém podia, as locadoras eram a porta de entrada para experimentar novos títulos.
O jogador alugava um cartucho ou CD por alguns dias, levava para casa e precisava aproveitar ao máximo aquele curto período. Muitas vezes, isso significava virar noites em claro para zerar o jogo antes de devolvê-lo. Havia também a emoção (ou frustração) de alugar um jogo já salvo por outra pessoa, descobrindo fases avançadas ou chefes quase derrotados.
As locadoras também eram pontos de encontro. Amigos se reuniam para escolher juntos os jogos, trocar dicas e até disputar quem conseguia terminar primeiro um título. Em muitas cidades, algumas locadoras ofereciam cabines com televisores para jogar por hora, criando ambientes que misturavam a experiência dos fliperamas com a comodidade de consoles modernos.
Além disso, as locadoras eram fontes vivas de informação. O atendente quase sempre sabia quais jogos eram mais difíceis, quais tinham segredos escondidos e até recomendava títulos conforme o estilo de cada cliente.
Essa cultura desapareceu com o avanço da internet, a popularização da pirataria e, mais tarde, com os serviços digitais. Mas para quem viveu, ir à locadora era mais do que alugar um jogo: era viver uma parte essencial da magia de ser gamer.

Os 2000: A Transição para a Modernidade
A virada dos anos 2000 trouxe uma mudança radical. Com consoles como o PlayStation 2, GameCube e Xbox, a tecnologia de salvamento já era consolidada, e os jogos estavam cada vez mais cinematográficos. Isso significava que os passwords começaram a desaparecer, dando lugar a sistemas de save automáticos e checkpoints.
Por outro lado, a criatividade dos desenvolvedores ainda garantia espaço para segredos e códigos escondidos. GTA: San Andreas (2004) virou um ícone dessa geração graças aos seus cheats. Jogadores decoravam sequências enormes de botões para ativar jetpacks, transformar os carros em veículos voadores ou deixar a cidade em guerra constante. Era quase um jogo paralelo dentro do próprio game.
Outro fenômeno dos anos 2000 foi o acesso à internet banda larga, que começou a substituir gradualmente os cadernos e revistas. Sites como GameFAQs reuniam códigos, guias e detonados que antes só eram acessíveis por meio das publicações impressas. Ainda assim, muitos jogadores preferiam manter suas anotações, já que nem todo mundo tinha acesso fácil à internet.
Também foi nessa época que surgiram as DLCs e expansões digitais, mudando como segredos eram implementados. Antes, tudo estava dentro do cartucho ou disco, bastava descobrir. Agora, conteúdos extras podiam ser comprados, eliminando parte daquela mística de encontrar “o que ninguém sabia”.

O Ritual dos Cadernos de Anotações
Um dos elementos mais marcantes dessas décadas foi o hábito de anotar. Era comum encontrar cadernos com páginas inteiras dedicadas a mapas desenhados à mão, listas de passwords e combinações de golpes. Esses registros manuais transformavam o ato de jogar em algo quase artesanal.
Havia uma sensação de pertencimento e conquista em ter aquele caderno. Não era apenas um recurso prático, mas também uma forma de mostrar dedicação ao jogo. Cada anotação representava uma batalha vencida, um segredo descoberto ou uma amizade fortalecida ao compartilhar dicas.
Hoje, com saves automáticos, wikis e guias em vídeo, essa prática praticamente desapareceu. A cultura gamer mudou, mas quem viveu sabe o valor que esses cadernos tinham.
Cheats, Segredos e a Criatividade dos Desenvolvedores
Os códigos secretos não eram apenas artifícios para facilitar o jogo. Muitas vezes, eram brincadeiras dos desenvolvedores, pequenas recompensas para jogadores curiosos. O famoso Big Head Mode, presente em vários jogos de tiro dos anos 90 e 2000, era um exemplo claro: não servia para nada além de divertir.
Outros códigos mudavam radicalmente a experiência. Em The Sims, por exemplo, o código rosebud (e depois motherlode) dava dinheiro infinito, permitindo construir mansões impossíveis. Em Tony Hawk’s Pro Skater, os cheats liberavam personagens bizarros e truques insanos.
Esses segredos transformavam o jogo em algo novo, criando memórias coletivas que uniam comunidades inteiras.

Por que Isso Desapareceu?
Com a evolução da tecnologia, o design dos games mudou. Hoje, praticamente todos os jogos contam com sistemas de salvamento automáticos, checkpoints, mapas integrados e tutoriais. O nível de acessibilidade aumentou, mas, ao mesmo tempo, o “mistério” diminuiu.
Os códigos secretos ainda existem em alguns casos, mas perderam a relevância cultural que tinham nos anos 80, 90 e 2000. O que antes era descoberto em conversas na escola agora é revelado em minutos no YouTube. Além disso, a monetização por DLCs e microtransações substituiu parte do conteúdo que antes vinha como “segredo grátis” dentro do próprio jogo.
Conclusão
Os anos 80, 90 e 2000 foram décadas únicas no mundo dos videogames. Jogar naquela época não era apenas enfrentar desafios na tela, mas também viver um ritual que envolvia cadernos, conversas entre amigos, revistas cheias de dicas, a emoção de descobrir um código secreto e, claro, as visitas obrigatórias às locadoras.
Essas experiências coletivas moldaram gerações inteiras de jogadores, criando uma relação com os games que ia muito além da tela. Hoje, a tecnologia oferece experiências mais completas e acessíveis, mas também mais solitárias e menos misteriosas.
A magia de escrever uma sequência de botões no controle, encontrar uma dica perdida em uma revista ou passar a tarde na locadora escolhendo jogos dificilmente será recriada. Talvez seja justamente essa mistura de dificuldade, curiosidade e convivência que torne essas memórias tão especiais. Para quem viveu, elas nunca serão esquecidas.
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