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A Lição de Astro Bot sobre Games

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Astro Bot levou o prêmio de Jogo do Ano do The Game Awards 2024. Em meio a cacofonia, há uma lição que este título deixa para a indústria de games e para os jogadores.

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rezensiert von Tabata Marques

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A madrugada de sexta-feira e as horas seguintes foram bem agitadas no universo dos games após o anúncio do prêmio Jogo do Ano do The Game Awards: Astro Bot, da Team Asobi, levou o título em cima de outros nomes renomados da indústria que marcaram história este ano - seus competidores incluíram Black Myth Wukong, Final Fantasy VII Rebirth, Metaphor ReFantazio, a surpresa indie Balatro e a expansão de Elden Ring, Shadow of the Erdtree.

Em todas as mídias sociais e nos grupos de Discord ou WhatsApp, os comentários furiosos ou incrédulos da vitória de um título que, em partes, é um advergamelink outside website vieram acompanhados de certo ceticismo com o prêmio e com o júri. Em nossa cobertura do evento, interna com nosso staff para listar os principais lançamentos, minha primeira mensagem sobre o assunto foi: “Há uma lição a ser aprendida disso” - sim, lição.

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Levou um tempo até esse raciocínio se completar, e podemos o resumir da seguinte maneira: Astro Bot ganhou o Game the Year, pois fez algo ou deixou de fazer alguma coisa que os outros títulos fizeram. Mais alguns minutos de ponderação e a resposta foi que Astro Bot, no fim, ganhou porque ele é um jogo. Parece óbvio, mas não é: Astro Bot é um jogo e não tenta ser nada além de um jogo.

Em tempos onde gastamos horas em discussões nas redes sobre quantos fios de cabelo um personagem tem ou porque as calças de alguém não molham quando eles entram na água, tempos onde a arte de criar videogames se assemelha ao universo cinematográfico, e onde narrativas precisam ser sempre profundas, cheias de drama e com atuações que nos fazem sentir que estamos imersos em outro universo, é natural desenvolvedoras passarem muito tempo tentando criar a experiência mais épica possível para o interlocutor - se não for assim, eles não se impressionam, não querem, não compram, e é um risco alto fazer um jogo AAA que não atenda a essas expectativas, e elas envolvem tornar dos games um blend entre o cinematográfico e o interativo.

Astro Bot vai no sentido contrário. Ele não se importa com narrativas cativantes, gráficos de ponta que fazem personagens parecerem pessoas reais, ou com a exploração de um gigantesco mundo aberto com centenas de horas de atividades. Ele se contenta com sua identidade: a de um jogo, contido na sua própria essência, interativo por natureza, divertido para qualquer um que se der uma oportunidade de jogá-lo e sem precisar fazer esforço para ser mais nada.

Um título para nos lembrar do que são games - afinal, ele é um produto comemorativo dos 30 anos da PlayStation - em uma experiência simples, inovadora, que tenta extrair o máximo da plataforma em que está situado nas suas oito ou vinte horas de gameplay. Um jogo, apenas um jogo.

O que podemos aprender com Astro Bot? O que ele nos diz sobre a indústria dos games? Sobre os games? O que nós, em nossa revolta ou apreciação, descobrimos sobre nossa essência como comunidade? Estariam os estúdios tentando demais? Estaria o público demandando demais? Será que, no fim, perdemos a capacidade de reconhecer um game como game no momento em que ele não nos é cinematográfico ou maduro o suficiente?

Era difícil imaginar, quando ele saiu, que Astro Bot criaria um debate tão extenso sobre nossa percepção do que significa game, mas é um bom momento para pensarmos e refletirmos em qual tipo de satisfação buscamos com video games e, no fim, porque Astro Bot cativou tanta gente e levou o prêmio do Jogo do Ano enquanto outros, talvez mais esteticamente agradáveis, mais emocionantes, ou com mais proveito de tempo de jogo não alcançaram esse prêmio no The Game Awards.

Afinal, o que define um game?

Por definição, Um Game é um sistema interativo em que os jogadores se envolvem com regras e objetivos estruturados, utilizando ações e decisões para superar desafios, explorar possibilidades ou criar experiências. Todo produto que se denomina um game, por essência, cai nessa categoria de elementos e começa adicionando outros para se distinguir: narrativa, estética, mecânicas, gênero, objetivo, gráficos, trilha sonora, etc. Nos primórdios, games eletrônicos eram sobre coletar pontos. Com o tempo, a quantidade de variáveis cresceu exponencialmente e eles tornaram-se uma experiência multissensorial, com diversos propósitos e objetivos.

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Em essência, games ainda são sobre essa simplicidade abstrata. A Team Asobi fez a aposta: Astro Bot nem sequer tem uma história direito, ou pelo menos não é envolta em narrativas e diálogos como The Last of Us. Ele é composto de uma pequena criatura-robô viajando entre mapas, resgatando seus amigos e passando por desafios enquanto coleta moedas - sua premissa é a mesma de clássicos como Sonic The Hedgehog ou Super Mario Bros. que conhecemos na nossa infância ou juventude - e ele se propõe a fazer isso, faz muito bem e entrega uma experiência sólida e divertida para qualquer um.

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Para qualquer um, inclusive, foi parte da chave do seu sucesso: seja um adulto atrás de uma boa distração após uma semana estressante de trabalho, um jogador hardcore querendo uma sessão de chill gaming depois de diversas partidas ranqueadas no seu Co-op ou MOBA favorito, um parente que deseja mais tempo de qualidade e diversão ao lado dos seus filhos, ou uma criança aproveitando seus primeiros jogos no console que seus parentes acabaram de lhe dar. Ele é o título para todas elas e tem algo a agregar para essas demografias, mesmo que sejam apenas algumas horas de qualidade consigo mesmos.

Quantos jogos hoje, especialmente os nomeados para Game of the Year, não são voltados para uma demografia específica? Até entre os fãs de aventura e RPG, jogos como Final Fantasy VII Rebirth, Elden Ring ou Metaphor ReFantazio atendem demografias distintas. Nem todos gostam de soulslike, nem todos gostam de RPG baseado em turnos, nem todos apreciam um mundo aberto expandido em um RPG de ação. Dessa divisão, entretanto, há um sentimento em comum: todos gostam de se divertir com videogames.

Astro Bot evoca esse sentimento. Ele garante uma experiência tão criativamente interativa que não há qualquer barreira que impeça do fã de Soulslike até o jogador habitual de Fortnite a experimentar e aproveitar o título. Tanto para os adultos que hoje compõem a maioria significativa dos consumidores de games quanto para, é claro, crianças que encontrarão ou já encontraram em Astro Bot o mesmo sentimento que aqueles nascidos nos anos 80 e 90 tiveram com Sonic, Mario, Klonoa, Crash Bandicoot, Donkey Kong, ou qualquer outro título de plataforma cujo único propósito era cativar e garantir diversão.

Não é possível desconsiderar que ele também carrega o legado da marca PlayStation com diversas referências e easter eggs (e, portanto, é passivo de ser classificado como um advergame). É intrigante como um título visando celebrar os 30 anos do PlayStation tenha como aspecto de gameplay a definição de games em sua esfera mais simplista quando o console, em sua primeira iteração, foi o protagonista de um dos maiores saltos de hardware da história da indústria, cujo histórico contribuiu para a construção de universos e narrativas mais elaborados, complexos e visualmente estonteantes.

Estamos exigindo demais e, por consequência, tentando demais?

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Assim como em outras esferas da relação do humano com o ambiente digital interativo, os tempos de simplicidade nos games foram substituídos por demandas complexas e mais elaboradas. No universo em que disputamos a quantidade de fios de cabelo que uma engine consegue oferecer ou quantas taxas de quadro por segundo um jogo tem enquanto mantém seus gráficos estáveis, é possível que a comunidade de games tenha esquecido como é aproveitar um título pelo que ele realmente é.

Quando a vitória de Astro Bot como Jogo do Ano foi anunciada, procurei respostas lógicas para aquele fato em dois elementos: o que este jogo fez que os outros não fizeram e o que os outros jogos fizeram que este não fez. A resposta para o merecimento do título deveria estar conectada com essas perguntas.

Alguns podem mencionar como o que Astro Bot fez que os outros não fizeram foi carregar o legado de 30 anos da PlayStation. Esse peso afeta os óculos da nostalgia de qualquer gamer que cresceu com os consoles da Sony, mas ele não foi o único nessa categoria: Final Fantasy VII Rebirth também é um jogo envolto de nostalgia, pois se trata do remake de um dos títulos de maior sucesso da primeira geração do PlayStation - muito do sentimento positivo de Rebirth para os fãs, inclusive, deve-se a maneira como ele aprofunda a relação do interlocutor com os personagens que eles conheceram durante muitos anos.

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Como mencionamos acima, outro ponto onde Astro Bot se destacou foi na simplicidade. Ele se limita a ser um jogo. Ele não tenta emular uma experiência de cinema, evita ser estressante ou sobrecarregar seu jogador com informações e tarefas, é suficientemente desafiador sem alienar seu público e se contenta a fazer aquilo que propõe bem ao invés de tentar fazer demais.

Então, teriam os outros jogos tentado demais?

No semestre passado, quando estava escrevendo sobre como Ghost of Tsushima ainda é um dos jogos mais esteticamente incríveis da geraçãolink outside website, apesar de ser da era passada, conversei com um colega que atua na área de game design. Em meio às explicações sobre a produção de Ghost of Tsushima e os pequenos truques utilizados ali, ele também comentou sobre a relação do público com games e como isso afeta o ecossistema de produção.

Uma frase dele ficou na minha cabeça: “A maioria dos títulos mais ambiciosos é composta de um elemento que deu certo com alguém, revestido numa skin nova”. O exemplo dado por ele, na época, foi The Last of Us e God of War / God of War: Ragnarok - títulos em que o protagonista precisa proteger alguém enquanto parte em uma jornada de descobrimento. Nele, este alguém será um ajudante para alguns desafios, mas também um dos obstáculos narrativos. Os conflitos entre o protagonista e seu protegido permeiam a jornada.

Tal tendência está bem longe de algo novo. Sempre foi assim. A diferença é que, com as demandas do público, o tempo de desenvolvimento é menor - afinal, se você entrega o produto prometido em 2025 no ano seguinte, ele pode estar datado - e o custo da produção é muito mais alto.

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Produzir um jogo se tornou um risco maior, e se você faz errado, pode não existir outra chance para você. Títulos como Balatro são exceções - a maioria dos jogos Indies não consegue sequer ser lançada - e os riscos para empresas maiores voltadas para obras Triplo A, se não atenderem às expectativas da sua audiência, também existe e tem consequências.

Essas expectativas se encaixam em três eixos:

  • Diversão - Um jogo precisa ser divertido e engajador para a demografia com a qual ele pretende se comunicar e vender. Este também pode ser traduzido como jogabilidade, os elementos que envolvem a maneira como o título interage com e responde aos comandos do jogador.

  • Gráficos - Um jogo, em maioria, requer ser visual e esteticamente agradável, correspondendo às demandas criadas pelo público gamer. Em maioria, um está em busca de uma experiência cinematográfica interativa.

  • Propósito - Para a maioria, este pode ser traduzido como narrativa, mas esta é parte do propósito de um jogo. Uma obra de videogame precisa ter um motivo, um objetivo para ser jogado, algo a ser adquirido, recompensado, desafiado ou alcançado. Pode ser uma vitória em jogos ranqueados, uma história que acompanhamos do início ao fim, ou qualquer outro elemento no meio.

    Todo jogo Triplo A tentará, por natureza, corresponder esses pontos de alguma maneira. Alguns vão se dedicar mais em um espectro do que outro, mas todos os elementos estarão lá e o que os diferencia é a execução e complexidade de cada um. É possível ter dez variantes de FPS sendo anunciadas em um mesmo dia, e todas corresponderem a demografias e públicos-alvo distintos por meio da sua narrativa e estética visual.

    Outros indicados do Game of the Year, como Black Myth Wukong ou Final Fantasy VII Rebirth são extremamente engessados nessas três categorias: seus gráficos são alguns dos mais bem entregues em 2024, seu gameplay é satisfatório para as demografias das quais se interessam em seus respectivos estilos de jogo e suas narrativas são bem estruturadas e bem contadas, com altos e baixos comuns em qualquer trama.

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    E então temos Metaphor: ReFantazio. Seus gráficos podem não agradar toda demografia de jogadores (apesar de ser um exemplo de menus interativos), e seu nicho de RPG é ainda mais limitado do que títulos como o já mencionado FFVII Rebirth. O que Metaphor fez melhor que todos os outros foi entregar um propósito: a narrativa dele conversa com nosso mundo, com nossa realidade e os conflitos que enfrentamos - é uma história sobre o dilema das democracias, mas também sobre a linha tênue entre a fantasia e realidade, o idealismo da utopia e a dureza das relações humanas. É histórico, mas não é surpresa que ele tenha ganho o prêmio de Melhor Narrativa.

    Nessa eterna oferta e demanda por jogos cada vez mais visualmente detalhados, complexos e com narrativas cativantes, talvez a indústria do Triplo A tenha, em partes, se afastado das coisas que tornam de um game o que ele é. Estamos presos em um looping de buscar semelhanças com o cinema, com a dramaturgia e com o espetáculo, e no processo, nos desviamos daqueles pequenos elementos onde encontramos nossas paixões por games.

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    As diversas discussões nas mídias sociais sobre Astro Bot e o fato dele ter ganhado o Game of the Year, apesar de ser apenas um jogo de oito horas, só demonstram como nos perdemos no meio do caminho. Sim, nós queremos histórias emocionantes e gráficos que nos permitam imergir naqueles mundos incríveis que visitamos em nossas máquinas, mas também estamos perdendo a vista do que um jogo deveria significar, enquanto Astro Bot nos lembra do que videogames se tratam.

    Apenas oito horas parece pouco, mas oito horas que você passa com seus filhos, amigos, familiares, ou consigo mesmo em um momento de relaxamento valem muito mais do que cem horas de exploração ou quarenta de lutas. Aquelas oito horas, que você pode repetir quando quiser, pode significar muito mais para os elos que você possui fora das telas, ou para sua saúde mental.

    Para muitos, Astro Bot é a lembrança de tempos mais simples, a nostalgia das figuras icônicas para quem acompanhou a evolução do PlayStation nesses 30 anos, um título universal que se comunica tanto com adultos que hoje são pais quanto com seus filhos, uma obra capaz de unir pessoas de gerações diferentes através da nostalgia ou de uma gameplay simples, mas extremamente dedicada ao console em que ele se inseriu e, convenhamos, ele foi o melhor family game do ano.

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    Este pode não ser o Game of the Year que muitos desejavam, mas é o jogo que um mundo cada vez mais caótico, exigente e mais dividido precisava. Um que deixa uma lição que vai além das narrativas profundas para falar conosco, aqui, no mundo real, sobre o que nos fez gostar de videogames e o que traz novas gerações de jogadores a descobrir universos incríveis.

    Ao fim desse texto, concluo que Astro Bot não foi premiado só pela sua gameplay divertida ou por carregar o legado da marca PlayStation - ele é o Jogo do Ano de 2024 porque, por meio de todos os seus aspectos, ele garante que apesar de toda a diversidade e diferenças que este mundo complexo cria, jogos são para todos, e muitas uniões e momentos de diversão e calmaria podem acontecer com os games.

    Ele é o game para você jogar sozinho, ou com seus familiares, ou com seus amigos, amores, e com quem mais você quiser - Astro Bot, diferente dos seus concorrentes, é um jogo para todo mundo, e se ele deixa uma lição para a indústria, é que games podem aproximar pessoas e serem incríveis sendo apenas isso - jogos.